segunda-feira, 28 de agosto de 2017


Distritão acaba com deputado eleito sem voto. Não é melhor assim?  
* Ecio Rodrigues
Sem que haja uma explicação razoável, setores da imprensa vêm chamando de “Distritão” a proposta de eleição majoritária para vereadores e deputados, a ser implementada já em 2018.
Pulando a parte sobre o exercício incompetente do trabalho de difusão da informação neste país, pois certamente ninguém duvida disso, o ponto central da discussão se encontra no significado do termo Distritão.
Acontece que a Proposta de Emenda à Constituição (a chamada PEC) que trata da reforma política – cuja discussão no parlamento, por sinal, deveria ter sido iniciada após as reivindicações de junho de 2013 – deposita maior ênfase na alteração do atual sistema eleitoral.
Desde 1990, quando da realização das primeiras eleições pós-regime militar, não foram poucas as vezes em que os especialistas alertaram quanto ao risco que representava para o regime democrático as regras até hoje vigentes no país para a escolha de deputados e vereadores.
Quando o candidato Enéas Carneiro bateu o recorde de votação, recebendo mais de 1,5 milhão de votos em São Paulo, tornou-se evidente a afronta à democracia: esses votos elegeram, além do famoso “Meu nome é Enéas!”, mais 5 candidatos completamente inexpressivos, que não chegaram a obter, individualmente, nem sequer 1.000 votos.
A afirmação de que o eleitor “não lembra em quem votou na última eleição”, que costuma ser reiterada como se verdade fosse, sugerindo um suposto desleixo do brasileiro para com a democracia, encontra explicação nesse esdrúxulo e perigoso sistema, que reconhece parlamentares eleitos sem voto.
Os que se posicionam favoravelmente à eleição de deputados sem votos assentam sua defesa em três premissas: amadurecimento da democracia, renovação na política e fortalecimento dos partidos políticos.
Para eles, um ordenamento prevendo a eleição dos candidatos mais votados pelos eleitores, de forma sucessiva, até a ocupação de todas as vagas disponíveis nas câmaras de deputados e de vereadores, é característico de democracias rudimentares, cujos sistemas eleitorais são incapazes de fazer retratar no parlamento a diversidade presente na sociedade.
Pode até ser, e a discussão acerca de mecanismos que aprimorem a representação parlamentar da sociedade é mais que salutar, entretanto, de que maneira o deputado eleito sem voto melhora esse quadro é questão que ninguém logra explicar.
Repetindo enunciados panfletários, como o que apregoa que “velhas raposas continuarão cuidando dos galinheiros”, os críticos do Distritão argumentam ainda que esse procedimento irá privilegiar os candidatos que são mais conhecidos pelo povo.
O debate sobre processos de renovação que possibilitem o surgimento de novas expressões políticas, tanto no Legislativo quanto no Executivo, é deveras importante. Contudo, parece óbvio que privilegiar o deputado eleito sem voto não é o caminho.
Finalmente, os detratores do Distritão alegam que a eleição majoritária de deputados vai enfraquecer os partidos políticos.
Ora, convenhamos que, depois da criação da Rede, do Partido da Mulher, do Partido Ecológico e de outros tantos, chegando-se à absurda quantidade de 35 partidos em atividade no país (sem contar a dezena que se encontra em processo de criação), não há sistema eleitoral que tenha condições de evitar a falência desse tipo de agremiação.
Com o Distritão será o fim do deputado eleito sem voto. Se a reforma política alcançar esse feito para 2018, está de bom tamanho. 


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Cluster florestal na Amazônia: única saída
* Ecio Rodrigues
Muitos economistas notáveis já ressaltaram as vantagens trazidas pela especialização produtiva regional – vale dizer, a especialização de uma localidade ou região num determinado setor produtivo, visando-se, entre outras coisas, a obter redução de custos, economia de escala e, o mais importante, competitividade.
Parece, decerto, uma ideia um tanto óbvia. Todavia, trata-se de um modelo de planejamento produtivo que, embora lastreado em consagrada literatura, encerra grande complexidade para ser concretizado.
Distritos industriais foram criados em praticamente todas as médias e grandes cidades da Amazônia. Contudo, e sem entrar no mérito dos problemas enfrentados na maioria deles, principalmente ausência de urbanização e de estrutura de logística, o fato é que poucos apresentaram resultado.
A experiência demonstra que agrupar empresas em áreas afastadas dos centros urbanos traz uma série de vantagens e pode resolver transtornos relacionados à dispersão de fumaça e ao tráfego de caminhões, entretanto, não se configura em solução para melhorar a competitividade.
 É que juntar empresas é uma coisa razoavelmente simples, que envolve mecanismos de atração, como isenção de tributos; mas fazê-las atuar num setor específico da economia é outra coisa, bem diferente.
Se um distrito industrial se concentra, por exemplo, no processamento de produtos à base de madeira, reunindo serrarias, marcenarias, movelarias e assim por diante, as chances de sucesso desses empreendimentos aumentam consideravelmente.
Juntar e especializar empresas é fundamental, mas ainda não é suficiente para distinguir uma determinada região e torná-la referência num setor produtivo. Para promover o surgimento e manter competitividade, os especialistas apontam como ponto-chave a organização de aglomerados econômicos.
Cadeia produtiva e arranjo produtivo local são conceitos que, de maneira incipiente e preliminar, remetem à noção de aglomerado econômico.
Fosse possível estabelecer um processo evolutivo para a conquista de competitividade no setor produtivo, o distrito industrial seria o estágio mais primitivo; e o aglomerado econômico organizado na forma de cluster, o mais avançado.
Além dos empreendimentos característicos do setor produtivo, o cluster também compreende empresas correlatas e de apoio.
Continuando no exemplo acima, o cluster incluiria todo um complexo de negócios direcionados à produção e comercialização de uma cadeia de bens e serviços relacionados com a madeira.
Desde empresas de design de produtos em madeira, até estabelecimentos de ensino voltados para a formação e qualificação de profissionais nos diversos campos surgidos a partir da especialização em madeira tropical.
A organização dessa extrema especialização regional na forma de cluster exige a criação de um aparato institucional próprio, envolvendo tanto o âmbito privado quanto o estatal e o paraestatal (como o Sistema S, que se dedicaria a capacitar trabalhadores e assessorar empreendedores para operar na indústria da madeira).

Eventualmente, outros produtos florestais, além da madeira, poderiam ser abarcados por esse aglomerado econômico, que, desse modo, se transformaria num cluster florestal.
Tal qual o Vale do Silício, o maior cluster de informática do mundo, que foi criado num deserto praticamente do nada, o “Cluster Florestal da Amazônia” teria que ser instituído por política pública, mediante categórica ação do Estado.
Mas contaria com um importante diferencial: a chance de aproveitar a vocação florestal da região e toda a diversidade presente no ecossistema florestal da Amazônia, que ainda cobre mais da metade do território.
Mais do que uma opção de desenvolvimento, a estruturação de um cluster florestal na Amazônia é a única saída econômica para a região. Considerando-se, porém, que a persistente taxa anual de desmatamento pode alterar essa competitiva realidade, é melhor pensar nessa saída enquanto há tempo.         
             

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017


Campanhas de sensibilização não evitarão colapso do rio Acre
* Ecio Rodrigues
Verão amazônico. Rio Branco, capital do Estado do Acre. Convocado para uma reunião de emergência, um grupo de gestores de órgãos estatais discute o complexo diagnóstico sobre a vazão do rio Acre – que, a despeito de apresentar elevação recorde com risco de alagação no inverno, teima em baixar, no verão, até comprometer o abastecimento d’água.
Esses extremos de vazão vêm acontecendo há pelo menos 15 anos, período em que os efeitos das alterações no clima tiveram seu impacto ampliado sobre o rio, devido à persistente taxa de desmatamento observada na área de influência de sua bacia hidrográfica.
Entretanto, em que pese a comprovação científica acerca da estreita correlação estatística entre desmatamento e alteração da vazão nos rios amazônicos, continua a prevalecer o entendimento de que a substituição da floresta por capim é crucial para garantir a subsistência ou aplacar a fome.
(Até parece que os produtores rurais estão passando fome desde a década de 1990...)
Na verdade, a defesa do desmatamento como contraponto à fome deixa transparecer a insensatez de se manter uma produção agropecuária que é meramente de subsistência e, portanto, irrelevante para a dinâmica econômica estadual.  
A conclusão – equivocada, mas todos os anos reiterada – é que o desmatamento é inevitável, um mal necessário, e vai acontecer por um imperativo de sobrevivência, a despeito de ser inviável para a economia amazônica.
Voltando à reunião, o grupo de gestores públicos decide que o cidadão deve dar sua parcela de contribuição para salvar o rio Acre.
A fim de assegurar a tal contribuição cidadã, propõe-se a realização de uma campanha conclamando a população a não fazer fogueira nos arraiais, não jogar lixo no rio e, naturalmente, moderar o consumo d’água.
Todo mundo sabe, naturalmente, que esse tipo de expediente não passa de distração. Mas o importante é mostrar para a sociedade que a seca do rio é motivo de grande preocupação nas esferas governamentais.
Desse modo, as peças publicitárias veiculadas no rádio, na tevê, em outdoors espalhados pela cidade devem incluir ao final uma comovente declaração de amor ao rio – algo que sensibilize, ao tempo em que conscientiza quanto à gravidade do problema.
Com a chegada das águas de outubro, as preocupações se dissipam. À medida que as chuvas se intensificam, as apreensões se voltam para a possibilidade de alagação. Tal como uma ladainha, repete-se a pergunta que antecede cada estação, desde que a vazão do rio Acre passou a ocupar a cena local em todo inverno (“Vai alagar?”) e todo verão (“Vai secar?”).
E assim a vida segue, e continuamos a assistir ao patente e paulatino colapso do rio. Mas a culpa decerto é da população, por sua incapacidade de se mobilizar em defesa de uma causa.
A hipotética reunião certamente voltará a acontecer e a campanha de sensibilização, claro, também.
Ninguém vai propor a restauração florestal da mata ciliar. E ninguém discutirá a necessidade de se aumentar a largura da faixa de mata ciliar, em todos os municípios cortados pelo rio Acre, para além dos insuficientes 30 metros previstos no Código Florestal.
Nada disso. Ampliar a resiliência do rio Acre não importa. Mas, calma!, uma nova campanha de sensibilização está sendo preparada para 2018.



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017


Acordo de Paris, garantia de futuro
* Ecio Rodrigues                  
Quando a Convenção das Mudanças no Clima foi assinada, durante a conferência da Organização das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro em 1992, houve quem duvidasse dos frutos que esse tratado produziria.
E um bocado de gente também demonstrou ceticismo em relação ao Protocolo de Kyoto – tanto por ocasião da celebração desse pacto, em 1997, quanto à época de sua entrada em vigor, em 2005.
Agora, contudo, os descrentes já não têm mais pretextos para duvidar. O Acordo de Paris foi assinado em dezembro de 2015 por praticamente todos os países do globo e passou a viger (antecipadamente) a partir de 2016, trazendo metas aferíveis de redução de carbono, a serem alcançadas até 2020.
O aquecimento do planeta tornou-se verdade científica irrefutável; da mesma forma, foi comprovado que o aumento que vem ocorrendo na temperatura se deve ao atual modelo de desenvolvimento adotado pela humanidade, baseado em petróleo e combustíveis não renováveis. O mundo inteiro reivindica dos gestores públicos a adoção de providencias, necessárias e urgentes.
Por isso, os países se comprometeram a levar a efeito uma série de iniciativas voltadas para reduzir a quantidade de carbono anualmente lançada aos céus. Trata-se de um conjunto de ações complexas, que, para serem alcançadas, vão exigir sacrifícios de cada povo.
De um lado, os países industrializados terão que alterar suas respectivas matrizes energéticas – vale dizer, as fontes que geram a energia elétrica necessária para manter a escala de produção e de emprego nas indústrias; de outro lado, os países cuja economia se baseia no agronegócio, como o Brasil, vão ter que manter a escala de produção e emprego em suas terras rurais sem aumentar o desmatamento nas florestas nativas.
Os compromissos assumidos pelo Brasil, ratificados pelo Congresso em 2016, podem ser resumidos, grosso modo, em três objetivos: construir novas hidrelétricas; restaurar áreas de florestas degradadas; e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia.
Existem, hoje, aproximadamente 130 hidrelétricas em funcionamento em território nacional. A construção de cerca de 30 novas usinas ampliará a participação da força das águas para 80% de toda a energia elétrica gerada no país – o que, além de atender à demanda por energia elétrica, reduzirá a quantidade de carbono expelida pelas termoelétricas movidas a óleo diesel.
Florestas consideradas especiais, como as formações presentes nas margens dos rios, denominadas mata ciliar, deverão ser restauradas, já que são cruciais para conservar o equilíbrio hidrológico e reduzir os impactos de secas e alagações.
Finalmente, a meta de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, mais do que um compromisso perante o mundo, é questão de honra para os brasileiros. Primeiro, porque se trata de meramente fazer cumprir a lei, e um país que não consegue impor a observância da lei a seus produtores rurais não pode se ver como nação.
Segundo, porque a floresta amazônica é importante demais para ser sacrificada em favor de uma atividade cuja existência não tem justificativa econômica. Preste atenção: sem falar da destruição florestal que provoca, a pecuária na Amazônia apresenta entraves agronômicos que comprometem sua viabilidade. Não é insano?
Por sinal, o compromisso a ser honrado pelo Brasil deveria ser o de zerar o desmatamento legalizado.
Acontece que, a despeito de ser permitido pelo Código Florestal, o desmatamento legalizado é tão inadmissível quanto o ilegal, com um agravante: existe saída tecnológica que possibilita a exploração da biodiversidade e, por conseguinte, a geração de riqueza sem a devastação da floresta.
Além de apresentar viabilidade econômica inquestionável, a saída pelo uso econômico da biodiversidade é adequada aos preceitos de sustentabilidade exigidos pelo planeta e acordados pelos países.
É ou não é o futuro?


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.