Segundo artigo da série RETROSPECTIVA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA EM 2021 (publicado originalmente em 18/04/2021).
Para
iniciar o novo ano, e como forma de apresentar uma mostra da realidade
vivenciada na Amazônia durantes os 12 meses do ano que terminou, foram
selecionados e serão novamente postados, neste espaço, textos considerados
representativos, entre os mais de 50 artigos publicados em 2021.
Para Basa, criação
extensiva de boi é desenvolvimento sustentável
*
Ecio Rodrigues
Não
é de hoje que, à medida que entra e sai governo do Planalto, o Basa (Banco da
Amazônia) escapa por um triz de ser extinto – e a justificativa da área
econômica para encerrar de vez as atividades desse banco é simples: Banco do
Brasil e BNDES podem atender, e com maior estrutura técnica, à demanda que
chega ao Basa.
Mas
não é só isso. Embora o Basa venda uma imagem de instituição financeira que
apoia o desenvolvimento sustentável da Amazônia, a verdade é que carrega um
cabedal de carteiras de crédito que disponibilizam financiamentos bastante
discutíveis – para dizer o mínimo –, como o direcionado à formação de pastos em
projetos de pecuária extensiva.
Assim,
há muito tempo os projetos aprovados pelo banco vêm sendo colocados em xeque, e
agora, mais do que nunca, quando o sistema financeiro internacional passou a
adotar critérios rigorosos de sustentabilidade para o financiamento de
empreendimentos – sendo o cumprimento da meta de desmatamento zero na Amazônia
um dos primeiros deles –, é motivo de questionamento o apoio conferido pelo
Basa à criação extensiva de gado.
É
de se perguntar, de outra banda, o que leva o banco a apregoar a falsa premissa
de que, ao financiar a expansão da pecuária sobre áreas de florestas, contribui
para a sustentabilidade da Amazônia.
O
Basa integra, juntamente com Suframa, Banco do Brasil e BNDES, o conjunto dos
mais importantes agentes financeiros para a oferta de recursos destinados ao
subsídio de empresas e atividades produtivas consideradas prioridade para a
economia da Amazônia.
Embora,
de forma geral, esses quatro agentes indutores do desenvolvimento regional
demonstrem pouco domínio em torno do conceito de sustentabilidade preconizado
pela ONU – domínio este, diga-se, que deveria ser condição para uma instituição
financeira atuar como promotora da ocupação produtiva na Amazônia – o Basa é,
sem dúvida, o menos capacitado e estruturado sob o ponto de vista técnico.
É
o que se pode chamar de contradição frustrante, posto que o Basa, que surgiu e
tem sede na Amazônia, além de agências espalhadas pelos 8 estados da região, se
arvora de conhecer em minúcia a realidade amazônica.
Para
quem não sabe, o Basa se originou do antigo Banco de Crédito da Borracha, que
foi criado para estear, mediante financiamento direto e instalação de
infraestrutura, a produção de borracha, historicamente o mais importante
produto florestal da Amazônia.
Nem
a madeira, tampouco os produtos que ficaram conhecidos como “drogas do sertão”
(como é o caso do cacau) se comparam à importância econômica da borracha na
história dos ciclos econômicos da Amazônia. Por isso, a borracha é o único
produto florestal que chegou a dispor de um banco específico.
A
experiência acumulada no suporte à extração de borracha no interior da floresta
– algo de valor inestimável – deveria ter sido assimilada pelo Basa, que
assumiu as atividades do Banco da Borracha em 1966, no período do regime
militar; mas, ao que parece, isso não aconteceu.
A
atuação e, consequentemente, a especialização no âmbito do segmento produtivo
da exploração comercial da biodiversidade florestal teriam induzido o Basa para
o caminho da sustentabilidade.
Entretanto,
o banco não só perdeu toda a expertise do antigo Banco de Crédito da Borracha
como ajudou a conceber a errada ideia da falência extrativista, desconsiderando
que o extrativismo florestal poderia ser modernizado com tecnologia, nos moldes
preconizados para a bioeconomia.
A
completa falta de visão estratégica do Basa não se justifica na atualidade, em
especial após a assinatura do Acordo de Paris em 2015, dado que a oferta de
produtos e serviços pela biodiversidade florestal está no centro de uma futura
e esperada economia mundial de baixo carbono.
Por
outro lado, a reiterada insistência do Basa em financiar a criação extensiva de
gado, tanto aquela já consolidada quanto sua expansão sobre áreas cobertas por
florestas, de maneira ininterrupta, todos os anos e por mais de 30 anos,
demonstra um distanciamento preocupante do banco em relação ao sistema
financeiro internacional.
Pior,
ao aquiescer que a criação extensiva de boi preenche os requisitos de
sustentabilidade, o Basa contraria farta literatura científica que comprova os
prejuízos econômicos, sociais e ambientais causados por essa atividade
produtiva.
Enfim,
enquanto o aproveitamento comercial da biodiversidade florestal da Amazônia
evoluiu em termos tecnológicos nos últimos 20 anos, o Basa continuou perdido no
apoio ao desmatamento para a pecuária de gado.
A
conclusão irrefutável é que um agente financeiro a menos não faz diferença, se
não tem como prioridade a sustentabilidade da Amazônia.
*Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política
Florestal (UFPR), e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).