segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Segundo artigo da série RETROSPECTIVA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA EM 2021 (publicado originalmente em 18/04/2021).

 

Para iniciar o novo ano, e como forma de apresentar uma mostra da realidade vivenciada na Amazônia durantes os 12 meses do ano que terminou, foram selecionados e serão novamente postados, neste espaço, textos considerados representativos, entre os mais de 50 artigos publicados em 2021.

 

Para Basa, criação extensiva de boi é desenvolvimento sustentável

* Ecio Rodrigues

Não é de hoje que, à medida que entra e sai governo do Planalto, o Basa (Banco da Amazônia) escapa por um triz de ser extinto – e a justificativa da área econômica para encerrar de vez as atividades desse banco é simples: Banco do Brasil e BNDES podem atender, e com maior estrutura técnica, à demanda que chega ao Basa.

Mas não é só isso. Embora o Basa venda uma imagem de instituição financeira que apoia o desenvolvimento sustentável da Amazônia, a verdade é que carrega um cabedal de carteiras de crédito que disponibilizam financiamentos bastante discutíveis – para dizer o mínimo –, como o direcionado à formação de pastos em projetos de pecuária extensiva.

Assim, há muito tempo os projetos aprovados pelo banco vêm sendo colocados em xeque, e agora, mais do que nunca, quando o sistema financeiro internacional passou a adotar critérios rigorosos de sustentabilidade para o financiamento de empreendimentos – sendo o cumprimento da meta de desmatamento zero na Amazônia um dos primeiros deles –, é motivo de questionamento o apoio conferido pelo Basa à criação extensiva de gado.  

É de se perguntar, de outra banda, o que leva o banco a apregoar a falsa premissa de que, ao financiar a expansão da pecuária sobre áreas de florestas, contribui para a sustentabilidade da Amazônia.

O Basa integra, juntamente com Suframa, Banco do Brasil e BNDES, o conjunto dos mais importantes agentes financeiros para a oferta de recursos destinados ao subsídio de empresas e atividades produtivas consideradas prioridade para a economia da Amazônia.

Embora, de forma geral, esses quatro agentes indutores do desenvolvimento regional demonstrem pouco domínio em torno do conceito de sustentabilidade preconizado pela ONU – domínio este, diga-se, que deveria ser condição para uma instituição financeira atuar como promotora da ocupação produtiva na Amazônia – o Basa é, sem dúvida, o menos capacitado e estruturado sob o ponto de vista técnico.

É o que se pode chamar de contradição frustrante, posto que o Basa, que surgiu e tem sede na Amazônia, além de agências espalhadas pelos 8 estados da região, se arvora de conhecer em minúcia a realidade amazônica.

Para quem não sabe, o Basa se originou do antigo Banco de Crédito da Borracha, que foi criado para estear, mediante financiamento direto e instalação de infraestrutura, a produção de borracha, historicamente o mais importante produto florestal da Amazônia.

Nem a madeira, tampouco os produtos que ficaram conhecidos como “drogas do sertão” (como é o caso do cacau) se comparam à importância econômica da borracha na história dos ciclos econômicos da Amazônia. Por isso, a borracha é o único produto florestal que chegou a dispor de um banco específico.

A experiência acumulada no suporte à extração de borracha no interior da floresta – algo de valor inestimável – deveria ter sido assimilada pelo Basa, que assumiu as atividades do Banco da Borracha em 1966, no período do regime militar; mas, ao que parece, isso não aconteceu.

A atuação e, consequentemente, a especialização no âmbito do segmento produtivo da exploração comercial da biodiversidade florestal teriam induzido o Basa para o caminho da sustentabilidade.

Entretanto, o banco não só perdeu toda a expertise do antigo Banco de Crédito da Borracha como ajudou a conceber a errada ideia da falência extrativista, desconsiderando que o extrativismo florestal poderia ser modernizado com tecnologia, nos moldes preconizados para a bioeconomia.

A completa falta de visão estratégica do Basa não se justifica na atualidade, em especial após a assinatura do Acordo de Paris em 2015, dado que a oferta de produtos e serviços pela biodiversidade florestal está no centro de uma futura e esperada economia mundial de baixo carbono.

Por outro lado, a reiterada insistência do Basa em financiar a criação extensiva de gado, tanto aquela já consolidada quanto sua expansão sobre áreas cobertas por florestas, de maneira ininterrupta, todos os anos e por mais de 30 anos, demonstra um distanciamento preocupante do banco em relação ao sistema financeiro internacional.

Pior, ao aquiescer que a criação extensiva de boi preenche os requisitos de sustentabilidade, o Basa contraria farta literatura científica que comprova os prejuízos econômicos, sociais e ambientais causados por essa atividade produtiva.

Enfim, enquanto o aproveitamento comercial da biodiversidade florestal da Amazônia evoluiu em termos tecnológicos nos últimos 20 anos, o Basa continuou perdido no apoio ao desmatamento para a pecuária de gado.

A conclusão irrefutável é que um agente financeiro a menos não faz diferença, se não tem como prioridade a sustentabilidade da Amazônia.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR), e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

 

Quer entender mais sobre o potencial da biodiversidade florestal da Amazônia, adquira esse livro: Ciliar Só-Rio: Mata Ciliar no Rio Acre

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

A ocupação da Amazônia foi possível graças aos seus rios.

Para que a Amazônia tivesse seu maior e mais impressionante ciclo de riqueza, começando pela produto da biodiversidade florestal mais valioso, a borracha, até chegar no atual serviço de estoque de carbono, navegaram pelos rios navios de grande calado, abarrotados de pessoas e de produtos.

No Acre não foi diferente. Foram os rios que deram acesso ao território e permitiam escoar a produção de borracha.

É difícil imaginar que o rio Acre de hoje é o mesmo daquela época, quando até aviões pousavam em seu leito caudaloso.

Oscilando entre secas e alagações que ocorrem em espaço de tempo cada vez menor, atualmente o rio Acre está assoreado e com o seu equilíbrio hidrológico comprometido.

Mas esse diagnóstico não é novidade. Pesquisadores e instituições já alertaram, mais de uma vez, quanto ao elevado nível de degradação existente na bacia hidrográfica do rio Acre.

Todavia (e infelizmente), se o diagnóstico é compartilhado por muitos, as soluções não o são.

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Ideias esdrúxulas surgem a todo instante para resolver o problema da escassez (seca) ou excesso (alagação) d’água, mas nenhuma se volta para o rio, no intuito de encontrar as causas do recorrente diagnóstico. Ora se alvitra mudar o trajeto do rio; ora se cogita canalizá-lo (por meio dos tais “bolsacretos”). Até mesmo a construção de várias barragens (as chamadas “eclusas”) já chegou a ser proposta, o que transformaria o curso d’água em vários açudes.

Indo mais fundo no diagnóstico e propondo soluções para a recuperação do rio, este livro traz a experiência adquirida com o premiado projeto Ciliar Só-Rio Acre. A principal ideia contida aqui é que está na mata ciliar a reposta para fazer com que o rio Acre volte a ser como era. 

Entendendo que na mata ciliar dos rios do Acre se encontra a solução para a maior parte dos problemas relacionados à ocorrência de secas e alagações, um grupo de pesquisadores se uniu para diagnosticar e propor ações de restauração florestal para a mata ciliar do rio Acre.

Surgia assim o Projeto Ciliar Só-Rio Acre, cujos pormenores são apresentados e discutidos neste livro. Todos os que se aventurarem em sua leitura certamente irão perceber o quão frutífera e reveladora foi essa experiência pioneira no rio Acre. Seja muito bem vindo.

Esse projeto foi premiado na categoria ambiental do Prêmio Samuel Benchimol, edição 2011.