domingo, 29 de dezembro de 2019



Políticos da Amazônia atenuam fiasco brasileiro na COP 25 
* Ecio Rodrigues
Não adianta esperar alguma liderança política por parte do governo (sobretudo em assuntos relacionados ao meio ambiente e aquecimento global), mas  a participação brasileira na COP 25 trouxe um alento, já que alguns parlamentares e governadores da Amazônia assumiram sua responsabilidade na condução de políticas regionais para reduzir os impactos das mudanças climáticas.
Pelo que se viu em Madri, até o encerramento, no sábado (14/12), e no decorrer da COP 25, a 25ª Conferência das Partes para a Convenção do Clima, a comitiva oficial brasileira, comandada pelo Ministério do Meio Ambiente, não apresentou propostas, tendo se limitado a obstruir negociações que requerem desfecho urgente.
Sob o entendimento simplório e equivocado de que o Acordo de Paris privilegia as nações mais industrializadas e cria barreiras não tarifárias para dificultar que países em desenvolvimento exportem seus produtos, a equipe do MMA perdeu o foco da discussão – a saber, a mitigação da crise ecológica.
Para os poucos familiarizados, barreiras não tarifárias são obstáculos impostos pelos compradores aos países exportadores, quando estes adotam práticas consideradas inaceitáveis em seus processos produtivos.
Por exemplo, quando o Brasil, que é o maior produtor e exportador de carne de boi, é acusado de desmatar e plantar capim em áreas de florestas – o que, por óbvio, contraria o esforço mundial para reduzir as emissões de carbono –, e os importadores, sob o argumento de que a pecuária não pode destruir a floresta na Amazônia, deixam de comprar a carne brasileira.
Ora, se por um lado o comércio internacional de commodities se reveste de crucial importância para o Brasil, que tem mais de 50% do PIB subordinado ao agronegócio, por outro, é inegável que os países associados à ONU estão sendo pressionados a adotar salvaguardas ambientais, no sentido de reduzir os efeitos do aquecimento global.
Dessa forma, as nações cuja economia é baseada no setor primário terão que investir em aumento de produtividade. Significa dizer que o Brasil deve aumentar a oferta de carne de boi e, ao mesmo tempo, reduzir a demanda por novas terras com florestas para cultivo de soja e capim.
Por seu turno, países em estágio avançado de industrialização, como os que integram o G7, grupo das sete economias mais pujantes do planeta, terão que instalar filtros nas chaminés de suas fábricas e financiar o plantio de florestas para retirar o carbono que lançam na atmosfera.
Nenhum país sairá imune, livre de obrigações e prejuízos, no processo de adaptação às mudanças climáticas e mitigação da crise ecológica atual.
A boa notícia é que a economia de baixo carbono, que pressupõe a substituição dos combustíveis fósseis (leia-se: petróleo e carvão mineral) na geração de energia, possibilita o surgimento de novos ofícios – que por sua vez são superiores, em termos de quantidade e qualidade, às ocupações a serem extintas.
Resumindo: no caso da Amazônia, os empregos e a renda advindos da exploração sustentável da biodiversidade florestal, no modelo preconizado pela economia de baixo carbono, irá, no médio prazo, produzir mais riqueza que o desmatamento para criar boi.
Felizmente, esse foi o ponto de vista defendido por deputados federais, senadores e governadores presentes na COP 25, durante as negociações realizadas diretamente entre países doadores e os 9 estados da Amazônia.
Os políticos da Amazônia assumiram o vazio de liderança deixado pelos representantes brasileiros.
Enfim, o aquecimento do planeta é uma realidade, o Acordo de Paris vai resolver, e a Amazônia poder ser a chave para a solução – pouco importando a estupidez e a indiferença do governo federal. 
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 15 de dezembro de 2019



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Após recorde de desmatamento, Acre vai alterar ZEE para desmatar mais?
* Ecio Rodrigues
Pode ser que alguém acredite que o destino da floresta no Acre é ser convertida em pastos para criação de boi, mas uma coisa é certa: alterar o ZEE (zoneamento ecológico-econômico) para estimular o desmatamento é de uma estupidez sem tamanho.
Explicando melhor. Por meio do Decreto 4.673, publicado em 14 de novembro último, o governo estadual nomeou uma comissão com a atribuição de revisar o ZEE.
Nada foi mais significativo para transformar a realidade produtiva rural do Acre nos últimos 50 anos do que o zoneamento ecológico-econômico. Instituído pela Lei 1.904/2007, o ZEE dividiu a superfície rural em zonas, de acordo com dois critérios: (a) potencial produtivo apontado em estudos; (b) consulta junto aos produtores diretamente envolvidos.
Nas situações em que a informação científica se contrapôs aos interesses dos produtores, o impacto econômico e social teve maior peso na decisão. Significa dizer que prevaleceu a vontade dos produtores que ocupavam a terra e praticavam a atividade predominante no meio rural local – a saber, o agronegócio da criação extensiva de boi.
Dessa forma, e ainda que o pecuarista tenha sido o ator social que mais opôs resistência à realização do zoneamento, no final das contas foi o que mais se beneficiou.
Nos termos da legislação então (e ainda) vigente, o ZEE poderia permitir – como de fato permitiu – a redução das áreas de reserva legal, de 80% para 50% da área total das propriedades rurais, nas zonas destinadas à produção agropecuária.
Por efeito do ZEE, portanto, um extenso território coberto por florestas foi imediatamente e legalmente cedido à ampliação da pecuária.
Em outubro de 2007, este articulista já alertava para o impacto que a aprovação do ZEE causaria à sustentabilidade ecológica, ao liberar novas terras para a instalação da pecuária.
Em artigo intitulado “Sustentabilidade em risco no Acre”, chamou a atenção para o erro que significava a aprovação de um zoneamento que, cedendo à pressão dos pecuaristas, reduzia em 30% as áreas de reserva legal das propriedades – e justamente nas margens das rodovias, as regiões mais valorizadas no âmbito rural.
Era evidente que a disponibilização de mais terra para desmatamento e cultivo de pasto conferia a segurança jurídica necessária ao aumento do rebanho estadual.
Ocorre que, entre os 3 fatores de produção requeridos pela pecuária, o fator terra, no caso do Acre, é o mais limitante.
Traduzindo do economês, pode-se afirmar o seguinte: mesmo que exista sobra de capital (quase sempre na forma de crédito público subsidiado) e mesmo que exista excesso de trabalhadores dispostos a permanecer nos ramais, a oferta de terras legalizadas para desmatamento é o fator mais determinante para o crescimento do rebanho bovino no Acre.
Não é demais afirmar que graças ao zoneamento o Acre chegou em 2018 com um efetivo bovino de mais de 3 milhões de cabeças, um crescimento superior à média nacional – em especial quando comparado ao plantel de 2,3 milhões de cabeças apurado em 2005, apenas 2 anos antes da aprovação do ZEE.
Voltando à pretendida revisão do ZEE. Não precisa exercitar muito o intelecto para perceber que essa revisão tem o propósito de aumentar ainda mais a quantidade de terras com florestas destinadas ao desmatamento legalizado.
Ora, é óbvio que a ideia não é criar uma reserva extrativista ou qualquer outra unidade de conservação, muito menos ampliar a área de reserva legal nas propriedades particulares.
Enfim, o desmatamento no Acre aumentou 55% em 2019. Revisar o ZEE para desmatar mais é o mesmo que combater fogo com gasolina.   
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





terça-feira, 10 de dezembro de 2019



Ainda sobre o desmatamento recorde na Amazônia em 2019
* Ecio Rodrigues
No início do ano, os gestores do Ministério de Meio Ambiente nomeados pelo governo que assumiu em janeiro acrescentaram duas contribuições ao rol de polêmicas inúteis que pululam nestes tempos vácuos de lideranças políticas.
Primeiro, ao afirmar que o aquecimento do planeta e a consequente alteração do clima, verdades científicas incontestáveis, seriam produto da intenção conspiratória de alguns países que têm por estratégia manter outros países no subdesenvolvimento(!) – inclusive o Brasil, a sétima maior economia do mundo. Algo insano não?
Segundo, ao defender que a taxa de desmatamento da Amazônia deveria ser estratificada, de maneira a se fazer uma distinção entre os produtores que já extrapolaram o limite legal de desmatamento em suas propriedades e os que ainda têm área a desmatar.
Embora esse raciocínio pareça até coerente, a coerência é só aparente mesmo: na pratica, os gestores do MMA – instância superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente – estão a endossar que os produtores têm e devem exercer o direito de desmatar 20% da área total de suas propriedades rurais.
Reforçando uma conduta que deveriam coibir, a despeito de sua suposta legalidade, os gestores ambientais sustentam que o desmatamento legalizado representa a maior parcela da destruição florestal levada a efeito na Amazônia. Dentro da lógica absurda e obtusa por eles perfilhada, se os produtores têm o direito de desmatar e se a maior parte do desmatamento é legalizada, não haveria o que fazer – portanto, não haveria razão para gritaria.
Acontece que o MMA tem por missão institucional zerar o desmatamento na Amazônia – pouco importando se ilegal ou legalizado.
No primeiro caso, o êxito obtido com as medidas de contenção adotadas no período posterior ao desmatamento recorde ocorrido tanto em 1995 quanto em 2004 demonstra que o elevado investimento em fiscalização fornece o retorno esperado, já no curto prazo.
Apesar do lapso de quase 10 anos entre um recorde e outro, em ambas as ocasiões o esforço fiscalizatório logrou derrubar as taxas de desmatamento a níveis considerados aceitáveis, logo no período seguinte de medição.
A dinâmica apresentada pelo desmatamento nas conjunturas de 1995 e 2004 é similar à dinâmica do desmatamento medido em 2019 – o que significa que reforçar a fiscalização, mesmo que com a ajuda do Exército, como deseja o MMA, resolverá boa parte do desmatamento ilegal.
E ainda que a fiscalização não seja a solução para o desmatamento legalizado, nem por isso os gestores ambientais estão autorizados a lavar as mãos. Ora, ao MMA não é facultado condescender com a devastação da Amazônia – ao contrário, como órgão máximo de execução da Política Nacional de Meio Ambiente, tem a atribuição legal de propor e implementar alternativas produtivas à degradação florestal.
A diferenciação, no somatório das áreas de floresta anualmente destruídas, entre o desmatamento ilegal e o legalizado sem dúvida é importante, mas apenas em termos de definição de estratégia de atuação – jamais para eximir a responsabilidade do MMA.
De outra banda, os gestores do MMA também estão errados em relação à participação do desmatamento legalizado no cômputo total da área de floresta anualmente perdida.
Mesmo não sendo possível comprovar com segurança, todos os indicativos levam a crer que o desmatamento ilegal representa mais da metade dos 9.762 Km² de florestas destruídas em 2019.
Existe uma evidência, muito robusta, como dizem os pesquisadores, que reforça a noção de que o desmatamento ilegal prevalece sobre o legal.
Mais de 80% dos 256 municípios que integram o Arco do Desmatamento (localizado na bordadura curva do bioma Amazônia, entre o Acre e o Maranhão) ultrapassaram o limite legal de áreas desmatadas.
Sem embargo, a verdade é que as autoridades ambientais do momento simplesmente desconsideram o arcabouço de discussões e de produção científica construído no país nos últimos 40 anos.
Sob maior especificidade, qualidade e quantidade a partir de 1988, quando tiveram início as medições por satélite das taxas de desmatamento, sempre executadas com a precisão científica do Inpe, a análise da dinâmica da destruição florestal já foi objeto de um sem-número de artigos científicos e teses de doutoramento.
O mundo espera que o MMA reconheça o óbvio: todo e qualquer desmatamento na Amazônia precisa, em breve, ter fim.
   
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 2 de dezembro de 2019



688 km2 desmatados no Acre em 2019: recorde para os últimos 15 anos
* Ecio Rodrigues
Períodos eleitorais costumam aquecer a economia no Acre, e uma vez que a elevação de 55% no desmatamento anual foi aferida entre 01/08/2018 e 31/07/2019, fica a dúvida: de quem é a culpa?
Segundo o prestigiado Inpe, em 2019 o Acre bateu recorde de desmatamento para os últimos 15 anos, sendo que uma espantosa área de 688 km2 de florestas foi completamente destruída, em corte raso – isto é, sem chance de regeneração.
A dúvida quanto à responsabilidade, ou culpa, pela absurda destruição florestal que mancha a reputação do estado, e que certamente não é motivo de orgulho para os acreanos, é mais que pertinente.
Explicando melhor. Uma parte desse desmatamento recorde medido pelo Inpe ocorreu nos últimos 5 meses de 2018, durante e logo após o período eleitoral, ocasião em que os produtores rurais investem para aumentar o pasto, apostando na omissão generalizada dos políticos que disputam seu voto.
Afora a usual injeção de dinheiro público na economia, por meio dos recursos oriundos do Fundo Partidário que abastecem as campanhas eleitorais, no caso específico do Acre, os produtores rurais foram incentivados a desmatar – tanto pelo governo da época como também por todos os candidatos da oposição, sem exceção.
Nenhum partido ou candidato apresentou alternativa viável para o futuro do estado que não fosse o agronegócio (ainda que ninguém tenha se dado ao trabalho de esclarecer, ou pelo menos debater, que categoria de agronegócio seria adequada à realidade rural e florestal de cada município).
Por sua vez, o governo que assumiu em janeiro de 2019, reproduzindo as declarações de baixo nível técnico do governo federal, fez questão de sair em defesa de um suposto direito de desmatar do produtor – muito embora não tenha demonstrado capacidade para explicar a que se destinaria o desmatamento da floresta no Acre.
Quer dizer, o governo estadual até o momento não conseguiu fazer uma distinção clara entre a produção de commodities para exportação (leia-se: cultivo de soja) e a criação extensiva de boi, atividade antiga e predominante no meio rural local.
No frigir dos ovos, o tal apoio ao agronegócio, prometido como a “redenção da economia”, não passa de incentivo à destruição da floresta para cultivo de capim e criação de boi – ou seja, a mesma pecuária extensiva e de baixíssima produtividade que vem sendo praticada nos últimos 40 anos, e que exige a destruição de um hectare de floresta para cada boi criado.
De outra banda, o governo anterior, ao abraçar o agronegócio, abandonando o projeto “Florestania”, que pressupunha uma saída econômica para o desenvolvimento do Acre por meio da exploração da biodiversidade florestal, teve expressiva parcela de responsabilidade sobre o desmatamento recorde de 2019.
Por sinal, as flutuações nas taxas anuais de desmatamento em território estadual nos últimos 20 anos evidenciam a dificuldade dos gestores ambientais para controlar a permanente tendência de alta.
Adotando costumeira atitude defensiva, os governos de antes e o de agora insistem no argumento de que é possível criar boi sem desmatar novas áreas de floresta, a despeito das fartas evidências científicas demonstrando o contrário.
Se existe algum aprendizado a ser extraído das idas e vindas do atual governo com relação à extinção e recriação do IMC-AC (Instituto de Mudanças Climáticas do Acre), é que o mundo já não admite a destruição florestal na Amazônia.
Outro aprendizado: controlar o desmatamento é mais complicado do que se imagina, exige um nível de competência técnica que não é fácil encontrar por aí.

  *Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 25 de novembro de 2019



Maior tragédia ambiental do país, desmatamento dispara na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Desnecessário mencionar que a redução do desmatamento na Amazônia, longe de reclamar ações baseadas em fundamentalismo ideológico, exige empenho para compreender as motivações que levam o produtor rural a investir nessa nefasta prática todos os anos.
Ao constatar um aumento de 29,50% na taxa de desmatamento da Amazônia, no período que vai de 01/08/2018 a 31/07/2019, o reconhecido Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) confirmou a acentuada tendência de elevação prevista pelos cientistas.
Sem temer as já habituais represálias por parte do próprio governo que integra, o Inpe deixou claro que a destruição da floresta amazônica em 2019 representa recorde em valores absolutos para os últimos 10 anos.
Desde 2008 não acontecia desmatamento superior a 8.000 Km2. À época, todavia, observava-se uma tendência animadora de redução, que vinha desde 2005, tendo possibilitado, inclusive, o festejado patamar de menos de 5.000 Km2 desmatados em 2012.
A alegria durou pouco: o feito daquele ano jamais se repetiria e, pelo contrário, a destruição da floresta amazônica continuou a aumentar quase que continuamente, até disparar agora, em 2019.
Um total de 9.762 Km2 de florestas foi suprimido pelo corte raso, do tipo que não permite regeneração natural durante pelo menos 80 anos – aproximando a região do “ponto de não retorno” para a condição anterior de floresta tropical.
Para explicar melhor. O ponto de não retorno será alcançado quando a proporção de área desmatada atingir, de acordo com os cientistas, cerca de 30% da extensão territorial originalmente coberta pelo bioma Amazônia.
A partir desse ponto, a transformação da floresta em savana será inevitável. Ou seja, a maior floresta tropical do mundo seria convertida num bioma similar à savana, com perdas inestimáveis em biodiversidade e, o mais alarmante, em produção de água.
Em 1995, foram destruídos 29.059 Km2 de florestas, a maior taxa de desmatamento na Amazônia desde 1988, ano em que tiveram início as medições.
Um novo recorde aconteceu em 2004, quando o desmatamento atingiu uma área total de 27.722 Km2.
Não por acaso, os picos de desmatamento coincidem com os ciclos de aquecimento da economia e elevação do PIB. Quem comparar gráficos espelhando as flutuações das taxas de desmatamento e as variações do PIB, a partir da década de 1990, notará com certa facilidade que em alguns momentos há estreita correlação.
No atual cenário econômico, quando o país vem logrando superar, desde 2017, sua pior recessão em 100 anos, sendo que os economistas dão por certo um crescimento do PIB superior a 2% em 2020, a dinâmica do desmatamento é mais que preocupante.
A se confirmar a tendência de elevação da taxa para o período posterior a 2012, uma vez que houve elevação em 2013, 2015, 2016, 2018, até o recorde atual de 2019, o caminho em direção à catástrofe representada pelo ponto de não retorno estará trilhado – agravando-se o quadro já existente de alteração no regime de chuvas e ocorrência de secas e alagações.
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Medidas de contenção devem ser adotadas pelo governo, imediatamente.
Afinal, e ainda que poucos se deem conta, o desmatamento da Amazônia é a maior tragédia ambiental do país.   

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 12 de novembro de 2019



A COP 25 e os estúpidos
* Ecio Rodrigues
Logo depois que saiu o resultado das eleições de 2018 aqui no Brasil, o movimento ambientalista foi surpreendido por duas decisões descabidas do governo recém-eleito: extinguir o Ministério do Meio Ambiente, MMA, e não permitir que o país sediasse a conferência da ONU para o clima.
Da primeira houve recuo, e o MMA continuou a existir. Decidir e recuar, aliás, acabou por se tornar uma espécie de “modus operandi” dos novos gestores, a despeito de refletir incompetência e instabilidade.
Mas a segunda decisão foi mantida – e o Brasil, lamentavelmente, perdeu a chance de recepcionar a 25ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, ou COP 25.
As conferências das partes são relevantes eventos vinculados às convenções-quadro da ONU pactuadas durante a Rio 92.
No caso da Convenção do Clima, essas conferências vêm ocorrendo anualmente desde 1995, sendo que no decorrer da COP 21 (2015) foi assinado o Acordo de Paris, o mais importante pacto mundial destinado a conter os efeitos do aquecimento global.
A partir daí, os países vêm negociando, nas COPs, ações de curto prazo para alcançar as metas estipuladas no Acordo de Paris e livrar o planeta da ameaça representada pelo degelo dos polos e consequente aumento do nível dos mares.
Seja na geração da energia elétrica que chega às empresas e residências, seja na produção do combustível que abastece os veículos que transportam cargas e indivíduos, o mundo caminha para substituir o petróleo e o carvão mineral, as principais matérias-primas responsáveis pela crise ecológica que assola a humanidade.
O Governo Temer fez um louvável esforço para trazer ao país a COP 25 – no intuito de reforçar o posicionamento do Brasil como referência internacional para assuntos de meio ambiente.
Desnecessário aludir à importância e às repercussões positivas dessa estratégia para a imagem do país e para transmitir confiabilidade e segurança jurídica na atração de investimentos, sobretudo em setores considerados prioritários para a futura economia de baixo carbono.
Uma estratégia, diga-se, que vem de longa data. Teve início com a decisão, por óbvio acertada, de sediar a Rio 92, mesmo diante das incertezas políticas trazidas pela eleição do primeiro presidente civil em mais de 20 anos.
Depois do divisor de águas que significou a Rio 92, o Brasil se manteve no cerne das negociações que vêm sendo travadas no âmbito de um processo de transição em direção ao emprego de fontes de energia renovável.
O país recebeu, com sucesso reconhecido, diversos eventos voltados para monitorar os avanços decorrentes das 3 principais convenções assinadas em 1992: Mudança do Clima; Biodiversidade; e Agenda 21.
Como poucas vezes se viu na história da diplomacia nacional, a busca pela consolidação da posição brasileira em relação às discussões sobre meio ambiente e desenvolvimento não deixou de ser prioridade para o Itamaraty, transformando-se em projeto de Estado e superando as ambições de governantes e partidos que ocuparam o Palácio do Planalto nos últimos 30 anos.
Mas tudo mudou agora, em 2019, quando a estupidez dos dirigentes ambientais chegou ao ponto, inclusive, de negar o aquecimento do planeta.
Ou seja, meia dúzia de gestores públicos despreparados para os cargos que ocupam insistem em negligenciar uma verdade científica sustentada por mais de 3.000 pesquisadores oriundos de todas as partes do mundo, reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – que são categóricos quanto à urgência reclamada para a redução do consumo de petróleo e dos desmatamentos na Amazônia.
Pior ainda, no auge da insensatez, preferem romper um importante ciclo na atuação geopolítica e estratégica do Brasil. Um retrocesso perigoso, que vai levar muitos anos e custar muito dinheiro para ser recuperado.
Com a desistência do governo brasileiro, a COP 25 correu o risco de não acontecer em 2019. Para alívio mundial, todavia, os espanhóis se apresentaram para receber a conferência, que será realizada em Madri a partir de 02 de dezembro próximo.
E uma coisa é certa: ao invés de protagonistas altivos, seremos coadjuvantes envergonhados. 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 4 de novembro de 2019



Trigo que consumimos foi melhorado por 8.000 anos
* Ecio Rodrigues
Vez ou outra jornalistas desinformados gritam contra decisões da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) que autorizam a pesquisa sobre organismos geneticamente modificados (OGM) – muitas vezes chamados, sob um tanto de equivoco e preconceito, de transgênicos.
Aos pouco familiarizados, a CTNBio foi criada pela Lei 11.105/2005, é  subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e tem a missão de assessorar a execução da Política Nacional de Biossegurança para assuntos relacionados a OGM.
Existe desinformação de sobra sobre melhoramento genético e OGM, sendo que o primeiro é praticado pela humanidade desde sua sedentarização, enquanto o segundo ganhou expressão no final do século passado e é considerado uma crucial inovação tecnológica para o primeiro.
Todo o trigo hoje consumido no mundo passou por longo processo de melhoramento genético. Significa dizer que, ao saborearmos o nosso tão tradicional pãozinho francês no café da manhã, estamos ingerindo um trigo bem diferente daquele que alimentava os nossos antepassados.
No instigante livro “Uma breve história do mundo”, o professor Geoffrey Blainey, da Universidade de Harvard, descreve como, há 8.000 anos, teve início esse processo de melhoramento:
Na Síria e na Palestina, logo após os mares terem chegado a seu novo nível, uma pequena revolução parecia estar começando [...] O vilarejo de Jericó era a vitrine da revolução por volta de 8.000 a.C. Consistia de pequenas casas de tijolos de barro, lá cultivando trigo e cevada em minúsculos pedaços de terra. Esses cereais, que originalmente cresciam a ermo, foram selecionados para cultivo porque seus grãos eram grandes em comparação aos outros cereais silvestres e um grão maior era mais fácil de colher e de moer, sendo transformado em farinha integral rudimentar.      
Fácil depreender que a seleção, pelo homem, das sementes que naturalmente cresciam em ambiente nativo, para cultivo próximo às moradias, obedecia a alguns critérios. Dava-se preferência às sementes maiores, mais macias, mais resistentes às pragas. Essas sementes, por sua vez, foram sendo replantadas e, com o passar dos séculos, melhoradas, sempre que alguma particularidade genética chamava a atenção por ser considerada valiosa para a humanidade.
Para o autor, a domesticação das espécies vegetais originou a primeira Revolução Verde, que foi seguida pela domesticação dos animais. E tanto o cultivo de cerais quanto a criação de ovelhas exigiram observação e seleção dos espécimes que apresentavam os atributos de interesse dos produtores.
No período posterior à Segunda Guerra, diante da iminência de uma epidemia de fome em escala mundial, os países investiram para aumentar a produtividade agrícola. Surgia a segunda Revolução Verde, baseada em mecanização intensiva, uso de adubo químico e sementes geneticamente modificadas.
A mecanização e a adubação possibilitaram imediato aumento da produção de alimentos. Num segundo momento, a produtividade, medida em toneladas de alimentos por hectare de solo, foi ampliada por meio do emprego de sementes geneticamente modificadas, ou OGM.
Em comparação com as sementes melhoradas durante mais de 8.000 anos, a tecnologia empregada no OGM tem a vantagem de requerer pouco tempo para fornecer à semente uma nova característica importante.
Essa tecnologia recombina o DNA de uma mesma espécie – ou seja, não usa cromossomos de espécies diferentes, por isso não é transgênica. Trata-se de encurtar o tempo para um melhoramento genético que acontece desde que o Homo sapiens deixou de ser nômade, se sedentarizou e dominou o planeta.
Há pressa para ampliar a produtividade agropecuária com OGM? A taxa anual e persistente de desmatamento da Amazônia nos força a acreditar que sim.      
    
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


terça-feira, 29 de outubro de 2019



Para o Brasil, negar aquecimento global é estupidez
* Ecio Rodrigues
Durou 4 meses a tosca façanha ensaiada por dois senadores bastante desinformados a respeito da realidade amazônica e dos compromissos assumidos pelo Brasil perante o Acordo de Paris, que pretendiam acabar com as áreas de reserva legal nas propriedades rurais.
Apresentado em 16 de abril e retirado pelos autores em 16 de agosto último, o Projeto de Lei n° 2362/2019 destinava-se a revogar o art. 12 (e seguintes) do Código Florestal, que obriga que uma determinada porcentagem (que na Amazônia corresponde a 80%) da área total de cada imóvel rural deve ser mantida com sua cobertura vegetal original, sendo ali permitida exclusivamente a exploração florestal e proibido o uso agropecuário.
Ainda que o projeto tenha possibilitado 15 minutos de fama a seus obscuros proponentes, foi categoricamente desaprovado, como era de se esperar, no primeiro e único teste de aceitação pública a que foi submetido: exatos 129.230 cidadãos acessaram o portal do Senado para rejeitá-lo, contra apenas 3.724 que o apoiaram.
Nem mesmo os setores ligados ao agronegócio profissional, que, ainda bem!, representam a grande maioria dos produtores, concordaram com a esdrúxula proposta, por uma razão simples – as elevadas perdas econômicas que resultariam do desmatamento das florestas protegidas na forma de reserva legal.
Isso mesmo, desmatamento na Amazônia causa prejuízo econômico, e não apenas ecológico.
Estudo recente, coordenado pelo ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, aponta que a perda dos serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas da reserva legal, relacionados a controle de erosão, proteção da biodiversidade, regulação climática, vazão de rios, entre outros, causaria prejuízos na ordem de R$ 6 trilhões por ano.
Pesquisas realizadas em diversos países, cobrindo os 5 continentes, comprovam que a Terra está aquecendo e que o desmatamento de florestas e a queima de petróleo figuram entre as principais causas desse aquecimento.
Sem embargo, é compreensível que um terço dos americanos duvide das mudanças climáticas e do aquecimento do planeta. Afinal, em vista da elevada participação do setor industrial na economia dos Estados Unidos, o processo de adaptação produtiva requerido pelo aquecimento global põe em risco a geração de emprego e renda naquele país.
O caso do Brasil, todavia, é muito diferente. Diante do gigantesco potencial florestal e hidrelétrico presente na Amazônia, o Brasil se inclui no seleto grupo de países que podem ser beneficiados pela substituição dos combustíveis fósseis por matérias-primas renováveis na geração de energia elétrica.
Significa dizer que na geopolítica da nova economia de baixo carbono, que irá reduzir o uso do petróleo e precificar os serviços ecossistêmicos fornecidos pela biodiversidade florestal, o Brasil é ator principal, e não um mero coadjuvante de industrialização tardia, como acontece hoje.
Nada mais incompreensível, portanto, que o insensato posicionamento do governo brasileiro com relação ao assunto.
Ao invés de informar os cidadãos sobre as oportunidades que a economia da mudança climática representa para o Brasil, o governo incentiva os brasileiros a seguir na toada do que a mídia tem chamado de “negacionismo” do aquecimento global.
É estupidez, não há dúvida.
Se o problema das mudanças climáticas pode ser remediado (e o mundo avança na busca de soluções), o mesmo não se pode dizer da estupidez de governos que não entendem o que significa projeto de país.
Para esse mal, lamentavelmente, não existe cura.          
                                                               
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quarta-feira, 23 de outubro de 2019



Despreparo do governo potencializa desastre do piche no Nordeste
* Ecio Rodrigues
Desde o final de agosto, ou há 55 dias, algumas praias paradisíacas do Nordeste brasileiro estão sendo invadidas por bolhas de piche oriundas do mar aberto.
Jornalistas pautados por escândalos de corrupção deram pouca ou nenhuma atenção ao desastre que se avizinhava. Enquanto isso, começaram a surgir fotos de pássaros, golfinhos e tartarugas marinhas mortos pelo resíduo de petróleo, deixando os nordestinos estarrecidos.
Em tempos de redes sociais, as fotos ganharam o país e sensibilizaram a população brasileira. Diante da morte sofrida dos animais e da inoperância do governo federal, o piche no mar do Nordeste foi, repentinamente, alçado à condição de maior tragédia ambiental nacional.
Sempre é bom lembrar que esse grotesco ranking, tão apreciado por setores panfletários e desinformados da imprensa, começou com a lama de Mariana e desconsidera, por suposto, o desmatamento da Amazônia.
Voltando ao piche.
Para os que preferem analisar a informação, ao invés de se deixar levar por especulações ou teorias conspiratórias, o episódio permite duas constatações importantes.
Primeiro, que se trata de um desastre ambiental de grandes proporções e sem precedentes aqui no Brasil – considerando incidentes envolvendo petróleo despejado no mar.
E muito embora não se tenha ideia, ainda, da dimensão dos prejuízos econômicos e ecológicos, não há dúvida de que não poderão ser arcados exclusivamente pelo povo nordestino.
É aí que entra a segunda constatação: o despreparo do governo federal para assumir sua responsabilidade perante a crise ecológica.
Encarando os fatos com indiferença e fingindo que era uma ocorrência localizada e da alçada dos governadores e prefeitos diretamente afetados, o governo demorou um tempo inaceitável para reagir – e, a bem da verdade, até agora ainda não tomou providências, no sentido de desvendar o mistério, monitorar o trajeto do piche e estabelecer salvaguardas para minimizar os estragos.
Submerso numa estratégia pouco inteligente de desqualificação de instituições, como fez com o Inpe, órgão público que goza de reconhecida reputação internacional em monitoramento por satélite e que poderia seguir o percurso das manchas para encontrar sua fonte, o Ministério do Meio Ambiente, até o momento, não ofereceu respostas para uma sociedade que não tem como entender o que acontece.
De acordo com relatórios (excelentes, por sinal) publicados pela Marinha brasileira, e conforme diagnósticos realizados pela Petrobras, por universidades federais do Nordeste, e também pela Noaa, agência americana para oceanos e atmosfera, as manchas de piche são pesadas e se movem abaixo da linha d’água – o que impede que sua movimentação seja captada por satélite.
Mas sabe-se que são resíduos originários do óleo extraído pela estatal petroleira da Venezuela, que podem ter ido parar no mar em razão de vazamentos em operações de transferência de petróleo entre navios ou devido a algum naufrágio.
A incapacidade do governo pode ser facilmente observada nas duas pontas do problema: não consegue conter o piche e não descobre de onde ele vem – ou seja, o ponto do qual o óleo continua a ser descartado em mar aberto.
Restaria, ao menos, organizar um gabinete de crise ambiental, como o que foi criado no caso das queimadas na Amazônia, com o propósito de coordenar as ações para contenção do estrago e apuração da origem do derramamento – as duas frentes emergenciais de atuação.
Falta ao governo assumir o controle da situação e mostrar aos nordestinos, aos brasileiros e ao mundo que possui condições técnicas e operacionais para encontrar soluções.
Todavia, liderança e competência, definitivamente, não é a praia, com o perdão do trocadilho, do governo federal.     


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 14 de outubro de 2019



Da crítica à industrialização ao Acordo de Paris
* Ecio Rodrigues
Diversos autores, em especial a partir da década de 1950, se preocuparam em expor as externalidades decorrentes da industrialização – modelo que, impulsionado pela energia fornecida pelo petróleo, estava em franca expansão no mundo.
Esses autores se surpreenderam com o surgimento e a força do movimento ecologista, então caracterizado por acentuado viés sociológico, impregnado que era pelas denúncias relacionadas às precárias condições de trabalho impostas nas fábricas.
Entre eles, o alemão Hans-Magnus Enzensberger, em seu brilhante ensaio “Contribución a la Crítica de la Ecologia Política”, publicado em 1976 pela Universidade Autônoma de Puebla, no México, delineia com clareza o conflito que contrapõe a ótica sociológica à ambiental.
Para Enzensberger, a ecologia passou por profunda mudança conceitual desde sua definição pelo biólogo alemão Ernst Haeckel, em 1868, como uma subdisciplina da zoologia – na medida em que deixa de meramente descrever a relação de determinada espécie com seu meio ambiente para se preocupar com as interdependências de todos os organismos em todos os ecossistemas.
A ecologia adquire expressão pública surpreendente ao incluir o homem em seu horizonte de pesquisa, ganhando complexidade – o que, por outro lado, tornaria as conclusões dos ecologistas um tanto questionáveis.
Acontece que essa complexidade, continua o autor, dificulta a definição de uma hipótese central a ser demonstrada, em função da inclusão do elemento humano, por si só imprevisível, e também porque a comprovação, ou não, de qualquer prognóstico ecológico só pode ser aferida em um futuro nem sempre próximo.
Quando os ecologistas, por exemplo, assumem como hipótese central o fato de que as sociedades industriais produzem contradições que deverão levá-las à ruína num determinado período de tempo, precisam apresentar as causas desta ruína, que, na opinião de Enzensberger, se relacionam a oito fatores:
1) a industrialização conduz a um aumento incontrolável da população e de suas necessidades básicas; 2) o processo industrial é mantido com energia não renovável que se esgotarão em um tempo calculável; 3) o processo industrial se alimenta de matérias-primas não renováveis; 4) o processo industrial requer uma quantidade de água impossível de ser atendida pelo ciclo natural; 5) a produção agrícola é limitada pela extensão de terras agriculturáveis e pelo teto de produtividade possível; 6) a capacidade de suporte do meio reduz-se devido à contaminação generalizada do planeta; 7) a poluição psíquica, apesar de ainda não estudada com rigor, eleva os níveis de stress da população humana; e por último, 8) o limite estabelecido pela poluição térmica”.

Como se pode notar, trata-se de uma série de causas, que de forma alguma podem ser analisadas isoladamente, e que, quando combinadas, tornam a análise dos ecologistas por demais complexa e de difícil aceitação.
Resumindo, os ecologistas afirmam que a industrialização leva à ruína, porém não respondem três perguntas básicas: (1) Qual o momento exato da catástrofe? (2) Qual o peso relativo dos diversos fatores responsáveis pela catástrofe? e (3) Qual é exatamente a dimensão da ruína ecológica?
Contudo, diante do efeito impactante que a alegada ruína decorrente da industrialização causa nos indivíduos, o movimento ambientalista se popularizou, adquirindo um potencial político em ascensão, difícil de ser calculado.
Não à toa, os Partidos Verdes, sob essa denominação ou outra semelhante, ao assumirem a pauta política da defesa do Acordo de Paris e da adaptação às mudanças climáticas, lograram obter expressivo avanço em toda a Europa.
De acordo com especialistas em ciência política, a agenda relacionada à crise ecológica resultante do aquecimento do planeta e consequentes alterações climáticas tende a se tornar ponto de convergência para deflagrar a reação dos partidos políticos de centro e de esquerda, que amargaram derrotas eleitorais preocupantes na última década.
Segundo argumentam, devido ao seu potencial de inserção na sociedade – e diante da impossibilidade de os políticos de direita assimilarem (em sua retórica) a demanda ecológica –, a bandeira do clima e da defesa do Acordo de Paris pode representar a renovação política que a humanidade reivindica, tendo os verdes como referência.
A despeito das críticas aos ecologistas, a adesão ao Acordo de Paris por mais de 195 países não deixa dúvida: os verdes venceram. 


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019



Titulação de terras na Amazônia fracassa em 2019
* Ecio Rodrigues
Desde que assumiu, em janeiro último, o governo faz vítimas em seus arroubos intervencionistas nos órgãos públicos federais, sempre sob o pretexto de melhorar a eficiência da gestão.
Foi assim quando substituiu a diretoria do ICMBio por militares – e também quando, sob a insana alegação de que o Inpa publicava dados para agradar ONGs ambientalistas, trocou o respeitado cientista que ocupava a presidência desse reconhecido instituto por um comandante da Aeronáutica.
Agora, a bola da vez foi o Incra. Tal como nos casos anteriores, chamam a atenção as razões para justificar a intervenção – todavia, dessa vez os militares (que já haviam sido colocados lá) são os exonerados: o presidente, um coronel do Exército, e toda a diretoria, integrada por oficiais de alta patente.
Criado em 1970, durante o auge do regime militar, ao Incra foi atribuída a responsabilidade pela implementação da reforma agrária, mediante a consumação de 3 medidas principais, nessa ordem: desapropriação da terra destinada à reforma agrária; assentamento dos produtores; titulação da gleba em nome do respectivo beneficiário.
Os últimos assentamentos ocorreram no final do século XX. Hoje, as estatísticas demonstram que a regularização fundiária configura a principal demanda dos pequenos e médios produtores rurais.
Não à toa, quando da elaboração, em 2008, do Plano Amazônia Sustentável – uma iniciativa notável, que reconhecia o uso econômico da biodiversidade florestal como referência para o processo de ocupação na região –, a titulação das terras foi apontada como peça-chave para a promoção de um novo modelo produtivo.
Dessa forma, foi criado, em 2009, o Programa Terra Legal, com o propósito de acelerar a titulação, usando a estrutura ociosa do Incra (que, aliás, por pouco não foi extinto nos anos 1990).
Havia, contudo, um emaranhado normativo que dificultava a regularização da propriedade em favor do ocupante da terra, ou posseiro, tornando o processo lento e, às vezes, interminável. 
Na verdade, as exigências impostas tinham uma razão de ser, já que se destinavam a impedir a titulação da terra em favor dos chamados “grileiros”. Bastante presente no imaginário de acadêmicos e políticos de esquerda, a tal “grilagem” de terras, a despeito da ausência de dados sobre sua ocorrência, é tida como recorrente na realidade rural amazônica.
O fantasma da grilagem assombrou o Programa Terra Legal, levando-o ao fracasso: até 2016, foram expedidos, em média, menos de 3.000 títulos por ano. Esse resultado sofrível foi alterado com a edição da Lei 13.465/2017, que simplificou o procedimento, possibilitando que, em 2017 e 2018, a média de expedição subisse para cerca de 30.000 títulos anuais.
Contudo, a eficiência demonstrada pela equipe que comandou o Incra até dezembro passado não será repetida em 2019, já que até agora o número de propriedades tituladas não chega a 2.000. A responsabilidade por esse pífio desempenho, segundo informa o próprio governo, recai sobre a diretoria do Incra.
Os militares que comandavam o órgão desde fevereiro alegam, em sua defesa, para justificar o reduzido número de títulos expedidos, que, ao extinguir o Programa Terra Legal, o governo retirou orçamento. Sem dinheiro, não há como titular as terras.
O Ministério da Agricultura rebate, por seu turno, que a regularização fundiária, em especial na Amazônia, se reveste de alta prioridade e, portanto, conta com recursos orçamentários suficientes.
Diante do baixo nível técnico observado em diversas áreas do governo federal, o Ministério da Agricultura é uma das poucas exceções de eficiência gerencial. Entretanto, não se pode descartar a hipótese de que os militares que ora deixam a diretoria do Incra também tenham sido atemorizados pelo fantasma da grilagem.
Não há dúvida técnica quanto ao fato de que a titulação das terras na Amazônia é condição essencial para trazer segurança jurídica ao processo de ocupação produtiva da região – inclusive porque permite que se cobre dos proprietários o cumprimento da legislação ambiental.
Enfim, o certo é que a regularização fundiária precede a discussão acerca da saída para a economia da Amazônia – se por meio da sustentável exploração da biodiversidade florestal ou do insustentável desmatamento para criar boi. Mas o prazo para concluir a titulação das terras terminou no século passado.
O desmatamento – tanto o ilegal quanto o legalizado – só pode ser zerado se as terras tiverem dono. Simples assim. 


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.