terça-feira, 26 de dezembro de 2017


Em 2017, desmatamento menor aproxima Amazônia da sustentabilidade

* Ecio Rodrigues
Embora alguns ambientalistas (que odeiam o governo atual porque eram amigos do anterior) prefiram acreditar que houve retrocesso na execução da política de meio ambiente, os dados, ou os fatos, para usar um termo mais atual, contrariam essa pseudoverdade. Senão, vejamos.
Entre agosto de 2016 e julho de 2017, segundo as medições divulgadas pelo Inpe, que desde 1988 monitora por satélite e sob inquestionável precisão o desmatamento na Amazônia, houve corte raso da floresta em uma área de 6.624 km2.
Ainda se trata, evidentemente, de uma extensão de terra absurda – inadmissível –, principalmente depois da assinatura do Acordo de Paris; porém, existem algumas razões para comemorações, e duas delas vale destacar.
Explica-se. Após os aumentos consecutivos na taxa de desmatamento em 2015 e 2016, temia-se que a persistência de alta em 2017 comprometesse os mecanismos de controle, levando a um novo ciclo de ampliação, da mesma forma como aconteceu em 1995 e 2004.
Na verdade, a análise dessas duas elevações recordes (em 1995 e 2004) fornecia estatística suficiente para justificar o temor de um terceiro recorde.
Explica-se mais uma vez. Tendo passado por uma crise econômica sem precedentes, ostentando 2 anos sucessivos de PIB negativo de quase 4%, a economia nacional ressurgiu em 2017, depois da aprovação de legislação drástica, apesar de necessária.
Medidas de ajuste fiscal foram adotadas e direcionadas, sobretudo, para estancar os gastos do governo federal, o que significou o contingenciamento do orçamento de ministérios e a consequente redução de atividades rotineiras, entre as quais a fiscalização ambiental não poderia escapar.
Com a economia em processo de aquecimento, o que motiva os agentes econômicos a investir (ou desmatar, no caso da Amazônia), e com a redução do orçamento estatal destinado a manter o caríssimo aparato de fiscalização, o resultado, mais que esperado, era a ampliação do desmatamento na Amazônia.
Todavia, essa expectativa não se concretizou: ainda que gigantesca, a superfície desmatada em 2017 representa uma redução de 16%, quando comparada à área desmatada entre agosto de 2015 e julho de 2016, equivalente a 7.893 km2 de florestas.
Sim, o desmatamento diminuiu, mas o que realmente é motivo de comemoração é a reversão da tendência de alta, que vinha se delineando desde 2015 e parecia inexorável.
A segunda razão para comemoração pode explicar esse quadro favorável e inesperado, que associou o aquecimento econômico à redução do desmatamento.
Ocorre que, ao assinar o Acordo de Paris em 2015, os brasileiros se comprometeram a zerar o desmatamento ilegal até 2030 – contudo, o desmatamento legal, aquele que é amparado pelo Código Florestal, é a verdadeira raiz do problema.
Por outro lado, na Amazônia, a redução do desmatamento legalizado depende menos de fiscalização e mais de uma política pública voltada para coibir o avanço do modelo de ocupação produtiva baseado na criação de boi.
Seguindo nesse raciocínio, é possível que o processo de regularização fundiária, em fase de consolidação na região, longe de oficializar uma suposta grilagem de terras (como acusam alguns desinformados), esteja fornecendo segurança jurídica aos investimentos na exploração econômica dos produtos da biodiversidade florestal – e isso se traduz na diminuição do desmatamento legalizado.
Resumindo, entender a dinâmica do desmatamento legal é o caminho mais curto e inteligente para alcançar a sustentabilidade na Amazônia.     

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



terça-feira, 19 de dezembro de 2017


E se a Tentamen cair?
* Ecio Rodrigues
Para os não iniciados nas coisas do Acre, esclareça-se que o prédio que abriga a Sociedade Recreativa Tentamen fica no 2º Distrito e completa, com o Calçadão da Gameleira e o Cine Teatro Recreio, um conjunto de 3 reconhecidos símbolos culturais que remetem aos tempos áureos da produção de borracha.
Desde sua criação em 1924, a Tentamen se tornou ponto de encontro de seringalistas, comerciantes e servidores públicos que constituíam a nata de uma sociedade enriquecida pela extração de produtos florestais (em especial a borracha), contudo, ainda em formação.
Nesses quase 100 anos, a Tentamen alternou períodos de intensa atividade, como na primeira metade da década de 2000, com outros de completo abandono, como agora.
Existem pelo menos duas hipóteses relacionadas às consequências do desmoronamento (inevitável, se tudo continuar como tem sido nos últimos anos) do prédio da Tentamen.
Uma dessas hipóteses, na verdade, não é consequência, mas ausência de consequências – do mesmo jeito que ocorreu no caso dos prédios onde funcionavam as antigas sedes da Polícia Federal e da Associação de Teatro.
O último desabou faz tempo, sem que ninguém se desse conta, o primeiro desabará em breve, sem que ninguém dê a mínima.
A outra hipótese diz respeito à simbologia cultural de uma sociedade, ou seja, à representação do legado dessa sociedade no imaginário da população.
Acontece que, depois do último período de abandono, ainda no final da década de 1990, a reativação do prédio da Tentamen compôs o pacote de promessas eleitorais de uma força política recém-chegada ao poder.
Com discurso pautado no resgate do acreanismo e do regionalismo, por meio da promoção de uma economia que respeitava os ideais de sustentabilidade preconizados mundo afora, essa nova política se comprometia com um desafio ousado e muito complexo: harmonizar crescimento econômico e conservação da floresta. 
Palco de grandes festas e bailes carnavalescos, a Tentamen voltou a ser ponto de encontro de servidores públicos, empresários e de uma casta política deslumbrada com um projeto de desenvolvimento nunca antes experimentado na Amazônia.
Ancorado na exploração da biodiversidade florestal, o novo modelo econômico promoveria as reservas extrativistas e o manejo florestal comunitário, dois legados do Acre para a Amazônia, à condição de referência principal.
Esperava-se que, no médio prazo, a renda e o emprego advindos da produção florestal superassem os ganhos oriundos da criação de gado, de maneira a afastar os riscos trazidos pelo desmatamento inerente ao processo produtivo da pecuária.
Todos pareciam saber que alterações profundas na economia estadual, em direção à ampliação da oferta de produtos como sementes florestais, fauna silvestre e madeira (para ficar naqueles de maior valor comercial), exigiriam demasiado esforço técnico e determinação política.
O prédio da Tentamen, todo em madeira e construído num estilo arquitetônico típico da época áurea da borracha, não se destinava a funcionar apenas como salão de festas e ponto turístico, era mais que isso, era um símbolo desses novos tempos, que fortalecia o propósito de retomar o modelo econômico e o modo de vida dos antigos seringais.
Ou não. Pode ser que tenha sido só deslumbramento com um momento da história do Acre. Vai ver a Tentamen é só um prédio público mesmo, pode cair.



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017


Vocação florestal do Acre ficou nos palanques
* Ecio Rodrigues
Tema recorrente nos idos da década de 1990, a vocação florestal do Acre, entendida como a possibilidade de lastrear o crescimento do PIB estadual na exploração da floresta, parece ter sido esquecida nas prateleiras dos pesquisadores e nos palanques dos políticos.
Repetida à exaustão naquela época, a tese de que não havia conciliação possível se mostrou correta. Quer dizer, ou a dinâmica econômica se assentaria sobre a pecuária, ou sobre a biodiversidade presente no ecossistema florestal.
O que prevaleceu afinal foi mesmo a criação de gado, sendo que o aproveitamento do ecossistema ficou restrito aos discursos e às pesquisas.
Muitos haverão de argumentar que as águas corriam a favor da criação de boi, e que a correnteza contra a produção florestal era muito forte. Todavia, isso não é bem verdade. A sociedade, por sinal, hipotecou seu apoio, ao votar – não uma, mas várias e repetidas vezes – no grupo político que defendia a navegação rio acima.
Talvez tenha faltado disposição e, o mais grave, competência, para encarar o balseiro de impasses que desciam o rio a favor da pecuária. Afinal, eram muitos.
A superação de um desses impasses se mostrava impreterível – mas, claro!, foi deixada pelo caminho. Tratava-se de evitar a exaustão das terras (cobertas por florestas) entregues à exploração comunitária.
Embora uma quantidade significativa de Reservas Extrativistas tivesse sido criada durante a década de 1990, faltava levar aos assentamentos gerenciados pelo Incra, nos quais a pecuária dominava, a alternativa da produção florestal.
A proposta de uma nova categoria de assentamento rural, como opção para reforma agrária, denominada “Projeto de Assentamento Florestal” (PAF) e especialmente pensada para a Amazônia, poderia afastar o Incra e seus projetos de assentamentos da condição de “vilões “ do desmatamento amazônico.
          Diante do propósito de consolidar a produção rural por meio das florestas plantadas e do manejo das nativas ainda existentes nas áreas destinadas à reforma agrária, a ideia era que os produtores do PAF realizassem uma transição produtiva, abandonando a pecuária mais rápido até que os produtores das Reservas Extrativistas.
          A institucionalização do PAF possibilitou que se radicalizasse na proposta de impor os recursos florestais como única via de produção comercial para os assentados. Significa dizer que os produtores só poderiam integrar o PAF se demonstrassem experiência com a cadeia produtiva florestal, em algum de seus elos.
Para a geração de renda, contava-se com a tecnologia do manejo florestal comunitário para produção de madeira. Desse modo, o Incra entregaria o assentamento aos produtores após a publicação da licença ambiental.
Esperava-se que, de posse do plano de manejo e prevendo-se 10 hectares por família, o produtor tivesse condição de obter uma capitalização inicial, mediante a exploração da madeira, que viabilizasse a consolidação do assentamento florestal nos anos seguintes.
Em termos gerais, o propósito era incluir o PAF no Programa Nacional de Reforma Agrária como modelo de assentamento adequado à realidade florestal da Amazônia, de forma que caísse por terra a polêmica acerca da redução da área de Reserva Legal. Essa redução, contudo acabou ocorrendo no Código Florestal de 2012.
A viabilização do assentamento florestal teria demonstrado que a Reserva Legal de 80% das propriedades privadas (onde a exploração por meio do manejo florestal é permitida e a criação de boi, não) está longe de ser improdutiva, como ainda afirmam alguns políticos.
Mas, nada disso vingou. De lá prá cá, a criação de boi se consolidou e o desmatamento chegou na barreira dos 20% do território estadual. Quanto à vocação florestal do Acre, voltará aos palanques em 2018. Simples assim.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.