segunda-feira, 28 de março de 2022

ICMS ecológico vai ajudar a zerar o desmatamento no Acre

 * Ecio Rodrigues

Desde o final da década de 1990 que o movimento ambientalista no Brasil defende a instituição, pelos estados, do que se convencionou chamar “ICMS ecológico”.

Na visão dos ativistas trata-se de um instrumento determinante para o financiamento da política de meio ambiente – em especial no caso de localidades economicamente frágeis, como o são muitas cidades e alguns estados amazônicos.

Explicando melhor. Estudos dão conta que a imposição de parâmetros de sustentabilidade ambiental para a distribuição da parcela do ICMS constitucionalmente destinada aos municípios incentiva as prefeituras a aumentar a proporção de áreas de floresta nativa presente em suas circunscrições.

Pelo menos 17 estados já legislaram sobre o ICMS ecológico, reservando parte da verba constitucional às cidades que cumprirem os requisitos ambientais estipulados, entre os quais a criação/existência de áreas legalmente protegidas, tais como unidades de conservação e faixas de mata ciliar.

Paraná, São Paulo e Minas Gerais, inclusive, foram pioneiros na introdução desse preceito inovador, sendo que ainda na década de 1990 editaram legislação regulando a matéria (respectivamente: LC Est. 59/1991; Lei Est. 8.510/1993; e Lei Est. 12.040/1995).

Em relação à Amazônia, a criação de áreas protegidas configura, sem dúvida, política pública de combate ao desmatamento – já que, por um lado, amplia a superfície com cobertura florestal e, por outro, retira porções territoriais do alcance da pecuária extensiva de boi, freando o processo de crescimento dessa atividade produtiva.

Nesse contexto, merece destaque a iniciativa do governo do Acre (aprovada pelos deputados), ao promulgar a Lei Estadual 3.532/2019, instituindo o ICMS ecológico.

Conforme prevê o art. 3º, II, dessa norma, o repasse de 2,5% da parcela do ICMS devida aos municípios se dará de acordo com o cálculo do “Índice de Preservação Ambiental”, que por sua vez observará os seguintes critérios:

[...]

a) 50% (cinquenta por cento) proporcional à relação entre a área ocupada por unidades de conservação ambiental no município e a área geográfica do respectivo município;

b) 50% (cinquenta por cento) proporcional à avaliação obtida no Índice de Efetividade da Gestão Municipal - IEGM por cada município, nos quesitos relativos ao meio ambiente;

[...]

Aos pouco habituados aos assuntos tributários, o percentual estabelecido (que será aplicado de maneira gradual, inteirando 2,5% apenas em 2030) pode parecer um tanto irrisório, mas não é.

Acontece que, muito embora a Constituição Federal obrigue que os estados transfiram aos municípios 25% do montante apurado com o ICMS, o fato é que no mínimo 75% desse montante deve ser partilhado de acordo com o critério previsto em lei infraconstitucional (LC 63/1990) – a saber, a participação proporcional do município na arrecadação do tributo.

 Dessa forma, a legislação estadual só pode definir regras de distribuição para (no máximo) os 25% restantes.

Enfim, considerando a débil dinâmica econômica tão característica aos municípios do interior do estado, certamente os valores correspondentes ao ICMS ecológico têm peso significativo na composição do orçamento em cidades como Jordão e Santa Rosa do Purus, que apresentam os menores IDHs do país.

Além de chamar a atenção para a mazela do desmatamento no Acre, o ICMS ecológico reforça a economia de baixo carbono, valorizando as áreas florestais. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

 

 

 

quinta-feira, 17 de março de 2022

Código Florestal, 10 anos depois

 * Ecio Rodrigues

Em maio de 2012, depois de mais de 5 anos de discussões, o Congresso aprovou a Lei 12.651/2012 – o terceiro Código Florestal a entrar em vigor no país.

Apenas a título de esclarecimento, o primeiro estatuto florestal de caráter nacional data de 1934 e foi imposto à sociedade por meio de decreto presidencial (Dec. 23.793/1934).

Já naquela época, a motivação social e econômica para estabelecer regras de conservação das florestas residia na indispensabilidade de criação de áreas legalmente protegidas, como é o caso das áreas de reserva legal e de preservação permanente.

Dessa forma, a norma fixou limites para a ocupação do solo e uso dos recursos naturais, e sob o descontentamento dos criadores de gado instituiu a (hoje denominada) reserva legal, proibindo o desmate – por conseguinte, a instalação de pecuária extensiva – em mais de ¾ da área total das propriedades cobertas por florestas, como meio de garantir o abastecimento de madeira e lenha.

De outra banda, o decreto também obrigou a manutenção de uma faixa de floresta nativa às margens dos rios e igarapés, faixa esta que posteriormente recebeu a denominação de “mata ciliar”.

Obviamente, a introdução da APP de mata ciliar também não foi bem recebida pelos pecuaristas, sob o argumento de que prejudicava a dessedentação dos rebanhos, diante da alegada dificuldade que o gado teria para atravessar a vegetação e chegar aos cursos d’água.

O segundo Código Florestal brasileiro foi promulgado em 1965 (Lei 4.771/1965), quando a destruição da floresta amazônica já começava a ganhar visibilidade. E embora houvesse disponibilidade de terras na região, novamente a controvérsia se concentrou nos dois assuntos: APP de mata ciliar e reserva legal –que foi ampliada para 80% da área total de cada propriedade rural situada na Amazônia.

Não seria diferente com o Código aprovado em 2012. A despeito das inovações trazidas, o debate mais uma vez se voltou para a extensão de terra coberta por florestas a ser obstada à atividade pecuária, na forma de reserva legal e APP.

Assim, poucos se deram conta do avanço representado por mecanismos como a Compensação Ambiental, a Cota de Reserva Ambiental (CRA) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a gestão da propriedade, a conversão da reserva legal em ativo econômico de peso e o macroplanejamento da ocupação do espaço rural na Amazônia.

Em relação aos 10 anos do Código Florestal de 2012, duas avaliações são costumeiras.

A primeira sugere que até hoje não houve implementação, não tendo o regulamento alcançado eficácia plena, por conta da demora no julgamento das ADIs que questionaram diversos dispositivos – o que veio a ocorrer apenas em 2018, quando o STF decidiu pela constitucionalidade da lei como um todo (leia mais sobre o julgamento no STF em Associação Andiroba).

A segunda avaliação, por sua vez, considera que a nova legislação, longe de conter, promoveu o desmatamento na Amazônia – contrariando o seu objetivo primordial de reverter a tendência de ampliação da pecuária extensiva e, consequentemente, estancar a destruição florestal causada por essa atividade.

Reforça essa análise a circunstância de que 2012, o ano da promulgação, foi o único – até hoje – em que o desmatamento atingiu uma área de floresta inferior a 5.000 km2. 2012 ficou marcado ainda pela associação entre retração do PIB e considerável aumento do investimento público em fiscalização, ocorrência insólita na história econômica da Amazônia.

A partir daí, salvo leves flutuações, a tendência de elevação do desmatamento é facilmente perceptível nas medições anuais realizadas pelo Inpe.

Enfim, pode ser que o STF tenha demorado em demasia para declarar a constitucionalidade do Código Florestal; pode ser também que a segurança jurídica decorrente de sua aprovação tenha contribuído para as crescentes taxas de desmatamento na Amazônia.

Sem embargo, o fato relevante a considerar é que esse crucial ordenamento jurídico ainda não alcançou o seu propósito fundamental – que consiste, essencialmente, em ampliar o valor de mercado da biodiversidade florestal da Amazônia, a fim de torná-la mais atrativa, perante o investimento privado, do que a criação extensiva de boi, e de maneira a reverter, no curto prazo, as taxas anuais de desmatamento.  

Esse propósito, diga-se, foi reforçado pelo Acordo de Paris em 2015.

A expectativa é que o Código Florestal se consolide, no curto prazo, como principal instrumento e referência para a conservação da biodiversidade florestal na Amazônia.

Por seu turno, o mercado de carbono, previsto ali e no Acordo de Paris, é o caminho para o desmatamento zero. É esperar para ver.  

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).