Ecio Rodrigues
A despeito de contar com o apoio incondicional de
jornalistas – que pouco ou nada entendem do assunto –, a fiscalização não
resolve o problema das queimadas na Amazônia.
As estatísticas e a experiência demonstram que todos
os anos aumenta o número de produtores autuados e multados pela prática de
queimadas consideradas ilegais pelos fiscais. A conclusão, simples, é que há
algo de muito errado nisso.
De pronto, todos hão de concordar que o crescimento
do número de infratores ano a ano depõe contra o efeito pedagógico do exercício
do poder de polícia. Afinal, uma das principais justificativas para o elevado
investimento público em fiscalização é justamente o argumento de que a autuação
desmotiva o produtor a cometer novas infrações.
Não se pode desconsiderar, de outra banda, que a estruturação
e operacionalização de um sistema de monitoramento de queimadas, com equipe de
fiscais treinados e tecnologia para detectar os focos de calor, identificar o
proprietário da terra e multar, têm um custo muito alto para a sociedade.
Embora o senso comum aponte para uma suposta
fragilidade na capacidade estatal de fiscalizar, a verdade é bem diferente. Em âmbito
federal e nos nove estados que integram a região amazônica, sem falar nas
capitais e cidades de maior porte, existe robusta estrutura direcionada à
contenção das queimadas, que consome parte considerável do orçamento público.
Parece ser nesse ponto que a lógica trava. Se não
faltam fiscais, satélites, viaturas e diárias, se os gestores são pressionados
e usam essa estrutura para localizar, constranger e penalizar o produtor, por que
razão o número de infrações e de infratores se multiplica, ano após ano?
A ciência responde, mas, antes, cabe um pequeno
comentário. Esse cenário representado pela proliferação do uso do fogo, não
obstante o incremento do investimento em fiscalização, persiste há mais de 20
anos. Ou seja, já se verificava antes da ascensão do atual governo, que todos
acusam, com razão, de negligenciar o desmatamento e as queimadas na Amazônia –
as duas maiores mazelas ambientais do país.
Voltando à pergunta anterior. A resposta trazida
pelas pesquisas, que consideram séries históricas de estatísticas relacionadas à
prática da queimada na Amazônia, é bem mais simples do que se imagina. Acontece
que a fiscalização pode até dar retorno positivo no curtíssimo prazo, mas jamais
apresentou resultado no médio e no longo prazo.
Para explicar melhor. Na estação seca, quando as
condições climáticas são favoráveis ao alastramento do fogo e as queimadas
atingem o pico, cresce a pressão sobre os gestores – que, por sua vez, intensificam
a fiscalização. Ora, a presença de forte aparato punitivo no campo obviamente tem
poder intimidatório e traz resposta imediata.
Contudo, decorrido o prazo da intimidação e inexistindo,
como resta comprovado, efeito pedagógico desmotivador, o produtor volta a investir
na queima do pasto “velho” para melhorar a produtividade do rebanho.
No ano seguinte, o quadro se repete, e mais uma vez
é possível observar o ciclo representado por pico de queimadas/pressão/aumento
da fiscalização/breve período de controle e, por fim, volta à normalidade do
uso do fogo para renovação do pasto.
O pior é que a imprensa chega ao absurdo de divulgar
e comemorar a ampliação do número de produtores multados a cada ano, como se
isso demonstrasse algum êxito. A constatação, sempre, é no sentido de que esse é
o caminho para zerar as queimadas e que, por conseguinte, é necessário ainda mais
dinheiro, ainda mais investimento na fiscalização.
Um raciocínio de baixo nível intelectual, uma
conclusão sem base científica, que desconsidera a realidade e as estatísticas –
mas que, lamentavelmente, é a regra, e não a exceção.
Por fim, a pergunta que não quer calar: qual a
solução para as queimadas?
A resposta, mais uma vez, é simples: aumentar as áreas de floresta na
Amazônia.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.