domingo, 30 de dezembro de 2018



Em 2018, política ambiental avança e aproxima Amazônia da sustentabilidade
* Ecio Rodrigues
Desde as mudanças ocorridas no governo federal em 2016, que ambientalistas amigos do governo anterior denunciam, com apoio irrestrito de jornalistas desinformados, um suposto retrocesso na política nacional de meio ambiente.
Com forte capacidade de articulação, capaz inclusive de influenciar o meio científico brasileiro, o movimento ambientalista sustenta a tese do retrocesso em 3 premissas: uma claramente falsa, outra sem comprovação e a última carente de lógica.
Por sinal, o artigo publicado em conceituada revista científica internacional por reconhecidos estudiosos brasileiros, sob o sofrível título: A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil, assume e reforça as equivocadas premissas do retrocesso da política ambiental nacional.
A primeira premissa, claramente falsa, sugere que o governo federal, no propósito de evitar a cassação do presidente em decorrência de denúncias pouco fundamentadas, teria barganhado com os deputados federais oferecendo em troca flexibilização de regras ambientais.
Ingenuidade supor que as exigências ambientais que afligem o produtor se encontrem no nível de negociação política que permita trocar a salvação de um mandato presidencial. Óbvio que por meio de alterações em portarias e instrução normativa de ministérios não se faz barganha política para salvar a presidência da república.
Considerar que a regularização fundiária nos moldes operados pelo governo federal, que somente em 2017 titulou, ou melhor regularizou, o equivalente a soma dos dez anos anteriores (26.000 e 2.600 títulos anuais respectivamente), proporciona combustível para acelerar o desmatamento se configura em mera especulação.
Ocorre que sob o manto do fundamentalismo ideológico do que se costuma chamar de “grilagem de terra” (outra insanidade repetida às tantas a despeito de não existir nenhuma estatística probatória) os ambientalistas assumiram existir uma relação de proporcionalidade direta entre titulação e desmatamento.
Por esse entendimento torto, quanto mais terras sem dono sendo tituladas mais áreas de florestas seriam desmatadas. Algo inusitado, uma vez que a titulação responsabiliza o novo proprietário frente as infrações ambientais e fiscais.
Fácil supor que para aqueles pouquíssimos produtores (menos de 2% dos titulados provavelmente) que por ventura prefiram usar terras sem domínio para desmatar e criar gado, melhor seria se manter no anonimato e não ter que assumir as responsabilidades de proprietário. Para esses a titulação é péssimo negócio.
Finalmente, a falta de lógica se refere à redução das exigências para licenciamento ambiental de obras de infraestrutura em especial a pavimentação de rodovias e construção de hidrelétricas.
Sabe-se lá por quais razões, porém com total ausência de bom senso os ambientalistas e estudiosos acreditam que quanto maior as exigências para licenciar uma hidrelétrica menor será o desmatamento decorrente de sua construção.
Esquecem eles que desmatar é investir. O produtor deve tomar uma decisão econômica com base em custos de oportunidade. Lógico que se a obra e o funcionamento da hidrelétrica alimentar a economia local também vai ampliar o desmatamento.
Titular as terras sem dono na Amazônia, como demostrado em farta literatura, é a solução para planejar a ocupação produtiva da Amazônia e, com sorte, promover a exploração da biodiversidade nos moldes do aglomerado industrial Cluster Florestal.
Nesse ponto, a regulamentação do Fundo de Compensação Ambiental em 2018, que será abastecido com dinheiro do licenciamento das obras de pavimentação e hidrelétricas, surge como fonte imprescindível.
A partir de 2019, a sustentabilidade em uma Amazônia titulada e com segurança jurídica contará com recursos prioritários para seu financiamento. É esperar para ver!     

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018



Desmatamento na Amazônia em 2018 constrange país na COP 24
* Ecio Rodrigues
Durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou Cop 21, realizada em 2015, os brasileiros se comprometeram perante o mundo a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Mais de 195 países – praticamente a totalidade das nações existentes no globo – assumiram um rol de obrigações, sempre levando em conta o prazo-limite de 2030, com o propósito de reduzir a quantidade de carbono anualmente lançada na atmosfera e impedir que a temperatura da Terra aumente mais do que 2º Celsius.
Esses compromissos resultaram no “Acordo de Paris”, reputado pela ONU como o mais amplo e representativo pacto global voltado para mitigar os efeitos das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento do planeta.
Considerado, novamente pela ONU, um ator proeminente nos temas relacionados ao meio ambiente, o Brasil se empenhou para levar os países do bloco da América do Sul e da África a se comprometerem com o Acordo, tendo alcançado papel de liderança durante todo o processo de negociação.
Por sinal, o prestígio dos brasileiros no cenário das mudanças climáticas já vem de algum tempo. Vantagens comparativas do país, em especial a disponibilidade de terra para o agronegócio e a quantidade de água doce, reforçam a tese da liderança nacional.
Não à toa, o Brasil foi escolhido para sediar a Convenção da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio em 1992 – a cúpula que originou a Convenção do Clima (ou COP) e, por conseguinte, todo o processo de negociação que remonta ao Protocolo de Kyoto e que culminou na assinatura do Acordo de Paris em 2015.
Agora, em 2018, novamente os representantes dos países se reuniram na COP 24, que aconteceu em Katowice, na Polônia, entre os dias 03 a 14 de dezembro.
O risco de ocorrência, em todo o mundo, de tragédias como tsunamis, secas e alagações é fato – foi comprovado por mais de 3.000 cientistas ainda no final dos anos 2000. À vista disso, é inegável que as COPs, realizadas anualmente desde 1992, se revestem de profundo significado para a humanidade.
A COP 24 não foi diferente. Inclusive, a publicação do documento Emissions Gap Report, por parte do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a duas semanas do encontro, elevou significativamente as tensões que naturalmente acompanham essas conferências.
Segundo o Pnuma, diante do pico de emissões de carbono atingido em 2017, quando a humanidade jogou 53,5 gigatoneladas do gás na atmosfera, os países precisam, obrigatoriamente, reavaliar seus compromissos, de forma a ampliar a meta de redução de temperatura.
Nesse contexto de pico de emissões, impossível deixar de computar a contribuição do desmatamento na Amazônia, que cresceu 14% entre agosto de 2017 e julho de 2018, período abarcado pelas estatísticas assustadoras presentes no relatório do Pnuma.
Contudo, para os países presentes na COP 24, muito embora a taxa de desmatamento anual da Amazônia em 2018 tenha sido preocupante, ela pode ser explicada pela reversão da drástica crise econômica de 2014. Mais preocupante é a postura do governo que vai assumir o comando do Brasil a partir de 2019, e que parece desconhecer a urgência do Acordo de Paris.
É inconcebível, para os negociadores da ONU, que o Brasil se distraia com a discussão sobre abandonar ou não o pacto mundial, num momento de acirramento da temperatura planetária.
Além de servir como estímulo indireto para desmatar a Amazônia, a dúvida quanto ao Acordo de Paris compromete a liderança global do Brasil no tema do meio ambiente.   

Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018



Desmatamento absurdo desacredita Governo do Acre na Polônia
* Ecio Rodrigues
Desde a realização da Rio 92, a convenção da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento que teve lugar no Rio de Janeiro, em 1992, os países passaram a se reunir anualmente na cúpula denominada “Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima” – ou, simplesmente, COP.
A 24ª edição dessa conferência, ou COP-24, ocorre agora, entre os dias 03 e 14 de dezembro, na Polônia, sob a difícil missão de reavaliar as metas consignadas no Acordo de Paris, pacto assinado em 2015.
Presença assídua nas COPs, os representantes do governo do Acre costumam assumir a condição de referência para Amazônia, quando o assunto é meio ambiente. Agem e pensam como se fossem paladinos da sustentabilidade regional.
Repetem sem cansar que o Acre possui uma marca de sustentabilidade conquistada desde a década de 1980 – graças, sobretudo, à figura do sindicalista Chico Mendes. O discurso, contudo, nem sempre esteve afinado com a realidade.
Entre todos os argumentos, decerto o mais marcante – e reiterado às tantas nos anos 1990 – remetia ao principal legado do Acre para a Amazônia, as reservas extrativistas, ou resex. Afinal, trata-se de uma categoria especial de unidade de conservação concebida e gestada no Acre.
No discurso, a reserva extrativista é apresentada como um componente de um modelo de ocupação produtiva adequado aos ideais de sustentabilidade, que conserva a floresta, ao tempo em que possibilita a geração de renda aos produtores.
Na realidade, as 5 reservas extrativistas acreanas encontram-se em adiantado processo de agropecuarização, exibindo taxas de desflorestamento que se aproximam das apresentadas pelas fazendas de gado – situação que, inclusive, levanta dúvida acerca da viabilidade ecológica da resex.
Passada a fase das reservas extrativistas, foi a vez de o zoneamento ecológico econômico, ZEE, se transformar na tábua de salvação da sustentabilidade. O discurso em defesa do ZEE passou a ser repetido tal qual ladainha nos eventos internacionais e, claro!, nas COPs.
Especulava-se que, por meio do zoneamento, se chegaria a um arranjo territorial no qual todos saíam ganhando – os criadores de boi que substituem a floresta pelo pasto, e os produtores que vivem da floresta que é transformada em pasto.
No discurso, o ZEE possibilitaria a conservação da floresta e a delimitação das terras (desmatadas) destinadas à pecuária.
Na realidade, o ZEE ampliou a quantidade de terras (antes cobertas por florestas) ocupadas pela pecuária em mais de 30% e, o mais grave, aumentou o desmatamento em todos os municípios do Acre.
Esquecido o ZEE, o discurso passou a alardear a criação da Secretaria Estadual de Florestas, a única, na Amazônia e no país, com a atribuição de executar uma política florestal com dois propósitos inegociáveis: reduzir o desmatamento (a essa altura, fora de controle) e aumentar a participação da produção florestal no PIB estadual.
Na realidade, em 2018 o desmatamento no Acre aumentou 83% - resultado de uma política pública que, entre outras benesses à pecuária, distribuiu tratores e forneceu crédito para a instalação e o aumento do plantel de gado.
Uma ação deliberada de política de governo que, na realidade e não no discurso, estimulou a destruição florestal no Acre. Simples assim.  

Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2018



Desmatamento explode no Acre em 2018
* Ecio Rodrigues
Divulgada pelo inquestionável Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em  27 de novembro último, a taxa de desmatamento de 2018 demonstra que a destruição das florestas nativas da Amazônia aumentou 13,7%, em relação a 2017.
Antes que os desavisados se apressem em justificar que a realização de eleições, de maneira geral, promove a ampliação do desmatamento, esclareça-se que as medições anuais são realizadas entre agosto (do ano anterior) e julho; portanto, a taxa atual apresenta dados coletados até 31 de julho de 2018, bem antes das eleições.
No ano de 2012, pela primeira vez em 30 anos, a quantidade anual de florestas destruídas foi inferior a 5.000 km2. Desde então, constata-se uma tendência de elevação da taxa – com exceções, como em 2017, quando houve uma redução de 16% no desmatamento, em relação a 2016.
Tudo indica que a retomada dessa tendência de elevação está relacionada à retomada do crescimento econômico.
Entretanto, os cálculos do Inpe em 2018 trazem peculiaridades que precisam ser analisadas com maior critério, no intuito de se compreender a dinâmica apresentada pelo desmatamento – em especial diante dos compromissos assumidos pelo Brasil com a assinatura do Acordo de Paris em 2015.
Entre as peculiaridades observadas no comportamento do desmatamento em 2018, o aumento impressionante, e até certo ponto assustador, da participação de localidades periféricas chama a atenção.
Estados como Acre e Roraima, que se situam nas bordas da floresta amazônica e que costumavam ter participação irrisória no cômputo total da área anualmente desmatada, exibiram taxas inusitadas – e preocupantes.
Enquanto as economias mais pujantes – Pará, Mato Grosso e Rondônia, em ordem decrescente – apresentaram menos de 20% (16,7%, 12,0% e 5,7%, respectivamente) de ampliação do desmatamento, no caso de Roraima, esse acréscimo chegou a 33,3%.
Todavia, a despeito de ter sido deveras significativo, o percentual de aumento computado em Roraima não chegou nem perto da destruição florestal observada no Acre – que avançou nada menos que 82,9%.
Desde 2002, o Acre não desmatava com tamanha intensidade, sendo que, nesse período, a maior ampliação havia ocorrido em 2010 (55%), quando foram desmatados 259 km2, quantidade bem inferior aos 470 km2 de florestas destruídas em 2018.
Sem considerar o efeito das eleições e a expectativa gerada pela mudança de governo, a dinâmica do desmatamento no Acre pode explicar boa parte do que virá a acontecer na Amazônia como um todo.
Afinal, desde a aprovação da lei estadual do zoneamento ecológico-econômico, em 2007, a área de floresta anualmente desmatada no Acre teima em se manter elevada, quase sempre acima dos 250 km2. Situação que se agravou depois da extinção da Secretaria Estadual de Floresta, em 2012.
Ainda que se reconheça, por parte do grupo político que se manteve no poder nos últimos 20 anos, um esforço inicial para levar o setor florestal a adquirir importância na composição do PIB estadual, o fato é que, em todo esse período, a hegemonia da pecuária de gado na frágil e dependente economia acreana jamais foi abalada.
Não à toa, o projeto político apelidado de “Florestania” foi esquecido, na vã tentativa de se perpetuar o poder político – e sem que tenha havido preocupação com um planejamento econômico que garantisse um futuro sustentável para o Acre.
Todos os grupos políticos, sem exceção, assumiram a defesa da agropecuária (na verdade, bem mais pecuária que agro), na condição de única saída para a eterna estagnação econômica que afeta a economia estadual.
Enganam-se todos. Não há saída econômica ou política com desmatamento.
O melancólico fim da Florestania e o início da nova era da pecuária ficam marcados pelo constrangedor aumento de 82,9% no desmatamento no Acre em 2018.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



segunda-feira, 19 de novembro de 2018



Política Florestal fracassou no Acre
* Ecio Rodrigues
Instituída em 2001, por meio da Lei 1.426, a Política Florestal do Acre fracassou na consecução de suas duas prioridades, a saber: ampliar a participação da produção florestal na composição do PIB estadual; e reduzir a taxa anual do desmatamento destinado à criação de gado.
Em ambos os casos, o setor florestal no Acre, no período compreendido entre a edição da política (2001) até o presente (2018), apresenta desempenho desanimador, fornecendo estatísticas que justificam a incômoda conclusão de fracasso generalizado.
Antes de tudo, importa destacar que não é tarefa fácil encontrar indicadores para subsidiar esse tipo de análise. E, tanto no aspecto econômico quanto no ecológico, não foi possível acessar os resultados das importantes pesquisas realizadas pela Embrapa – já que, por conta da dispersão desses dados, seria necessário muito trabalho e muito tempo para sua sistematização.
Pela mesma razão, também foram descartados os trabalhos acadêmicos – quase que exclusivamente oriundos da Universidade Federal do Acre, e mais exclusivamente ainda da Engenharia Florestal, no formato de monografias e dissertações de mestrado.
Dessa forma, a discussão aqui empreendida se esteia na informação oficial disponibilizada pela Secretaria Estadual de Planejamento, Seplan, que todos os anos e sob profissionalismo inaudito, publica o documento intitulado “Acre em números”.
Por outro lado, a produção de madeira foi considerada como referência para a aferição da importância econômica do setor florestal na composição do PIB, uma vez que o aumento da oferta de madeira manejada configurava diretriz primordial da política florestal.
Após observar crescimento surpreendente nos primeiros 5 anos de vigência da política, passando de 287.306 m³ de toras em 2002 e chegando a quase 500.000 m³ em 2005, a produção madeireira inicia um processo permanente e inexplicável de declínio.
Afora o pico, igualmente inexplicável, que sobreveio em 2011, quando a oferta de madeira alcançou 1.064.195 m³, a decadência foi uma constante – ao ponto de, em 2015, chegar a ínfimos 285.000 m³ de toras.
Quer dizer, em 2015, a produção voltou aos mesmos níveis de 2001 – cuja irrelevância motivou a aprovação da política florestal. Esse retrocesso é a evidência concreta de que alguma coisa deu muito errado.
Ou as diretrizes adotadas não foram as mais acertadas para a realidade florestal do Acre, ou os governos dos últimos 20 anos não venceram o preconceito em relação à exploração madeireira, e deixaram de priorizar a política estadual de floresta.
Essa ausência de prioridade, aliás, fica patente em 2012, quando a Secretaria Estadual de Florestas foi simplesmente extinta.
Vale reconhecer o fato de que, atualmente, 90% da madeira ofertada é manejada – uma matéria-prima considerada sustentável e produzida sob impacto ambiental insignificante, quando comparada à pecuária de gado.
 Por sinal, a expectativa era a de que o impulsionamento da produção de madeira atrairia o investimento privado que era (e continua sendo) direcionado à criação de boi. Ledo engano.
E embora a década atual registre, anualmente, cerca de metade da destruição florestal levada a efeito na década anterior, o Acre está bem longe de zerar o desmatamento, mesmo o realizado de forma ilegal.
Provavelmente está aí – na quantidade de florestas devastadas todos os anos – o lado mais perverso do fracasso da política florestal.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




segunda-feira, 12 de novembro de 2018



Início da safra de castanha aquecerá economia no Acre e Bolívia
* Ecio Rodrigues
A integração comercial entre Brasil e Bolívia vai bem além da existência e funcionamento do gasoduto que abastece o Sudeste brasileiro com o gás boliviano.
Na fronteira entre o Estado do Acre (Brasil) e o Departamento de Pando (Bolívia), a dinâmica econômica todos os anos se intensifica, com o início, em dezembro, da safra oriunda de uma árvore emblemática da Amazônia: a castanheira, ou Bertholletia excelsa.
A comercialização do fruto dessa árvore, antes identificado como castanha-do-pará (já que até meados da década de 1980 era exportado exclusivamente pelo porto de Belém), depois como castanha-do-brasil, e mais recentemente, devido a razões de mercado, como castanha-da-amazônia, representa mais da metade da renda anual dos produtores florestais que habitam ambas as localidades.
Como uma boa parcela da produção é vendida de um país para o outro, sempre que começa a safra anual tem lugar a discussão que contrapõe, de um lado, as exigências impostas a esse comércio, e de outro, a informalidade em que ele se processa.    
Trata-se, obviamente, de uma operação de exportação/importação – quer dizer, de um procedimento administrativo-fiscal que exige muitos carimbos e, pelo menos no caso do Brasil, o recolhimento de pesados impostos.
O trâmite também requer o cumprimento de normas de vigilância sanitária, diante da natureza alimentar do produto – com o agravante de que envolve séria ameaça à saúde humana, por conta do risco de contaminação pelo fungo aflatoxina (pois grande parte da castanha é negociada in natura, ou seja, com casca).
Entretanto, considerando-se que a compra e venda se dá numa região de fronteira, e que, para consumar a transação, basta que as cargas de castanha atravessem, geralmente por canoa, um rio estreito, com menos de 100m de largura, tanto os acreanos quanto os bolivianos estão pouco se lixando para as formalidades.
Em suma, é o pior dos mundos – a combinação entre excesso de burocracia e total indiferença aos preceitos normativos. Quem perde, claro!, é a sociedade.
Em áreas de fronteira, como se sabe, ocorre acentuada movimentação de pessoas e produtos, e amiúde as populações vizinhas mantêm estreitas relações pessoais e comerciais. É comum uma mesma família se dividir entre os territórios fronteiriços, como é comum viver num país e trabalhar no outro.
O fato é que, no caso da castanha-da-amazônia, as regras de importação e exportação que valem para o restante do país não podem ser as mesmas para a região de fronteira onde o produto é extraído. É evidente que essas regras devem ser flexibilizadas.
Embora sejam compreensíveis as preocupações do fisco e da vigilância sanitária, é questão de bom senso o estabelecimento de condições comerciais que sejam interessantes para os dois países.
Por sinal, por ocasião da construção das pontes ligando os municípios acreanos de Brasileia e Assis Brasil às cidades de Cobija e Iñapari (Bolívia e Peru, respectivamente), havia a expectativa de que o comércio da amêndoa e as relações econômicas de forma geral avançariam.
Todavia, as pontes não trouxeram progresso significativo às trocas comerciais entre essas nações, sobretudo no que diz respeito à castanha. Faltou, tanto à época quanto agora, associar a ligação física à redução das exigências alfandegárias, elemento essencial para melhorar o ambiente de negócios.
Espera-se, para a safra de castanha-da-amazônia que se inicia em dezembro próximo (e que vai até março/2019), a recuperação da produção aos patamares da média anual de 40 mil toneladas – bem superior à pífia safra de 2017, que não passou de 10 mil toneladas.
A flexibilização das regras de exportação da castanha-da-amazônia fomentaria a economia do Acre. Simples assim.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018



Talheres e canudos de plástico banidos na Europa
* Ecio Rodrigues
Sob maioria esmagadora, o Parlamento da União Europeia aprovou, em 24 de outubro último, legislação banindo talheres, canudos e cotonetes confeccionados em plástico – que a partir de 2021 não poderão ser mais fabricados, vendidos ou disponibilizados para o consumidor.
A regra vale para 28 países do continente europeu.
Ao votar pelo banimento, os parlamentares levaram em consideração laudos elaborados por cientistas atestando que o plástico pode ser substituído com segurança sanitária por papelão e madeira.
A constatação científica põe abaixo o argumento de que apenas       matérias-primas inorgânicas como o plástico de petróleo poderiam garantir salubridade a esse tipo de apetrecho. 
Também contribuiu para formar a opinião da maioria a estimativa de que os canudinhos representam 4% da ilha de lixo plástico que flutua nos oceanos – quer dizer, correspondem a 8 milhões de toneladas de detritos que irão permanecer no ambiente por mais de 400 anos.
No caso de outros objetos descartáveis que ainda não dispõem de alternativa para substituição de matéria-prima, como embalagens de sanduíche e sorvete, a legislação aprovada impõe a redução da comercialização em 25%; por seu turno, a reciclagem de garrafas de plástico deverá alcançar 90% do consumo.
A previsão é que ambas as metas sejam atingidas até 2025.
Trata-se, evidentemente, de medida auspiciosa, que, diante de seu significado e abrangência, tem efeito pedagógico de alcance planetário: no curto prazo, é certo que será adotada em outros continentes.  
Sem embargo, está na recomendação de substituição do petróleo     (matéria-prima não renovável) por madeira e papelão (matérias-primas renováveis) – ou melhor, de um produto que ao ser descartado causa perpétua degradação ambiental por outro, biodegradável, que em poucas semanas é assimilado pelo ambiente – o grande passo dado em direção à economia de baixo carbono.
Em todo o mundo, florestas são cultivadas para prover as árvores destinadas à produção de diversas matérias-primas demandadas pela humanidade.
As principais, madeira e celulose, são amplamente empregadas na construção civil e no fabrico de papel e mobiliário; contudo novos usos vêm surgindo – como a confecção de roupas com fibra de celulose e a formulação de medicamentos com base na lignina presente na madeira.
É provável que a geração de energia elétrica por meio da queima de biomassa em caldeira, tecnologia desenvolvida no Brasil há mais de 50 anos, configure a mais importante dessas novas aplicações.
Ainda que ambientalistas ortodoxos, daqueles que não admitem a presença humana na floresta amazônica, desprezem a ideia de queimar árvores (mesmo as plantadas com essa finalidade), a energia elétrica obtida da biomassa de madeira é reconhecida como limpa por todos os países associados à ONU.
Enfim, o seleto grupo de bens e serviços fornecidos pelas florestas, cultivadas e nativas, a cada dia se torna mais amplo.
A Amazônia só tem a ganhar.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018



A vocação florestal do Acre
* Ecio Rodrigues
Com maior intensidade, o debate acerca da comprovada vocação florestal do Acre data da década de 1980, quando posicionou em lados opostos os defensores do desmatamento e os que acreditavam na conservação da floresta como indutor do progresso.   
Inicialmente objeto de discussão acadêmica e em seguida encampado por instituições de pesquisa do porte do Inpa e Embrapa, o tema relacionado ao uso econômico da biodiversidade chegou à Assembleia, às prefeituras e à sociedade em geral.
Acontece que, desde então, o modelo do agronegócio, em especial o baseado na monocultura de larga escala (leia-se: soja e capim) destinada à geração de divisas de exportação, se consolidara na condição de opção inexorável de política pública para o Acre.
Enquanto isso, experimentos de manejo comunitário realizados com apoio da cooperação internacional comprovavam a viabilidade econômica, ecológica e social da exploração tecnificada de produtos da biodiversidade florestal.
Por sinal, cabem aqui parênteses, a fim de reconhecer o importante papel dessas iniciativas para a economia do Acre.
Vale destacar a experiência de manejo florestal da Funtac, fundação pública estadual, na Floresta Estadual do Antimary; o pioneirismo do CTA, entidade civil do terceiro setor, no Projeto de Assentamento Extrativista Porto Dias; e da Embrapa, empresa pública federal, no PAD Peixoto.
Todas contribuíram sobremaneira para a demonstração de que a biodiversidade florestal configura importante componente na geração de renda das comunidades, desde que eficientemente manejada.
Esses 3 empreendimentos, levados a efeito na década de 1990, consumiram enorme esforço daquelas distintas organizações. Afinal, se ainda hoje o sistema normativo para a produção florestal é proibitivo, imagine-se há mais de 20 anos.
Sob a justificativa (equivocada, ressalte-se) de “proteger” a floresta amazônica do aproveitamento econômico, instituiu-se um rol de normas que restringiram a atividade florestal, inibindo-a ou, o que é mais comum, empurrando-a para a marginalidade.
Primeiro, a Lei de Crimes Ambientais afastou toda possibilidade de inclusão da fauna silvestre na exploração florestal. Posteriormente, as portarias do Ibama transformaram as licenças para o manejo florestal em algo impossível de se obter. Até EIA/RIMA chegaram a ser exigidos para a prática do manejo florestal.
Basta dizer, para ficar na mais óbvia demonstração da importância do uso econômico da biodiversidade para as comunidades, que os mais de 3.000 produtores que habitam as 5 reservas extrativistas do Acre não podem, por força de lei, auferir renda por meio do agronegócio.  
Enfim, se a anomalia capitalista apontada pelo notável Euclides da Cunha                                                                                                                compelia os seringueiros a “trabalhar para escravizar-se”, na atualidade, os extrativistas se veem obrigados a “trabalhar para não vender” o produto mais valioso que têm à disposição: a biodiversidade da floresta.
Como indica a constatação científica, em 40% das terras do Acre o agronegócio é impraticável.
A exploração da biodiversidade é a única alternativa, e o caminho mais rápido, a promoção do manejo florestal comunitário.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




terça-feira, 16 de outubro de 2018



Conama elegerá organizações ambientalistas para biênio 2019-2021    
* Ecio Rodrigues
Desnecessário reafirmar a importância do processo eleitoral destinado à escolha das organizações ambientalistas para compor o plenário do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), de janeiro de 2019 a janeiro de 2021.
Afinal, o país passa por um momento em que as instituições estão sendo postas à prova – o que exige respostas e atitudes que transmitam confiança à população.
Das discussões mais levianas, como a insinuação de que urnas eletrônicas não são confiáveis (a despeito da segurança desses aparelhos ter sido comprovada por auditorias em 12 eleições consecutivas), às mais temerosas, como a proposta de alterar a composição do Supremo – o fato é que o país será sacudido, a partir de 2019, por turbulências cotidianas.
No que diz respeito ao Conama, não vai ser diferente.
Dentro do espectro político mais à direita, é recorrente a alegação de que a área de meio ambiente mais atrapalha que ajuda – sob tal prisma, portanto, não haveria lugar para a permanência de uma pasta específica de meio ambiente.
Ora, sem o Ministério do Meio Ambiente, que é a instância superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente, estrutura instituída por lei em 1981, as Resoluções do Conama, que enquadram os empreendimentos de pavimentação de rodovias e construção de hidrelétricas (para citar os mais polêmicos), serão automaticamente questionadas.
Mais que isso, no limite desse questionamento, a própria existência do Conama poderá ser colocada em xeque.
Dentro do espectro político mais à esquerda, por outro lado, as tentativas de fragilizar as organizações da sociedade civil são mais que evidentes.
Impregnados de desconfiança em relação à lisura da atuação dessas entidades, os governos ditos de esquerda aprovaram legislação que reduziu de maneira visível o seu escopo de atuação, sobretudo no tocante ao apoio do orçamento público à execução de políticas no setor ambiental.
Cabe destacar que a Lei 13.019/2014 não representou nenhuma inovação, tendo se limitado a alterar o marco legal (Lei 9.790/1999) criado no âmbito do Programa Comunidade Solidária – e, pode-se dizer, piorando a já complexa relação que envolve o repasse de recursos públicos às organizações da sociedade civil.  
Mas a desconfiança chegou mesmo ao ápice com a publicação do Decreto 8.243/2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.
Por meio desses instrumentos de nítido viés populista, o governo Dilma esperava reduzir a importância política das organizações não governamentais, ao retirar-lhes o papel crucial de representantes da coletividade, em especial no que diz respeito à reivindicação pelo direito a um meio ambiente equilibrado.
Enfim, diante das duas perspectivas que se impõem no segundo turno das eleições presidenciais, a esfera de meio ambiente, de maneira geral, e o Conama, em particular, vão requerer esforço redobrado por parte das organizações ambientalistas.
Em tal contexto, é extremamente importante que as entidades registradas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, CNEA, participem do processo eleitoral. A lista das entidades eleitoras e candidatas está disponível no portal http://cnea.mma.gov.br.
O pleito, que teve início em 8 de outubro por sistema eletrônico, será encerrado em 7 de novembro próximo. Cada entidade escolherá uma organização para representação nacional e duas para representação regional nas audiências do Conama.
A coesão e o envolvimento da sociedade civil com o Conama demonstram de forma clara que o meio ambiente é, sim, prioridade.   

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



segunda-feira, 8 de outubro de 2018



Desmatamento na Amazônia não é pauta política
* Ecio Rodrigues
Desde a década de 1980 que o debate acerca dos destinos da maior floresta tropical do planeta se intensificou em toda a Amazônia.
Se, por um lado, os produtores rurais – em especial os criadores de gado, que chegaram à região motivados pelas facilidades para obtenção de terras e crédito – passaram a exigir novas áreas para ampliar seus plantios, por outro lado, as consequências da substituição da floresta por capim começaram a assombrar o mundo.
Como as medições do Inpe tiveram início apenas em 1988 (revelando a dimensão da destruição florestal na Amazônia), até então a especulação sobre o tamanho do desmatamento e os riscos para a fauna e a flora vinha carregada de histeria e, mais que tudo, medo.
Em 1995, quando foi atingido o recorde anual de 29 mil km2 de florestas destruídas, pesquisadores alertaram quanto ao risco de ocorrência de chuva ácida na Europa e de alagações na Ásia.
O pânico com o fim da floresta amazônica se alastrou, tomou conta do mundo.
Advertências caíram sobre o Brasil, na tentativa de forçar uma atitude enérgica do governo. Os países ricos ameaçaram boicotar a compra dos produtos do agronegócio nacional, sobretudo a soja, e também retrair seus investimentos na carente indústria nacional.
Essa reação mundial foi, por suposto, decisiva para a proteção da floresta na Amazônia: as taxas anuais de desmatamento baixaram a níveis considerados aceitáveis para aquele momento, ou seja, a década de 1990.
Um novo e preocupante ciclo de destruição deu origem ao segundo recorde em 2004, quando foram devastadas mais de 27 mil km2 de terras cobertas por florestas. De novo, a reação mundial foi categórica. A pressão de países compradores da soja e da carne brasileiras levou, mais uma vez, à diminuição das taxas anuais de desmatamento.
Sem embargo, só depois de 2009 que o nível de desmatamento anual possibilitou maior racionalidade nas discussões. Ao conseguir reduzir a um dígito a quantidade de florestas destruídas por ano, o Brasil se comprometeu, perante o mundo, a acabar com o desmatamento ilegal, isto é, o desmatamento não autorizado pelo Código Florestal.
Com efeito, em 2015, durante as negociações do Acordo de Paris, que foi subscrito pelos 192 países associados às Nações Unidas, o Brasil pactuou a meta de, até 2030, banir o desmatamento ilegal na Amazônia.
Todos aplaudiram a iniciativa e o empenho dos brasileiros no propósito de zerar o desmatamento ilegal. Contudo, o compromisso fez levantar duas questões óbvias. Primeiro, em relação à própria existência do desmatamento legalizado; segundo, sobre a participação desse desmatamento na destruição anual das florestas na Amazônia.
Fácil entender “a pulga atrás da orelha”, como diziam nossas avós. Se o desmatamento ilegal pode ser coibido de forma convencional – por meio de fiscalização, por exemplo –, no caso do desmatamento legalizado esse tipo de medida não tem serventia.
A tarefa de zerar o desmatamento legalizado é bem mais complexa, por exigir ações de política pública que tornem mais lucrativo para o produtor o investimento na produção florestal, em detrimento da criação de gado.
Resumindo, além de exigir maior esforço intelectual, o fim do desmatamento legalizado expõe as contradições da atividade predominante na Amazônia: a pecuária.
Mas só a cobrança do eleitor pode trazer o tema para a pauta política.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018



Preocupa-se com o rio Acre? Vote por ele
* Ecio Rodrigues
Não é de agora que o rio Acre é motivo de preocupação, porém uma coisa é certa: nos últimos 10 anos, a degradação ecológica da bacia hidrográfica chegou ao ponto de comprometer a capacidade natural de regeneração desse curso d’água.
Significa dizer que, sem uma atuação decisiva da política pública – o que vai depender do governo que assumir em janeiro de 2019 –, o rio Acre continuará numa tendência inexorável de degradação e extinção.
O final dessa história todo mundo conhece, já que exemplos como o do canal da maternidade se multiplicam na capital e nos municípios do interior.
Resumindo, o processo se dá em mais ou menos 3 etapas.
A degradação ultrapassa o suportável, até o ponto de não haver saída técnica que promova a resiliência e a restauração ecológica do rio; daí, as taxas de dejetos domésticos e industriais transformam o rio numa vala de esgoto.
Em seguida, a população deixa de reconhecer a importância ambiental e cultural do rio, e a canalização do agora esgoto passa a ser a única e derradeira opção, convertendo-se em demanda eleitoral.
A palavra-chave para resgatar as características hidrológicas do rio Acre é resiliência. Trata-se de um termo técnico, cujo significado remete à capacidade natural do curso d’água de suportar e se recuperar das agressões.
Quando recebe uma carga de esgotos sem tratamento, o rio pode absorver os dejetos, dependendo de sua capacidade de resiliência.
A resiliência do rio está diretamente relacionada ao desmatamento em suas margens e na área de influencia da bacia hidrográfica – vinculando-se também a outras variáveis, tais como equilíbrio hidrológico, intensidade de vazão e desobstrução do leito.
No caso do rio Acre, o comprometimento da resiliência se encontra próximo do limite, e isso ocorre principalmente por duas razões.
Primeiro, em função da degradação da faixa de mata ciliar (que chega a 70%, considerando-se a largura mínima determinada pelo Código Florestal); segundo, devido ao desmatamento da extensa superfície localizada entre a margem direita do rio e a BR-317 (que alcança 80% dessa área).
Ou seja, discursos eleitoreiros e declarações de amor não atendem à urgência da política pública que o rio Acre requer.
O Acre foi um dos últimos estados a instituir Política Estadual de Recursos Hídricos, o que fez por meio da Lei 1.500/2003. Desde então, a sociedade aguarda uma intervenção do governo que ainda não ocorreu. 
A norma previu a criação de uma agência, nos moldes da Agência Nacional de Águas-ANA; sem embargo, os sucessivos governos estaduais optaram por delegar a responsabilidade pelos rios ao Instituto de Meio Ambiente – órgão reconhecido por sua letargia e dificuldade operacional.
Em outras palavras, a política foi publicada e esquecida nas prateleiras, tendo gerado pouco ou nenhum resultado. Em 2012, quase 10 anos depois, foi lançado o Plano Estadual de Recursos Hídricos, estabelecendo uma série de ações para salvar o rio Acre. Todas elas continuam lá.
Por fim, aos despreocupados com o impacto ecológico vale lembrar a importância do rio Acre na condição de única fonte de abastecimento de água tratada para a maior parte da população urbana.
Mas a resiliência do rio Acre ainda tem volta. Por isso, vote por ele.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.