segunda-feira, 26 de abril de 2021

Depois de recusar COP 25, Brasil se humilha na cúpula do clima dos EUA

 * Ecio Rodrigues

Para quem não lembra, no final de 2018, depois de louvável esforço da gestão Temer para trazer ao país a COP 25 (25ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, que se realizaria em 2019), o Brasil, surpreendentemente, se negou a sediar o evento.

A desistência brasileira, como se sabe, se deu por decisão do governo então recém-eleito, segundo o qual não apenas a COP 25 seria irrelevante, como também as 24 conferências anteriores – todas decorrentes da Rio 92, quando foi assinada a Convenção do Clima – não tiveram serventia para o país.

Na deturpada visão dos novos governantes, esse extraordinário esforço diplomático envolvendo as 195 nações associadas ao sistema ONU em prol da redução das emissões de carbono e mitigação dos efeitos do aquecimento global – e que resultou na celebração do Acordo de Paris em 2015 – teria na verdade o propósito oculto de destruir a economia dos países em desenvolvimento.

A COP 25 foi realizada em Madri, Espanha, e a participação do Brasil só não foi um completo fiasco porque alguns parlamentares e governadores da Amazônia, em face do vácuo de liderança brasileira, negociaram diretamente o apoio de países europeus a programas direcionados a reduzir os impactos das mudanças climáticas na região. (Para saber mais acesse: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=4576&artigos_ano=2019).

Além de romper um ciclo de atuação geopolítica reconhecidamente importante e estratégica para a imagem da nação e para a atração de investimentos, o atual governo, a partir do momento em que chegou ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, parece ter se guiado pelo objetivo de desmantelar a estrutura construída no país para a área do meio ambiente.

Nessa triste cruzada, incorreu em erros elementares e indefensáveis, tais como tentar extinguir o Ministério do Meio Ambiente; sabotar o Fundo Amazônia, principal mecanismo de captação de recursos internacionais para o combate ao desmatamento; desqualificar as estatísticas sobre desmatamento produzidas pelo Inpe, órgão público de inatacável excelência científica; e, talvez o menos inteligente, desdenhar o Acordo de Paris, o mais significativo pacto mundial voltado para minimizar os efeitos do aquecimento do planeta.

Dois anos e sucessivos recordes de desmatamento e queimadas depois, quando os democratas retornam o governo dos EUA e organizam uma cúpula de líderes mundiais apenas para divulgar que transformaram as metas estabelecidas no Acordo de Paris em projeto de Estado, os mesmos gestores – os mesmos que desistiram da COP 25, que desprezaram os milhões de dólares doados ao Fundo Amazônia e que negaram o aquecimento global – se viram agora obrigados a, como se diz, baixar a cabeça e participar do evento.

Pior, ao que parece, sob a tosca alegação de que o Brasil precisa cobrar para abrir mão de um suposto (ou inexistente) direito de desmatar, tentaram infantilmente camuflar o fato humilhante de que, depois de ter esnobado o dinheiro oferecido pela comunidade internacional, estão na verdade com o pires na mão.

Sem embargo, e como já ficou claro, o problema dos atuais gestores do MMA vai muito além dessa facilidade para expor o país a situações vexatórias.

Com efeito, diante do gritante despreparo técnico e do pouco domínio que demonstram acerca das questões ambientais, é patente sua incapacidade para tratar de um assunto considerado prioridade no mundo: desenvolvimento sustentável.

Encontram-se no conceito de sustentabilidade, em especial no que diz respeito à ocupação produtiva do meio rural amazônico, os elementos para compreender o quão distante está a criação extensiva de boi, hegemônica na região, do enfoque conferido à Amazônia no Acordo de Paris.

O predomínio desse novo olhar sobre a Amazônia nas discussões internacionais em torno dos conteúdos relacionados ao desenvolvimento econômico denota a sintonia existente entre desenvolvimento e sustentabilidade.

Com o passar dos anos, a humanidade está cada vez mais consciente, por um lado, quanto à necessidade de valorização e manutenção dos ecossistemas e, por outro, quanto às implicações ambientais decorrentes de modelos perdulários de ocupação produtiva que dependem do desmatamento, seja ilegal ou legalizado.

Dessa forma, é inadmissível que gestores ambientais não entendam o conceito de desenvolvimento sustentável e deixem de identificar as interfaces existentes entre os princípios ali contidos e os que permeiam a visão que orienta o Acordo de Paris em relação à Amazônia.

Não é preciso ir muito longe. As discussões técnicas e políticas desencadeadas em Estocolmo em 1972 foram o ponto de partida para aproximar as noções de desenvolvimento e meio ambiente. Depois, vieram os avanços obtidos nas conferências Rio 92, Rio+5, Rio+10 e, finalmente, Rio+20. Todas, sem exceção, contaram com a participação decisiva da diplomacia brasileira.

Em dezembro deste ano, em Glasgow, Escócia, vai ocorrer a COP 26, evento com maior peso político do que a cúpula ambiental do governo americano – e onde 195 países, sob a tutela da ONU, vão negociar metas mais rígidas para o Acordo de Paris.

A inépcia dos gestores brasileiros pode levar a mais retrocessos e aos prejuízos econômicos deles resultantes. Mas, a despeito da incapacidade de governos efêmeros, existe acúmulo institucional suficiente para possibilitar avanços, por isso, a esperança é que o país logre pelo menos retomar o patamar de 2018.

De sorte que rotular a participação na cúpula ambiental dos americanos como humilhação não leva a nada, na medida em que o foco do problema é a flagrante incompetência e ausência de expertise dos gestores do MMA quanto ao tema da sustentabilidade do planeta.

Não à toa, mais uma vez assumiram uma postura nada inteligente, a de cobrar um preço para não destruir a floresta da Amazônia – que, ao menos até hoje, ainda existe e é nossa. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Para Basa, criação extensiva de boi é desenvolvimento sustentável

 * Ecio Rodrigues

Não é de hoje que, à medida que entra e sai governo do Planalto, o Basa (Banco da Amazônia) escapa por um triz de ser extinto – e a justificativa da área econômica para encerrar de vez as atividades desse banco é simples: Banco do Brasil e BNDES podem atender, e com maior estrutura técnica, à demanda que chega ao Basa.

Mas não é só isso. Embora o Basa venda uma imagem de instituição financeira que apoia o desenvolvimento sustentável da Amazônia, a verdade é que carrega um cabedal de carteiras de crédito que disponibilizam financiamentos bastante discutíveis – para dizer o mínimo –, como o direcionado à formação de pastos em projetos de pecuária extensiva.

Assim, há muito tempo os projetos aprovados pelo banco vêm sendo colocados em xeque, e agora, mais do que nunca, quando o sistema financeiro internacional passou a adotar critérios rigorosos de sustentabilidade para o financiamento de empreendimentos – sendo o cumprimento da meta de desmatamento zero na Amazônia um dos primeiros deles –, é motivo de questionamento o apoio conferido pelo Basa à criação extensiva de gado.  

É de se perguntar, de outra banda, o que leva o banco a apregoar a falsa premissa de que, ao financiar a expansão da pecuária sobre áreas de florestas, contribui para a sustentabilidade da Amazônia.

O Basa integra, juntamente com Suframa, Banco do Brasil e BNDES, o conjunto dos mais importantes agentes financeiros para a oferta de recursos destinados ao subsídio de empresas e atividades produtivas consideradas prioridade para a economia da Amazônia.

Embora, de forma geral, esses quatro agentes indutores do desenvolvimento regional demonstrem pouco domínio em torno do conceito de sustentabilidade preconizado pela ONU – domínio este, diga-se, que deveria ser condição para uma instituição financeira atuar como promotora da ocupação produtiva na Amazônia – o Basa é, sem dúvida, o menos capacitado e estruturado sob o ponto de vista técnico.

É o que se pode chamar de contradição frustrante, posto que o Basa, que surgiu e tem sede na Amazônia, além de agências espalhadas pelos 8 estados da região, se arvora de conhecer em minúcia a realidade amazônica.

Para quem não sabe, o Basa se originou do antigo Banco de Crédito da Borracha, que foi criado para estear, mediante financiamento direto e instalação de infraestrutura, a produção de borracha, historicamente o mais importante produto florestal da Amazônia.

Nem a madeira, tampouco os produtos que ficaram conhecidos como “drogas do sertão” (como é o caso do cacau) se comparam à importância econômica da borracha na história dos ciclos econômicos da Amazônia. Por isso, a borracha é o único produto florestal que chegou a dispor de um banco específico.

A experiência acumulada no suporte à extração de borracha no interior da floresta – algo de valor inestimável – deveria ter sido assimilada pelo Basa, que assumiu as atividades do Banco da Borracha em 1966, no período do regime militar; mas, ao que parece, isso não aconteceu.

A atuação e, consequentemente, a especialização no âmbito do segmento produtivo da exploração comercial da biodiversidade florestal teriam induzido o Basa para o caminho da sustentabilidade.

Entretanto, o banco não só perdeu toda a expertise do antigo Banco de Crédito da Borracha como ajudou a conceber a errada ideia da falência extrativista, desconsiderando que o extrativismo florestal poderia ser modernizado com tecnologia, nos moldes preconizados para a bioeconomia.

A completa falta de visão estratégica do Basa não se justifica na atualidade, em especial após a assinatura do Acordo de Paris em 2015, dado que a oferta de produtos e serviços pela biodiversidade florestal da região está no centro de uma futura e esperada economia mundial de baixo carbono.

Por outro lado, a reiterada insistência do Basa em financiar a criação extensiva de gado, tanto aquela já consolidada quanto sua expansão sobre áreas cobertas por florestas, de maneira ininterrupta, todos os anos e por mais de 30 anos, demonstra um distanciamento preocupante do banco em relação ao sistema financeiro internacional.

Pior, ao aquiescer que a criação extensiva de boi preenche os requisitos de sustentabilidade, o Basa contraria farta literatura científica que comprova os prejuízos econômicos, sociais e ambientais causados por essa atividade produtiva.

Enfim, enquanto o aproveitamento comercial da biodiversidade florestal da Amazônia evoluiu em termos tecnológicos nos últimos 20 anos, o Basa continuou perdido no apoio ao desmatamento para a pecuária de gado.

A conclusão irrefutável é que um agente financeiro a menos não faz diferença, se não tem como prioridade a sustentabilidade da Amazônia.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Política Nacional de Meio Ambiente, 40 anos depois

 * Ecio Rodrigues

Ao completar, em 2021, 40 anos de execução, a Política Nacional de Meio Ambiente enfrenta o seu maior teste de resistência.

Com efeito, ao longo dessas quatro décadas, nunca um governo manifestou tamanho desprezo em relação às questões ambientais como o atual, a ponto de ter cogitado extinguir o Ministério do Meio Ambiente, MMA.

A interferência do setor do agronegócio, que, óbvia e ponderadamente, se opôs àquela estapafúrdia ideia, foi decisiva para a permanência do MMA. Os gestores nomeados para a pasta, todavia, dando sucessivas mostras de incompetência e insensatez, continuaram a trilhar o caminho do descaso para com o tema do meio ambiente.

Entre outros disparates perpetrados, os gestores ambientais: desabonaram o Acordo de Paris – que, segundo sua deturpada visão, seria fruto de uma conspiração mundial para frear a economia brasileira; sabotaram o Fundo Amazônia, valendo-se do absurdo argumento de que a doação de mais de 300 milhões de dólares por países ricos para o custeio de ações de combate ao desmatamento afrontava a soberania nacional; e, talvez o mais insólito, retiraram o lastro social do Conama, sob o pretexto infantil de que as organizações não governamentais têm como propósito saquear a biodiversidade florestal da Amazônia.

Diante desse contexto, é improvável que o amadurecimento da PNMA em seus 40 anos seja celebrado ou ao menos evocado. É digno de registro, contudo, o fato de que, certamente em função de sua consistente estrutura, a PNMA vem demonstrando notável firmeza frente à deletéria atuação do MMA.

Pode-se dizer, grosso modo, que, mesmo em pleno regime militar, a política aprovada em 1981 lançou as bases para o futuro estabelecimento de três eixos prioritários no âmbito ambiental: segregação de terras para conservação; imposição de licenciamento para empreendimentos potencialmente poluidores; e construção de institucionalidade em nível federal, estadual e municipal.

No caso do primeiro eixo, a PNMA forneceu a gênese para a criação do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), posteriormente introduzido pela Lei 9.985/2000, que dispôs sobre a criação, exploração e ocupação de unidades de conservação.

Da mesma forma, foi a partir da PNMA que o Brasil chegou a um robusto arcabouço jurídico voltado para regular o licenciamento de atividades capazes de causar significativo impacto ambiental.

Todos os entes federativos, dentro de suas respectivas competências, participam do processo de licenciamento ambiental; assim, em nenhuma localidade do país é possível iniciar desde empreendimentos mais simples, como a instalação de torres de distribuição de energia, até os mais complexos, como a construção de hidrelétricas, sem a emissão de uma Licença Operacional, última etapa desse procedimento.

O terceiro eixo prioritário induzido pela PNMA favoreceu o surgimento de secretarias e institutos ambientais nas três esferas governamentais. Esses órgãos, distribuídos em todo o território nacional, monitoram, fiscalizam e executam as ações na área, integrando o denominado Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente).

Trata-se, enfim, de uma excepcional estrutura, que confere solidez e operacionalidade à política ambiental brasileira e que cumpre a função primordial de tornar a sustentabilidade um pressuposto para o desenvolvimento do país.

Decerto essa estrutura não pode ser facilmente desmontada, por mais que um governo tente.

Merecem congratulações todos os ambientalistas, técnicos e profissionais que contribuíram para a consolidação da Política Nacional de Meio Ambiente nesses 40 anos. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Biodiversidade florestal da Amazônia não tem valor de mercado

 * Ecio Rodrigues

 

Para amoldar a produção rural da Amazônia aos ideais de sustentabilidade preconizados pela ONU e pelo mundo, é necessário alterar a percepção social acerca do que se pode chamar de “valor da biodiversidade florestal”.

Significa dizer que a concretização do potencial que a biodiversidade florestal da Amazônia apresenta para a geração de riqueza exige adequação de investimentos, sejam públicos ou privados, à sua realidade ecossistêmica.

Dessa forma, a prioridade máxima de todos os envolvidos com os destinos da região deveria ser ampliar, no curto prazo e de forma significativa, o valor dos bens e serviços que a biodiversidade florestal pode oferecer de maneira permanente.

Um primeiro passo importante é deixar de lado a visão romântica da floresta como selvagem e intocável, que predomina desde a década de 1980 ou mesmo antes, e assumir a visão da biodiversidade florestal como fonte de riqueza – não num futuro distante, mas agora.

Explicando melhor. Hoje, um hectare de floresta vale menos que um hectare desmatado para instalação de pasto (hectare este, esclareça-se, suficiente para alimentar apenas uma cabeça de gado). Contudo, mediante a exploração da biodiversidade florestal é possível gerar uma renda pelo menos 3 vezes maior.

De sorte que a produção primária da Amazônia precisa superar o nefasto ciclo imposto pela criação extensiva de boi – atividade que, para ampliar sua produção, depende do desmatamento anual de novas áreas cobertas por florestas.

Ora, a única alternativa é a exploração da biodiversidade florestal para a oferta de produtos que são monopólio regional e, portanto, não enfrentam competição direta de São Paulo e de outras regiões mais desenvolvidas.

A boa notícia é que a transformação da biodiversidade florestal em negócios rentáveis é realizada por meio da tecnologia de manejo florestal, já desenvolvida por pesquisadores de instituições que atuam na Amazônia, como a Embrapa.

Inclusive, no caso da extração de madeira, a aplicação dessa tecnologia possibilita a obtenção de ganhos competitivos mesmo quando as florestas apresentam baixa produtividade (medida em metro cúbico por hectare), como acontece na realidade do Acre.

Mas viabilizar a exploração comercial da biodiversidade florestal não é tarefa fácil. Além de exigirem planejamento e cronologia rígida de coleta/extração, os produtos florestais se circunscrevem a um mercado deveras pulverizado, no Brasil e no mundo.

Tome-se o exemplo da copaíba. As árvores possuem boa dispersão nas florestas de ocorrência e as técnicas de manejo (para extração e beneficiamento) são de fácil domínio. 

Porém, se numa determinada safra 1.000 famílias residentes, digamos, na reserva extrativista Chico Mendes, no Acre, produzirem cada uma 01 litro de óleo de copaíba, é provável que levem mais de 3 anos para vender todo o estoque.

Com planejamento e organização da produção, todavia, é possível alcançar uma oferta estável, ou seja, o produto passa a ser ofertado de forma regular, levando confiança ao mercado – o que oportunizará a celebração de contratos de comercialização de longo prazo e, por conseguinte, a obtenção de renda duradoura pelos extrativistas.

A biodiversidade florestal da Amazônia só alcançará valor atrativo para o mercado quando houver suporte de investimentos. Mas para que isso aconteça é preciso uma vontade política ainda inexistente na região.

 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.