* Ecio Rodrigues
Para quem
não lembra, no final de 2018, depois de louvável esforço da gestão Temer para
trazer ao país a COP 25 (25ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças
Climáticas da ONU, que se realizaria em 2019), o Brasil, surpreendentemente, se
negou a sediar o evento.
A desistência
brasileira, como se sabe, se deu por decisão do governo então recém-eleito,
segundo o qual não apenas a COP 25 seria irrelevante, como também as 24
conferências anteriores – todas decorrentes da Rio 92, quando foi assinada a
Convenção do Clima – não tiveram serventia para o país.
Na deturpada
visão dos novos governantes, esse extraordinário esforço diplomático envolvendo
as 195 nações associadas ao sistema ONU em prol da redução das emissões de
carbono e mitigação dos efeitos do aquecimento global – e que resultou na
celebração do Acordo de Paris em 2015 – teria na verdade o propósito oculto de
destruir a economia dos países em desenvolvimento.
A COP 25
foi realizada em Madri, Espanha, e a participação do Brasil só não foi um
completo fiasco porque alguns parlamentares e governadores da Amazônia, em face
do vácuo de liderança brasileira, negociaram diretamente o apoio de países
europeus a programas direcionados a reduzir os impactos das mudanças climáticas
na região. (Para saber mais
acesse: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=4576&artigos_ano=2019).
Além de romper
um ciclo de atuação geopolítica reconhecidamente importante e estratégica para
a imagem da nação e para a atração de investimentos, o atual governo, a partir
do momento em que chegou ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, parece ter
se guiado pelo objetivo de desmantelar a estrutura construída no país para a
área do meio ambiente.
Nessa triste
cruzada, incorreu em erros elementares e indefensáveis, tais como tentar extinguir
o Ministério do Meio Ambiente; sabotar o Fundo Amazônia, principal mecanismo de
captação de recursos internacionais para o combate ao desmatamento; desqualificar
as estatísticas sobre desmatamento produzidas pelo Inpe, órgão público de inatacável
excelência científica; e, talvez o menos inteligente, desdenhar o Acordo de
Paris, o mais significativo pacto mundial voltado para minimizar os efeitos do
aquecimento do planeta.
Dois anos
e sucessivos recordes de desmatamento e queimadas depois, quando os democratas retornam
o governo dos EUA e organizam uma cúpula de líderes mundiais apenas para divulgar
que transformaram as metas estabelecidas no Acordo de Paris em projeto de Estado,
os mesmos gestores – os mesmos que desistiram da COP 25, que desprezaram os
milhões de dólares doados ao Fundo Amazônia e que negaram o aquecimento global –
se viram agora obrigados a, como se diz, baixar a cabeça e participar do evento.
Pior, ao
que parece, sob a tosca alegação de que o Brasil precisa cobrar para abrir mão
de um suposto (ou inexistente) direito de desmatar, tentaram infantilmente
camuflar o fato humilhante de que, depois de ter esnobado o dinheiro oferecido
pela comunidade internacional, estão na verdade com o pires na mão.
Sem
embargo, e como já ficou claro, o problema dos atuais gestores do MMA vai muito
além dessa facilidade para expor o país a situações vexatórias.
Com
efeito, diante do gritante despreparo técnico e do pouco domínio que demonstram
acerca das questões ambientais, é patente sua incapacidade para tratar de um assunto
considerado prioridade no mundo: desenvolvimento sustentável.
Encontram-se
no conceito de sustentabilidade, em especial no que diz respeito à ocupação
produtiva do meio rural amazônico, os elementos para compreender o quão distante
está a criação extensiva de boi, hegemônica na região, do enfoque conferido à Amazônia
no Acordo de Paris.
O
predomínio desse novo olhar sobre a Amazônia nas discussões internacionais em
torno dos conteúdos relacionados ao desenvolvimento econômico denota a sintonia
existente entre desenvolvimento e sustentabilidade.
Com o
passar dos anos, a humanidade está cada vez mais consciente, por um lado, quanto
à necessidade de valorização e manutenção dos ecossistemas e, por outro, quanto
às implicações ambientais decorrentes de modelos perdulários de ocupação produtiva
que dependem do desmatamento, seja ilegal ou legalizado.
Dessa
forma, é inadmissível que gestores ambientais não entendam o conceito de
desenvolvimento sustentável e deixem de identificar as interfaces existentes
entre os princípios ali contidos e os que permeiam a visão que orienta o Acordo
de Paris em relação à Amazônia.
Não é
preciso ir muito longe. As discussões técnicas e políticas desencadeadas em
Estocolmo em 1972 foram o ponto de partida para aproximar as noções de
desenvolvimento e meio ambiente. Depois, vieram os avanços obtidos nas conferências
Rio 92, Rio+5, Rio+10 e, finalmente, Rio+20. Todas, sem exceção, contaram com a
participação decisiva da diplomacia brasileira.
Em
dezembro deste ano, em Glasgow, Escócia, vai ocorrer a COP 26, evento com maior
peso político do que a cúpula ambiental do governo americano – e onde 195
países, sob a tutela da ONU, vão negociar metas mais rígidas para o Acordo de
Paris.
A inépcia
dos gestores brasileiros pode levar a mais retrocessos e aos prejuízos
econômicos deles resultantes. Mas, a despeito da incapacidade de governos
efêmeros, existe acúmulo institucional suficiente para possibilitar avanços,
por isso, a esperança é que o país logre pelo menos retomar o patamar de 2018.
De sorte
que rotular a participação na cúpula ambiental dos americanos como humilhação
não leva a nada, na medida em que o foco do problema é a flagrante
incompetência e ausência de expertise dos gestores do MMA quanto ao tema da
sustentabilidade do planeta.
Não à
toa, mais uma vez assumiram uma postura nada inteligente, a de cobrar um preço
para não destruir a floresta da Amazônia – que, ao menos até hoje, ainda existe
e é nossa.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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