segunda-feira, 13 de agosto de 2018



Pesquisa comprova: desmatamento causa seca e alagação na Amazônia
* Ecio Rodrigues
O comprometimento do ciclo hidrológico da Amazônia, a despeito de ser uma das consequências mais terríveis do desmatamento, até há pouco tempo não era objeto de muita atenção por parte dos pesquisadores.
O que não é de se espantar.
Acontece que ao se analisarem as implicações decorrentes das atividades inseridas no universo da agropecuária, que dependem da substituição das florestas, como é o caso da criação de boi, chega-se a uma lista extensa e inquietante.
A começar pela perda das características físicas da terra – uma vez que a retirada das árvores leva à compactação do solo, dificultando a penetração das raízes das plantas –, os problemas relacionados ao desmatamento, além de gravíssimos, parecem intermináveis.
Diga-se que apenas nos últimos 15 anos foi detectada e dimensionada a íntima associação existente entre a derrubada das florestas e a produção de carbono, o principal gás causador do efeito estufa.
Como o aquecimento do planeta decorre do fenômeno do efeito estufa, as consequentes mudanças climáticas saltaram para o topo da lista das preocupações dos cientistas.
Não à toa, o Acordo de Paris, tratado assinado por praticamente todos os países do mundo em dezembro de 2015 e considerado o mais abrangente e representativo pacto global voltado para a redução do carbono da atmosfera, assumiu como uma de suas prioridades zerar o desmatamento na Amazônia.
Faltava direcionar as atenções para a inter-relação presente entre florestas e água – o que parece estar acontecendo agora.
Ainda que as pesquisas realizadas por importantes instituições, como Inpa e Embrapa, venham demonstrando desde a década de 1960 a importância da mata ciliar para a qualidade e vazão da água nos rios e igarapés, a lacuna em relação ao regime de chuvas sempre foi perceptível.
Mas estudos recentes, como o que foi publicado em fevereiro último sob a autoria de Thomas Lovejoy, professor da George Mason University (EUA), e de Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, alertam que a área já desmatada na Amazônia compromete o regime hidrológico da região.
Apoiando-se nas pesquisas realizadas por Enéas Salati ainda na década de 1970, e que concluíram que a Amazônia produz a metade da água vertida nas precipitações – ou, em outas palavras, a floresta na Amazônia gera quase metade de suas próprias chuvas –, os autores se propuseram a estabelecer o limite do desmatamento, para não prejudicar de forma irreversível a hidrografia.
Ou seja, assumindo que a alteração do regime pluviométrico leva à ocorrência corriqueira de secas e alagações, os pesquisadores questionaram até onde o desmatamento poderia chegar sem deteriorar o ciclo das águas.
Muito embora tenham iniciado as medições testando modelos matemáticos com 40% da área florestal desmatada, chegaram à conclusão de que, devido a outros fatores, como aumento das queimadas e aquecimento global, o comprometimento do balanço hidrológico e o início do processo de savanização ocorreriam a partir de 20 a 25% de destruição florestal.
Mais que provar que a retirada da floresta é a causa principal de secas e alagações, os pesquisadores definiram um prazo para zerar o desmatamento – o legal e o ilegal.
Esse prazo já terminou.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018



Do Acre a Puno
* Ecio Rodrigues
Na fronteira entre Assis Brasil e Iñapari, porta de entrada para os brasileiros que se arriscam a ir de carro do Acre ao Peru, deveria ter uma placa informando: “Este país está em obras, sem data para terminar”.
Tudo indica que o aquecimento da economia, além de valorizar a moeda peruana, diminuindo o nosso poder de compra (câmbio médio atual por lá: 1 real = 0,90 sol), também promoveu o investimento em obras públicas, sobretudo abertura e pavimentação de rodovias.
Os transtornos são evidentes, principalmente no trânsito urbano – que, diga-se de passagem, é caótico mesmo quando não tem obra. Na pequena e intensa Puerto Maldonado, por exemplo, onde os brasileiros costumam pernoitar antes de prosseguir para Cuzco ou Puno, percebem-se muitas vias inacabadas, inclusive a principal delas, que corta toda a cidade.
Mas nada se compara a Juliaca.
Saindo de Puerto Maldonado, e depois de atravessar montanhas nevadas que proporcionam uma paisagem natural de tirar o fôlego, chega-se a Juliaca. O que não é agradável, diga-se.
A impressão que se tem é que a cidade está em escombros: construções inacabadas, com vergalhões expostos (parece até que foram bombardeadas), ruas sem nenhuma pavimentação, com muitos buracos e lama (ou poeira, dependendo da época do ano), e muito lixo, muita gente, muitos carros e motos, numa desordem assombrosa até para os latinos.
Aliás, prédios com vergalhões expostos e trânsito desorganizado são características presentes em todo o país. Ao que parece, os peruanos não terminam suas construções – e na esperança, talvez, de ampliá-las com novas lages e pavimentos, deixam os ferros levantados e à vista.
Ao que parece, também, todo peruano possui licença para transportar pessoas e cargas. Como a oferta de transporte é bem superior à demanda e como não há regras, a conquista do cliente se dá na marra, ou melhor, na buzina.
Provavelmente, em algum momento alguém teve a infeliz ideia de importar da Ásia o tal “tuk-tuk”, uma espécie de riquixá motorizado, com cabine para conduzir até 3 pessoas, mas que os peruanos conseguem transformar em qualque coisa, até em trator.
Alerte-se que não há opções razoáveis para hospedagem ou alimentação entre Puerto Maldonado e Puno. Portanto, o viajante tem que se aprovisionar para enfrentar 10 horas de viagem pelos Andes. Significa que deve se preparar, com remédios, chá de coca e até mesmo oxigênio, para o mal-estar causado pela altitude, que pode chegar a 5.000 metros. Mas nada que não seja contornável. E a estrada é um tapete.
Tal como Cusco e Arequipa, Puno é marcada pela ocupação desordenada. Mas o centro histórico e a Plaza de Armas valem a visita. Como atração principal, o Lago Titicaca, que fica na fronteira entre o Peru e a Bolívia (Copacabana), certamente paga a viagem.
Situando-se a 3.812 metros acima do mar, o Titicaca detém o título de lago navegável mais alto do mundo. Com seus 8.300 km2 de espelho d’água, tornou-se referência para a produção agrícola e a distribuição demográfica das cidades durante o Império Inca. Por sinal, reza a lenda que foi no Titicaca que surgiu essa civilização pré-colombiana.
Enfim, visitar os monumentos incas erguidos nas ilhas do Sol e da Lua fazem esquecer qualquer adversidade. No final das contas, é uma grande aventura, inesquecível!


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.