terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Movimento ambientalista erra ao combater desmatamento ilegal

 * Ecio Rodrigues

Depois da divulgação, pelo Inpe, dos elevados índices de desmatamento na Amazônia em 2021, o movimento ambientalista se apressou em cobrar do governo federal (que nunca assumiu a área ambiental como prioritária) o de sempre: mais fiscalização.

Um grande erro, pois – como os representantes brasileiros, orgulhosamente, fizeram questão de exibir na COP 26, reunião da ONU sobre mudanças climáticas que se realizou em novembro na Escócia – houve, sim, investimento em monitoramento e controle, ou seja, em fiscalização.

O governo demonstrou esse investimento comprovando o repasse de recursos aos estados, a abertura de concurso para Ibama e ICMBio, a aquisição de viaturas e helicópteros utilizados em operações do Exército e da Polícia Federal, e assim por diante.

No fim das contas, o governo ficou bem na foto e fez parecer que o problema não tem solução. O que está muito longe da verdade. 

Cabe esclarecer, para quem não acompanha o noticiário capenga sobre a Amazônia, que, de acordo com o apurado pelo Inpe, no período entre 1/8/2020 e 31/7/2021, foram destruídos 13.235 km2 de florestas, o que representa um aumento de cerca de 22% no desmatamento em relação ao período anterior.

O erro dos ambientalistas em deitar ênfase na fiscalização – o que levanta a bola para os governos, que, sem exceção, de fato sempre investiram nos fiscais – tem um equívoco de origem. Trata-se da crença, pouco científica, diga-se, de que a maior parte do desmatamento na Amazônia não é licenciada e, portanto, ilegal.

Ao cair nessa armadilha – desnecessária, por sinal, eis que os países que assinaram o Acordo de Paris em 2015 exigem o desmatamento zero e não querem saber que parcela é permitida pelo Código Florestal –, os ambientalistas politizam o debate. Isso é justamente o que esperam os gestores ambientais, tanto em esfera federal quanto estadual.

Não é a primeira vez e nem será a última que o movimento ambientalista erra, ao politizar a discussão e não prestar atenção no que diz a ciência. Acontece que, em função de sua complexidade, as questões ambientais requerem cuidado com relação à procedência das informações.

Não à toa, alguns temas que motivaram ativistas a empunhar bandeiras e fazer manifestações em décadas passadas não passam de notáveis enganos.

Um desses equívocos foi, certamente, a guerra declarada ao Pro-Álcool, programa de incentivo à produção de combustível com base no álcool extraído da cana-de-açúcar, e que tinha o objetivo, em última instância, de reduzir as importações de petróleo.

Esse programa foi combatido com muita veemência durante a década de 1970, sob o argumento de que a produção do combustível provocava a contaminação dos cursos d’água por azoto, um subproduto do álcool. Hoje em dia é difícil encontrar uma entidade ambientalista que inclua o azoto em sua pauta.

Diante da crise causada pelo efeito estufa – que resultou na celebração da Convenção do Clima, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris –, a geração de energia por meio de fontes renováveis, como é o caso da cana-de-açúcar, passou a ser prioridade em todo o mundo.

Vale dizer, ante os males causados pelo petróleo, a produção de álcool, sem dúvida, é uma alternativa energética ambientalmente adequada.

Outra causa errada – e perdida – diz respeito à produção de madeira nativa na Amazônia. Sempre considerada sob o prisma da destruição (já que a aplicação da tecnologia de manejo florestal seria supostamente impossível), a indústria de serraria foi demonizada e combatida com empenho pelo ambientalismo.

Atualmente, de acordo com os termos estipulados para regulamentação do mercado de carbono, a ONU preconiza o manejo florestal, a fim de ampliar a capacidade das florestas de atuar como sumidouros de carbono.

Como ensina a ciência florestal, a aplicação da tecnologia de manejo para a produção de madeira dinamiza o fluxo de energia no interior da floresta e, por conseguinte, favorece a fixação de maior quantidade de carbono.

Ao desprezar o desmatamento zero, os ambientalistas entram na arena do governo – muita altercação sobre legalidade e nenhuma ciência.     

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

871 km² de florestas destruídas no Acre em 2021

 * Ecio Rodrigues

Quando a comitiva oficial de gestores e políticos do Acre chegou à COP 26 (encerrada na Escócia em 12 de novembro), ainda não haviam sido divulgados os dados relativos ao desmatamento na Amazônia em 2021 – o que evitou, para dizer o mínimo, muito constrangimento.

Conforme apurado pelo conceituado Inpe, 871 km² de florestas nativas foram destruídas no Acre no período entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021.

Trata-se de um índice 23% maior do que o computado em 2020, mas, a despeito desse aumento absurdo, o assunto foi ignorado pela imprensa local.

Com respaldo em robusta pesquisa, pode-se afirmar que os perversos efeitos do desmatamento são irreversíveis, ou seja, para a perda de biodiversidade florestal não tem volta. Uma vez feito o estrago, já era!

Decerto haverá quem argumente que boa parte da conversão de floresta em pasto se deu sob a chancela do Código Florestal – o dito desmatamento legalizado.

Além do fato de que a preocupação do resto da humanidade – inclusive dos fundos de investimento que gerenciam o dinheiro do mundo – é com a área total de florestas perdidas, a controvérsia em torno da legalidade/ilegalidade serve apenas para reforçar nossa incapacidade para solucionar o problema.

Nesse ponto, supondo que mais de 50% de toda a extensão de terras desmatadas em 2021 seja resultado de procedimento de licenciamento ambiental, cabe indagar se a sociedade no Acre concorda com a destruição anual de cerca de 400 km² de florestas.

Há muito apresentando estatísticas de geração de emprego e renda abaixo da média observada na Amazônia, o Acre vem chamando a atenção dos que se dedicam ao estudo da dinâmica do desmatamento por conta de duas características singulares: participação não contabilizada de áreas inferiores a 6 hectares no cálculo total de florestas desmatadas; e relação inversamente proporcional entre PIB e destruição florestal.

Enquanto na Amazônia como um todo essa inversão de proporcionalidade ocorre de maneira inusual, no caso do Acre ela tem sido frequente. Mesmo sob retração econômica persistente, os produtores se sentem motivados a investir para ampliar a produção, derrubando a floresta e aumentando os pastos.

A motivação pode vir do discurso de incentivo reiterado pelos governos estadual e municipal e por políticos de todos os partidos; pode vir da disfuncionalidade do mercado imobiliário, que valoriza mais a terra nua, sem cobertura florestal; pode vir do crédito subsidiado fornecido pelo FNO – ou de todas essas condições.

Enfim, ainda não é possível saber ao certo as razões pelas quais o investimento em desmatamento no Acre é tão elevado, recorrente e, o mais grave, parece não depender do comportamento do PIB estadual.

Mais complexo ainda é incluir os roçados no cômputo da superfície total desmatada. O Inpe dispõe de tecnologia de ponta em sensoriamento remoto e georreferenciamento por satélite, no entanto, a aferição de clareiras com menos de 6,25 hectares importa em custos anuais incompatíveis com a disponibilidade orçamentária do órgão.

Na realidade rural do Acre, afastando-se do eixo das rodovias pavimentadas (em especial as BRs 364 e 317), onde se localizam as grandes propriedades ocupadas pela pecuária extensiva, o desmatamento é praticado por colonos dispersos em ramais e, o pior, por ribeirinhos que habitam colocações às margens dos rios.

As evidências indicam que a participação desses produtores na taxa anual de desmatamento é bem maior do que os gestores e os ambientalistas imaginam.

Aferir essa dinâmica pode representar o sucesso ou o fracasso da política pública para, um dia, o Acre chegar a zerar o desmatamento e não se envergonhar perante o mundo.

 

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Mestre em Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.