segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019



Extrativistas florestais da Amazônia e o espaço político perdido
* Ecio Rodrigues
Na década de 1990, logo após a redemocratização do país, líderes sindicais do porte de Chico Mendes forneceram uma inédita importância política aos extrativistas florestais da Amazônia. A partir daí, uma mudança expressiva ocorreu no meio rural amazônico, até então dominado pelos agricultores dos projetos de assentamento geridos pelo Incra.
Os extrativistas, que já haviam fundado (em 1985) o Conselho Nacional dos Seringueiros, CNS, em 1992, com o apoio dos ambientalistas, lograram criar o Grupo de Trabalho Amazônico, GTA, uma rede de entidades da sociedade civil que se tornaria interlocutora preferencial na execução de políticas públicas para a Amazônia.
Essas organizações ampliaram a força política do extrativismo florestal na região, possibilitando o posicionamento do extrativista como importante ator social. Um passo significativo foi sua inclusão como beneficiário do Programa de Reforma Agrária, o que permitiu acesso ao Pronaf “A” e aos créditos de instalação do Incra.
Diante do espaço político conquistado pelo GTA, foi possível reivindicar a execução de programas de apoio ao produtor extrativista, bem como a criação de uma quantidade jamais repetida de reservas extrativistas.
Essa categoria de unidades de conservação, juntamente com a tecnologia do manejo florestal comunitário, considerados dois legados do Acre para a Amazônia, alçaram o pequeno produtor florestal a um patamar único na história política da região.
Atualmente, existem 65 reservas extrativistas, distribuídas em 13 milhões de hectares em todas as regiões do país, e administradas pelo ICMBio, conforme dispõe a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Mas, aquela favorável realidade institucional passaria por profundas transformações. A partir de meados dos anos 2000, com a chegada ao poder dos governos de esquerda, o extrativismo foi inserido no conceito genérico de “agricultura familiar”, reduzindo-se, dessa forma, seu protagonismo político. Hoje, CNS e GTA subsistem de forma capenga, e o extrativismo florestal perdeu o espaço e a relevância que possuía.
Por outro lado, tendo passado mais de 13 anos convivendo com governos que consideravam aliados, os extrativistas parecem não se dar conta que parte considerável de sua agenda política não foi resolvida.
Não à toa, trataram com certo descaso os avanços obtidos na Política Nacional de Meio Ambiente entre 2016 e 2018, período em que foi discutido e instituído o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas, uma relevante iniciativa para o resgate do papel social e econômico desempenhado pelo extrativismo florestal amazônico.
Fácil perceber que o suporte político alcançado pelo extrativismo se assenta no entendimento de que esse modo de produção é adequado à realidade florestal da região. Portanto, o extrativista, esse produtor rural com especialização singular, deve voltar a ser um ator prioritário, fazendo frente aos criadores de boi.
Não se pode esquecer que a relação entre extrativismo florestal e conservação dos ecossistemas foi reconhecida na Rio-92 e nas demais conferências de meio ambiente realizadas pela ONU, culminando no Acordo de Paris em 2015.
Em todos esses fóruns mundiais, reitera-se que a conservação do recurso florestal requer a permanência de uma população extrativista para manejá-lo.
A boa notícia é que essa gente já está lá, não precisa ser assentada sob elevados custos para a sociedade. E o melhor: quer continuar no extrativismo e reivindica esse direito.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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