Extrativistas florestais da Amazônia e o espaço político
perdido
* Ecio Rodrigues
Na
década de 1990, logo após a redemocratização do país, líderes sindicais do
porte de Chico Mendes forneceram uma inédita importância política aos
extrativistas florestais da Amazônia. A partir daí, uma mudança expressiva
ocorreu no meio rural amazônico, até então dominado pelos agricultores dos
projetos de assentamento geridos pelo Incra.
Os
extrativistas, que já haviam fundado (em 1985) o Conselho Nacional dos
Seringueiros, CNS, em 1992, com o apoio dos ambientalistas, lograram criar o
Grupo de Trabalho Amazônico, GTA, uma rede de entidades da sociedade civil que se
tornaria interlocutora preferencial na execução de políticas públicas para a Amazônia.
Essas
organizações ampliaram a força política do extrativismo florestal na região, possibilitando
o posicionamento do extrativista como importante ator social. Um passo
significativo foi sua inclusão como beneficiário do Programa de Reforma Agrária,
o que permitiu acesso ao Pronaf “A” e aos créditos de instalação do Incra.
Diante
do espaço político conquistado pelo GTA, foi possível reivindicar a execução de
programas de apoio ao produtor extrativista, bem como a criação de uma
quantidade jamais repetida de reservas extrativistas.
Essa
categoria de unidades de conservação, juntamente com a tecnologia do manejo florestal
comunitário, considerados dois legados do Acre para a Amazônia, alçaram o pequeno
produtor florestal a um patamar único na história política da região.
Atualmente,
existem 65 reservas extrativistas, distribuídas em 13 milhões de hectares em
todas as regiões do país, e administradas pelo ICMBio, conforme dispõe a Lei
9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Mas,
aquela favorável realidade institucional passaria por profundas transformações.
A partir de meados dos anos 2000, com a chegada ao poder dos governos de
esquerda, o extrativismo foi inserido no conceito genérico de “agricultura
familiar”, reduzindo-se, dessa forma, seu protagonismo político. Hoje, CNS e
GTA subsistem de forma capenga, e o extrativismo florestal perdeu o espaço e a relevância
que possuía.
Por
outro lado, tendo passado mais de 13 anos convivendo com governos que
consideravam aliados, os extrativistas parecem não se dar conta que parte
considerável de sua agenda política não foi resolvida.
Não
à toa, trataram com certo descaso os avanços obtidos na Política Nacional de
Meio Ambiente entre 2016 e 2018, período em que foi discutido e instituído o
Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas, uma
relevante iniciativa para o resgate do papel social e econômico desempenhado
pelo extrativismo florestal amazônico.
Fácil
perceber que o suporte político alcançado pelo extrativismo se assenta no entendimento
de que esse modo de produção é adequado à realidade florestal da região.
Portanto, o extrativista, esse produtor rural com especialização singular, deve
voltar a ser um ator prioritário, fazendo frente aos criadores de boi.
Não
se pode esquecer que a relação entre extrativismo florestal e conservação dos
ecossistemas foi reconhecida na Rio-92 e nas demais conferências de meio
ambiente realizadas pela ONU, culminando no Acordo de Paris em 2015.
Em todos
esses fóruns mundiais, reitera-se que a conservação do recurso florestal requer
a permanência de uma população extrativista para manejá-lo.
A
boa notícia é que essa gente já está lá, não precisa ser assentada sob elevados
custos para a sociedade. E o melhor: quer continuar no extrativismo e reivindica
esse direito.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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