Para o Brasil, negar
aquecimento global é estupidez
* Ecio Rodrigues
Durou
4 meses a tosca façanha ensaiada por dois senadores bastante desinformados a
respeito da realidade amazônica e dos compromissos assumidos pelo Brasil perante
o Acordo de Paris, que pretendiam acabar com as áreas de reserva legal nas propriedades
rurais.
Apresentado
em 16 de abril e retirado pelos autores em 16 de agosto último, o Projeto de
Lei n° 2362/2019 destinava-se a revogar o art. 12 (e seguintes) do Código
Florestal, que obriga que uma determinada porcentagem (que na Amazônia
corresponde a 80%) da área total de cada imóvel rural deve ser mantida com sua
cobertura vegetal original, sendo ali permitida exclusivamente a exploração
florestal e proibido o uso agropecuário.
Ainda
que o projeto tenha possibilitado 15 minutos de fama a seus obscuros
proponentes, foi categoricamente desaprovado, como era de se esperar, no primeiro
e único teste de aceitação pública a que foi submetido: exatos 129.230 cidadãos
acessaram o portal do Senado para rejeitá-lo, contra apenas 3.724 que o apoiaram.
Nem
mesmo os setores ligados ao agronegócio profissional, que, ainda bem!,
representam a grande maioria dos produtores, concordaram com a esdrúxula
proposta, por uma razão simples – as elevadas perdas econômicas que resultariam
do desmatamento das florestas protegidas na forma de reserva legal.
Isso
mesmo, desmatamento na Amazônia causa prejuízo econômico, e não apenas ecológico.
Estudo
recente, coordenado pelo ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências
da USP, aponta que a perda dos serviços ecossistêmicos prestados pelas
florestas da reserva legal, relacionados a controle de erosão, proteção da
biodiversidade, regulação climática, vazão de rios, entre outros, causaria
prejuízos na ordem de R$ 6 trilhões por ano.
Pesquisas
realizadas em diversos países, cobrindo os 5 continentes, comprovam que a Terra
está aquecendo e que o desmatamento de florestas e a queima de petróleo figuram
entre as principais causas desse aquecimento.
Sem
embargo, é compreensível que um terço dos americanos duvide das mudanças
climáticas e do aquecimento do planeta. Afinal, em vista da elevada
participação do setor industrial na economia dos Estados Unidos, o processo de
adaptação produtiva requerido pelo aquecimento global põe em risco a geração de
emprego e renda naquele país.
O
caso do Brasil, todavia, é muito diferente. Diante do gigantesco potencial
florestal e hidrelétrico presente na Amazônia, o Brasil se inclui no seleto
grupo de países que podem ser beneficiados pela substituição dos combustíveis fósseis
por matérias-primas renováveis na geração de energia elétrica.
Significa
dizer que na geopolítica da nova economia de baixo carbono, que irá reduzir o
uso do petróleo e precificar os serviços ecossistêmicos fornecidos pela
biodiversidade florestal, o Brasil é ator principal, e não um mero coadjuvante
de industrialização tardia, como acontece hoje.
Nada
mais incompreensível, portanto, que o insensato posicionamento do governo brasileiro
com relação ao assunto.
Ao
invés de informar os cidadãos sobre as oportunidades que a economia da mudança
climática representa para o Brasil, o governo incentiva os brasileiros a seguir
na toada do que a mídia tem chamado de “negacionismo” do aquecimento global.
É
estupidez, não há dúvida.
Se o
problema das mudanças climáticas pode ser remediado (e o mundo avança na busca de
soluções), o mesmo não se pode dizer da estupidez de governos que não entendem o
que significa projeto de país.
Para
esse mal, lamentavelmente, não existe cura.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.