quarta-feira, 23 de outubro de 2019



Despreparo do governo potencializa desastre do piche no Nordeste
* Ecio Rodrigues
Desde o final de agosto, ou há 55 dias, algumas praias paradisíacas do Nordeste brasileiro estão sendo invadidas por bolhas de piche oriundas do mar aberto.
Jornalistas pautados por escândalos de corrupção deram pouca ou nenhuma atenção ao desastre que se avizinhava. Enquanto isso, começaram a surgir fotos de pássaros, golfinhos e tartarugas marinhas mortos pelo resíduo de petróleo, deixando os nordestinos estarrecidos.
Em tempos de redes sociais, as fotos ganharam o país e sensibilizaram a população brasileira. Diante da morte sofrida dos animais e da inoperância do governo federal, o piche no mar do Nordeste foi, repentinamente, alçado à condição de maior tragédia ambiental nacional.
Sempre é bom lembrar que esse grotesco ranking, tão apreciado por setores panfletários e desinformados da imprensa, começou com a lama de Mariana e desconsidera, por suposto, o desmatamento da Amazônia.
Voltando ao piche.
Para os que preferem analisar a informação, ao invés de se deixar levar por especulações ou teorias conspiratórias, o episódio permite duas constatações importantes.
Primeiro, que se trata de um desastre ambiental de grandes proporções e sem precedentes aqui no Brasil – considerando incidentes envolvendo petróleo despejado no mar.
E muito embora não se tenha ideia, ainda, da dimensão dos prejuízos econômicos e ecológicos, não há dúvida de que não poderão ser arcados exclusivamente pelo povo nordestino.
É aí que entra a segunda constatação: o despreparo do governo federal para assumir sua responsabilidade perante a crise ecológica.
Encarando os fatos com indiferença e fingindo que era uma ocorrência localizada e da alçada dos governadores e prefeitos diretamente afetados, o governo demorou um tempo inaceitável para reagir – e, a bem da verdade, até agora ainda não tomou providências, no sentido de desvendar o mistério, monitorar o trajeto do piche e estabelecer salvaguardas para minimizar os estragos.
Submerso numa estratégia pouco inteligente de desqualificação de instituições, como fez com o Inpe, órgão público que goza de reconhecida reputação internacional em monitoramento por satélite e que poderia seguir o percurso das manchas para encontrar sua fonte, o Ministério do Meio Ambiente, até o momento, não ofereceu respostas para uma sociedade que não tem como entender o que acontece.
De acordo com relatórios (excelentes, por sinal) publicados pela Marinha brasileira, e conforme diagnósticos realizados pela Petrobras, por universidades federais do Nordeste, e também pela Noaa, agência americana para oceanos e atmosfera, as manchas de piche são pesadas e se movem abaixo da linha d’água – o que impede que sua movimentação seja captada por satélite.
Mas sabe-se que são resíduos originários do óleo extraído pela estatal petroleira da Venezuela, que podem ter ido parar no mar em razão de vazamentos em operações de transferência de petróleo entre navios ou devido a algum naufrágio.
A incapacidade do governo pode ser facilmente observada nas duas pontas do problema: não consegue conter o piche e não descobre de onde ele vem – ou seja, o ponto do qual o óleo continua a ser descartado em mar aberto.
Restaria, ao menos, organizar um gabinete de crise ambiental, como o que foi criado no caso das queimadas na Amazônia, com o propósito de coordenar as ações para contenção do estrago e apuração da origem do derramamento – as duas frentes emergenciais de atuação.
Falta ao governo assumir o controle da situação e mostrar aos nordestinos, aos brasileiros e ao mundo que possui condições técnicas e operacionais para encontrar soluções.
Todavia, liderança e competência, definitivamente, não é a praia, com o perdão do trocadilho, do governo federal.     


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


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