segunda-feira, 27 de julho de 2020



Moratória de queimadas decretada na Amazônia por 120 dias
* Ecio Rodrigues
Embora recebida com impressionante indiferença pela imprensa, a moratória para o licenciamento de queimadas estabelecida pelo Decreto 10.424, publicado em 15 de julho último, representa um grande passo para extirpar de vez essa nefasta prática agrícola da Amazônia.
Para além do óbvio significado da moratória em si, que suspendeu a permissão do uso do fogo nas atividades agropecuárias pelo prazo de 120 dias, a importância dessa medida decorre ainda de outras duas razões: otimização da fiscalização e efeito pedagógico junto ao produtor.
Explicando melhor. A fiscalização custa caro para a sociedade. Entre outras despesas, demanda o pagamento de salários e diárias de fiscais, além da aquisição e manutenção de veículos equipados com sistema de geoprocessamento.
 Assumindo que – como informa o adágio popular – onde há fumaça há fogo, as equipes de fiscalização são acionadas no momento em que a fumaça aparece e o sistema de detecção por satélite localiza o foco de calor.
Para manter essa estrutura em funcionamento, são necessários, obviamente, recursos públicos consideráveis – sendo que o custo para a sociedade é duplicado todas as vezes que os fiscais fazem uma viagem perdida.
E quando é que os fiscais perdem a viagem? Quando a queimada foi licenciada pelo órgão ambiental estadual – ou, ainda que o produtor não disponha de uma licença, quando o seu direito de queimar é resguardado pela legislação em vigor.
Acontece que o direito ao uso do fogo pelo produtor recém-assentado em programa de reforma agrária se encontra garantido no Código Florestal desde 1965, tendo sido mantido, lamentavelmente, no Código de 2012, sob o pretexto – muito questionável, para dizer o mínimo – de que aquele produtor recém-assentado precisa queimar para não passar fome.
Todavia, muito embora a autorização legal se restrinja a essa hipótese – ou seja, pequeno produtor que precisa fazer “uso do fogo” para abrir o primeiro roçado de subsistência – a interpretação que usualmente se dá às disposições do Código Florestal é no sentido de que a permissiva abrange também a nociva prática agrícola da queimada anual.
Assim, segundo o entendimento vigente, os produtores rurais podem desmatar e queimar, automaticamente, todos os anos, até 3 hectares de florestas.
Por sua vez, o médio ou grande criador de boi que deseja empregar esse primitivo método numa área maior, no intuito de melhorar o capim do seu gado ou de ampliar o pasto,  pode requerer e obter, todos os anos, o respectivo licenciamento perante os órgãos ambientais – bastando para isso que cumpra as regras previstas no Decreto 2.661/1998, que regulamenta o emprego do fogo.
É aí que se chega à otimização da fiscalização. Ora, com a decretação da moratória, toda queimada passa a ser ilegal; por conseguinte, a fiscalização deixa de fazer viagem perdida, passando a alcançar alto grau de eficácia.
Por outro lado, ao impor essa medida drástica e ousada, o governo sinaliza ao produtor sua determinação para reduzir os focos de calor, desmotivando o investimento na perniciosa técnica. Daí o efeito pedagógico da moratória.
Por fim, cabe destacar que, diferentemente do que ocorreu em 2019, ano em que a moratória foi decretada apenas no final de agosto, quando as queimadas na Amazônia já haviam ganhado as manchetes dos jornais mais influentes no mundo, e pelo prazo de meros 60 dias, desta feita, além de chegar no momento certo – julho –, a medida foi imposta pelo prazo de 120 dias.
Significa que esse prazo pode ser ampliado em 2021, 2022...
Até chegar o dia em que a moratória das queimadas se torne proibição permanente e definitiva na Amazônia e, melhor ainda, nos demais biomas brasileiros.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 20 de julho de 2020



Sistema financeiro e desmatamento na Amazônia: é o capitalismo, estúpido!
* Ecio Rodrigues
No início de 2019, a renomada economista Christine Lagarde, atual presidente do Banco Central Europeu, em discurso para uma plateia seleta, composta por ministros da economia dos países associados à União Europeia, alertava que o tema das mudanças climáticas era prioridade para o sistema financeiro mundial.
Enquanto isso, nesse mesmo momento histórico, os gestores que assumiam o Palácio do Planalto, em Brasília, deixavam clara sua impressão quanto à importância do Ministério do Meio Ambiente, MMA. Para o novo governo, esse órgão era desnecessário e, portanto, deveria ser extinto.
Os novos dirigentes defendiam, ainda, que o Brasil abandonasse o Acordo de Paris, pois, na visão deles – muito equivocada, para dizer o mínimo –, o celebrado tratado não passa de uma conspiração internacional para estagnar a economia dos países.
Nessa mesma linha de raciocínio enviesado, avaliavam que existe certa histeria em torno do desmatamento da Amazônia – que deveria ser encarado com naturalidade, já que o agronegócio precisa se expandir na região.
Passados 18 meses, e diante de sua retumbante estupidez, perdeu fôlego o ímpeto da equipe governamental em negar a verdade científica da mudança climática e a gravidade do desmatamento na Amazônia – sem dúvida, dois dos maiores problemas ambientais em âmbito mundial.   
Na verdade, logo de cara, uma pequena pressão por parte dos próprios produtores rurais foi o suficiente para jogar por terra a ideia esdrúxula de extinção do MMA. Sob um argumento singelo e inequívoco: o agronegócio precisa do MMA para lhe dar suporte e garantir o mercado internacional de soja e carne.
Quanto ao Acordo de Paris, a subscrição do Brasil permanece. Por conseguinte,  continuam valendo as três metas que nos comprometemos a cumprir até 2030, a saber: aumentar a participação das fontes geradoras de energia elétrica limpa, como as hidrelétricas, na matriz energética nacional; restaurar 15 milhões de hectares de florestas degradas nas margens de rios e topos de morros; e, por óbvio, zerar o desmatamento na Amazônia.     
Nada obstante, nesse vaivém de declarações e posturas, o MMA saiu, no mínimo, fragilizado, perdendo espaço político considerável, já que os temas vinculados à agenda ambiental são caros à ONU e aos países europeus.
Por outro lado, erros não faltaram na atuação do órgão.
Provavelmente, o mais significativo deles foi a sabotagem do Fundo Amazônia, o mais importante mecanismo de captação de recursos internacionais para o financiamento de iniciativas de controle do desmatamento e de exploração da biodiversidade florestal na Amazônia.
Ademais, ao travar uma batalha – inconcebível, diga-se – contra a atuação de organizações não governamentais brasileiras reconhecidas no cenário internacional, o MMA destruiu a própria reputação, carreando, ainda, danosos efeitos colaterais ao atuante Conama.
Diante das reações institucionais que chegaram de todos os lados, o MMA se viu isolado, e perdeu o protagonismo que detinha para o combate ao desmatamento na Amazônia, que ficou a cargo de um conselho, nos moldes da antiga Pnial (Política Nacional Integrada para Amazônia Legal) – só que, desta feita, recheado de militares.
A pá de cal veio agora. Como havia vaticinado Christine Lagarde, um conjunto de fundos de investimentos chamou a atenção para a relação inversamente proporcional que se observa entre a motivação para investir no país e as taxas de desmatamento na Amazônia.
Por último, a nata de economistas que ocupou, nos últimos 30 anos, cargos proeminentes na condução da economia nacional lançou, nesta última semana, um manifesto.
Denominado “Uma convergência necessária: por uma economia de baixo carbono”, o documento não deixa dúvida quanto ao rumo que a economia deve assumir para garantir um futuro melhor aos brasileiros.
Para resumir, a meta de zerar o desmatamento na Amazônia foi encampada pelo sistema financeiro mundial.
É o capitalismo, estúpido!   

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 6 de julho de 2020



A revolução do saneamento já começou!
* Ecio Rodrigues
Que o processo de tomada de decisão no âmbito da política pública brasileira é lento, carregado de emoções, carente de objetividade e, quase sempre, eivado de ambiguidades não é novidade. Mas nada se compara ao atraso histórico que asinala o saneamento básico no Brasil.
Estamos no final da segunda década do século XXI, contudo, os números relacionados à oferta de água tratada e coleta de esgoto e lixo remetem no mínimo ao século XIX – são assustadores, e ganham ainda mais evidência em momentos de crise sanitária.
Afinal, 35 milhões de brasileiros não possuem acesso a água tratada e 100 milhões não contam com rede de captação de esgoto.
Embora esse triste quadro decorra do modelo institucional atualmente vigente, a possibilidade de reformulação sempre foi encarada como algo absurdo. Por uma simples razão: presença massiva de empresas estatais na cadeia de serviços.
Em todo o país, apenas 6% das empresas atuantes no setor de saneamento são privadas. Enquanto isso, dos 27 estados brasileiros, 26 contam com sua própria estatal. Como essas empresas públicas detêm o monopólio dos serviços de saneamento prestados nos municípios, os governos estaduais, obviamente, relutavam em aceitar a abertura desse lucrativo mercado.
Não à toa, nos últimos 4 anos uma verdadeira batalha de estratégias foi travada por governo, deputados e senadores para a aprovação de um novo marco legal para o setor – o que só foi ocorrer em 24 de junho último.
Voltando um pouco no tempo, a partir da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE em 2000, a sociedade passou a ter mais informações oficiais a respeito do acesso dos brasileiros aos serviços de distribuição de água e coleta de lixo e esgoto.
Com a promulgação da Lei 11.445/2007, que instituiu “diretrizes nacionais para o saneamento básico”, esperava-se avançar na universalização desses serviços.
Passados 6 anos, todavia, o Atlas de Saneamento Ambiental publicado pelo IBGE em 2011 revelou que menos da metade do esgoto gerado no país continuava sem ser coletado, e menos de um terço, sem ser tratado.
Tornava-se evidente que o mero estabelecimento de diretrizes não iria alterar esse quadro, seria necessário realizar uma mudança estrutural no sistema público de saneamento, baseado no monopólio das estatais. Para tanto, era forçosa a introdução de legislação autorizando a quebra desse monopólio, mediante a concessão dos serviços à iniciativa privada, como ocorre em outros setores.
Passaram-se mais 6 anos e, em 2017, o Governo Temer fez a primeira tentativa de aprovação do novo marco legal, submetendo uma medida provisória ao Parlamento – que acabou caducando, já que não se chegou a um acordo com os governadores.
Nova tentativa foi empreendida por meio de uma segunda medida provisória, encaminhada à votação no Congresso no final de 2018, ainda no Governo Temer. Dessa vez, a proposta chegou a ser convertida em projeto de lei do Senado, aprovado em 2019, mas posteriormente rejeitado pelos deputados, que seguiram a orientação dos governadores.
Finalmente, em 2019, depois de atender parte das reivindicações das empresas públicas estaduais, o atual governo apresentou novo projeto de lei – que desta feita foi aprovado, primeiro pelos deputados, e agora pelos senadores. 
A expectativa é a de que a nova legislação forneça a necessária segurança jurídica para atrair investimentos oriundos do setor privado, estimados em centenas de bilhões de reais – e, dessa forma, possibilite reverter as deploráveis estatísticas, agravadas pelas distorções regionais.
Com efeito, o cenário piora quando se chega na Amazônia e na medida em que se afasta das capitais em direção ao interior. A região ostenta as piores taxas de coleta de esgoto e sistema de tratamento quase inexistente.
A associação entre esgoto a céu aberto e parâmetros climáticos instáveis complica ainda mais a situação, trazendo grande risco à população. Na estação das chuvas, no chamado inverno amazônico, o esgoto retorna para as residências.
Ou seja, devido à falta de saneamento, um evento climático extremo como é o caso das alagações (cada vez mais recorrentes) pode se transformar numa catástrofe de grandes proporções.
Merecem aplausos os deputados e senadores – os políticos, enfim, que costumam ser execrados. Lograram dar um passo gigantesco para destravar um setor desserviço público bem mais atravancado do que eram, por exemplo, o de energia elétrica e o de telefonia.
O novo contexto normativo decerto representa a solução para o país alcançar a necessária universalização do abastecimento de água potável e da coleta e tratamento de esgoto.
Para a Amazônia, não há alternativa, e os governadores e prefeitos, ao que tudo indica, têm consciência disso.
 A revolução do saneamento já começou!        

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília