Moratória de
queimadas decretada na Amazônia por 120 dias
* Ecio Rodrigues
Embora
recebida com impressionante indiferença pela imprensa, a moratória para o
licenciamento de queimadas estabelecida pelo Decreto 10.424, publicado em 15
de julho último, representa um grande passo para extirpar de vez essa nefasta prática
agrícola da Amazônia.
Para
além do óbvio significado da moratória em si, que suspendeu a permissão do uso
do fogo nas atividades agropecuárias pelo prazo de 120 dias, a importância
dessa medida decorre ainda de outras duas razões: otimização da fiscalização e
efeito pedagógico junto ao produtor.
Explicando
melhor. A fiscalização custa caro para a sociedade. Entre outras despesas, demanda
o pagamento de salários e diárias de fiscais, além da aquisição e manutenção de
veículos equipados com sistema de geoprocessamento.
Assumindo que – como informa o adágio popular –
onde há fumaça há fogo, as equipes de fiscalização são acionadas no momento em que
a fumaça aparece e o sistema de detecção por satélite localiza o foco de calor.
Para
manter essa estrutura em funcionamento, são necessários, obviamente, recursos
públicos consideráveis – sendo que o custo para a sociedade é duplicado todas
as vezes que os fiscais fazem uma viagem perdida.
E
quando é que os fiscais perdem a viagem? Quando a queimada foi licenciada pelo
órgão ambiental estadual – ou, ainda que o produtor não disponha de uma
licença, quando o seu direito de queimar é resguardado pela legislação em vigor.
Acontece
que o direito ao uso do fogo pelo produtor recém-assentado em programa de reforma
agrária se encontra garantido no Código Florestal desde 1965, tendo sido
mantido, lamentavelmente, no Código de 2012, sob o pretexto – muito
questionável, para dizer o mínimo – de que aquele produtor recém-assentado
precisa queimar para não passar fome.
Todavia,
muito embora a autorização legal se restrinja a essa hipótese – ou seja,
pequeno produtor que precisa fazer “uso do fogo” para abrir o primeiro roçado
de subsistência – a interpretação que usualmente se dá às disposições do Código
Florestal é no sentido de que a permissiva abrange também a nociva prática agrícola
da queimada anual.
Assim,
segundo o entendimento vigente, os produtores rurais podem desmatar e queimar,
automaticamente, todos os anos, até 3 hectares de florestas.
Por
sua vez, o médio ou grande criador de boi que deseja empregar esse primitivo
método numa área maior, no intuito de melhorar o capim do seu gado ou de
ampliar o pasto, pode requerer e obter,
todos os anos, o respectivo licenciamento perante os órgãos ambientais –
bastando para isso que cumpra as regras previstas no Decreto 2.661/1998, que regulamenta o
emprego do fogo.
É aí
que se chega à otimização da fiscalização. Ora, com a decretação da moratória, toda
queimada passa a ser ilegal; por conseguinte, a fiscalização deixa de fazer viagem
perdida, passando a alcançar alto grau de eficácia.
Por
outro lado, ao impor essa medida drástica e ousada, o governo sinaliza ao
produtor sua determinação para reduzir os focos de calor, desmotivando o
investimento na perniciosa técnica. Daí o efeito pedagógico da moratória.
Por
fim, cabe destacar que, diferentemente do que ocorreu em 2019, ano em que a
moratória foi decretada apenas no final de agosto, quando as queimadas na
Amazônia já haviam ganhado as manchetes dos jornais mais influentes no mundo, e
pelo prazo de meros 60 dias, desta feita, além de chegar no momento certo –
julho –, a medida foi imposta pelo prazo de 120 dias.
Significa
que esse prazo pode ser ampliado em 2021, 2022...
Até
chegar o dia em que a moratória das queimadas se torne proibição permanente e
definitiva na Amazônia e, melhor ainda, nos demais biomas brasileiros.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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