A revolução
do saneamento já começou!
* Ecio Rodrigues
Que o processo de tomada de
decisão no âmbito da política pública brasileira é lento, carregado de emoções,
carente de objetividade e, quase sempre, eivado de ambiguidades não é novidade.
Mas nada se compara ao atraso histórico que asinala o saneamento básico no
Brasil.
Estamos no final da segunda
década do século XXI, contudo, os números relacionados à oferta de água tratada
e coleta de esgoto e lixo remetem no mínimo ao século XIX – são assustadores, e
ganham ainda mais evidência em momentos de crise sanitária.
Afinal, 35 milhões de
brasileiros não possuem acesso a água tratada e 100 milhões não contam com rede
de captação de esgoto.
Embora esse triste quadro decorra
do modelo institucional atualmente vigente, a possibilidade de reformulação
sempre foi encarada como algo absurdo. Por uma simples razão: presença massiva
de empresas estatais na cadeia de serviços.
Em todo o país, apenas 6% das
empresas atuantes no setor de saneamento são privadas. Enquanto isso, dos 27
estados brasileiros, 26 contam com sua própria estatal. Como essas empresas públicas
detêm o monopólio dos serviços de saneamento prestados nos municípios, os
governos estaduais, obviamente, relutavam em aceitar a abertura desse lucrativo
mercado.
Não à toa, nos últimos 4 anos
uma verdadeira batalha de estratégias foi travada por governo, deputados e
senadores para a aprovação de um novo marco legal para o setor – o que só foi
ocorrer em 24 de junho último.
Voltando um pouco no tempo, a
partir da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE em 2000, a
sociedade passou a ter mais informações oficiais a respeito do acesso dos
brasileiros aos serviços de distribuição de água e coleta de lixo e esgoto.
Com a promulgação da Lei 11.445/2007,
que instituiu “diretrizes nacionais para o saneamento básico”, esperava-se avançar
na universalização desses serviços.
Passados 6 anos, todavia, o
Atlas de Saneamento Ambiental publicado pelo IBGE em 2011 revelou que menos da
metade do esgoto gerado no país continuava sem ser coletado, e menos de um
terço, sem ser tratado.
Tornava-se evidente que o mero
estabelecimento de diretrizes não iria alterar esse quadro, seria necessário realizar
uma mudança estrutural no sistema público de saneamento, baseado no monopólio
das estatais. Para tanto, era forçosa a introdução de legislação autorizando a quebra
desse monopólio, mediante a concessão dos serviços à iniciativa privada, como
ocorre em outros setores.
Passaram-se mais 6 anos e, em
2017, o Governo Temer fez a primeira tentativa de aprovação do novo marco
legal, submetendo uma medida provisória ao Parlamento – que acabou caducando, já
que não se chegou a um acordo com os governadores.
Nova tentativa foi empreendida
por meio de uma segunda medida provisória, encaminhada à votação no Congresso
no final de 2018, ainda no Governo Temer. Dessa vez, a proposta chegou a ser convertida
em projeto de lei do Senado, aprovado em 2019, mas posteriormente rejeitado pelos
deputados, que seguiram a orientação dos governadores.
Finalmente, em 2019, depois de
atender parte das reivindicações das empresas públicas estaduais, o atual governo
apresentou novo projeto de lei – que desta feita foi aprovado, primeiro pelos deputados,
e agora pelos senadores.
A expectativa é a de que a nova
legislação forneça a necessária segurança jurídica para atrair investimentos oriundos
do setor privado, estimados em centenas de bilhões de reais – e, dessa forma, possibilite
reverter as deploráveis estatísticas, agravadas pelas distorções regionais.
Com efeito, o cenário piora
quando se chega na Amazônia e na medida em que se afasta das capitais em
direção ao interior. A região ostenta as piores taxas de coleta de esgoto e
sistema de tratamento quase inexistente.
A associação entre esgoto a céu
aberto e parâmetros climáticos instáveis complica ainda mais a situação,
trazendo grande risco à população. Na estação das chuvas, no chamado inverno
amazônico, o esgoto retorna para as residências.
Ou seja, devido à falta de
saneamento, um evento climático extremo como é o caso das alagações (cada vez
mais recorrentes) pode se transformar numa catástrofe de grandes proporções.
Merecem aplausos os deputados e
senadores – os políticos, enfim, que costumam ser execrados. Lograram dar um
passo gigantesco para destravar um setor desserviço público bem mais atravancado
do que eram, por exemplo, o de energia elétrica e o de telefonia.
O novo contexto normativo decerto
representa a solução para o país alcançar a necessária universalização do abastecimento
de água potável e da coleta e tratamento de esgoto.
Para a Amazônia, não há alternativa,
e os governadores e prefeitos, ao que tudo indica, têm consciência disso.
A revolução do saneamento já começou!
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre,
engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável
pela Universidade de Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário