* Ecio Rodrigues
“Esquina
civilizatória” é um termo cunhado por Cristovam Buarque para designar profundas
alterações de paradigma que acontecem ao longo da história da humanidade,
geralmente de maneira pouco perceptível pela maioria dos indivíduos.
Foi
assim quando, durante a segunda metade do século XVIII, a máquina a vapor e a
locomotiva revolucionaram o transporte de cargas e pessoas, reduzindo o tempo e
estimulando o contato entre culturas de uma forma até então inimaginável.
Depois
do surgimento da máquina a vapor, a humanidade não seria mais a mesma – e tanto
o meio urbano quanto o rural seriam modificados intensa e peremptoriamente.
Nada
mais compreensível. O surgimento de uma nova alternativa econômica, baseada na
manufatura de um conjunto diversificado de bens, deslocou o referencial
produtivo e a força laboral da área rural para a urbana.
No
campo, a inexorável conversão da terra num bem econômico intensificou o êxodo
rural e levou grandes contingentes populacionais às cidades, transmudando-as em
um amontoado de gente.
A
humanidade investiu na industrialização, assumindo os prejuízos sociais e
ambientais dela decorrentes, diante da perspectiva de obtenção de ganhos relacionados
à qualidade de vida.
Com
o algodão, a fábrica e a ferrovia, teve início um processo irreversível rumo ao
capitalismo, como sistema econômico, e rumo à democracia, na condição de modelo
de organização política.
Passados
dois séculos dessa impressionante metamorfose, constata-se que a explosão
demográfica não se concretizou, como previu em 1798 o economista inglês Thomas Malthus,
e os aglomerados urbanos oferecem melhoria crescente nas condições de vida,
atraindo cada vez mais gente.
No
meio rural, por seu turno, os avanços são igualmente perceptíveis. Estabeleceu-se
uma sociedade agrária estável, que, a despeito de se basear em grandes
propriedades e no modelo produtivo de agronegócio exportador de espécies
vegetais e animais classificadas como commodities, apresenta, de forma geral,
IDH elevado e próximo ao que se observa em áreas urbanas.
A
grande questão que se levanta é se existiria outro rumo que não o da
industrialização e o do agronegócio, do cultivo de soja e da carne de boi – e
que, sob menor impacto ambiental e maior justiça social, permitisse igualmente a
satisfação das necessidades humanas de vestuário, alimentação, transporte e
moradia.
Se
até o final do século XX não se tinha como plausível um caminho alternativo, agora,
nos primeiros 20 anos do século XXI, a realidade parece apontar para significativas
transformações em andamento.
Diante
das mudanças em curso na Europa e dos preceitos acordados pelas nações do mundo
no âmbito do Acordo de Paris, percebe-se que o modelo de desenvolvimento
ancorado na industrialização dá sinal de esgotamento em sua raiz: a energia provida
pelo petróleo.
Sem
embargo, para a maior parte da população brasileira, a produção de energia
elétrica por meio do uso das forças da natureza (vento, água e sol) e do
aproveitamento de biomassa pode ser tão inusitada quanto foi a Revolução Industrial
há mais de 200 anos para os europeus.
Do
mesmo modo, em vista da prevalência da pecuária extensiva na Amazônia nos
últimos 50 anos – atividade baseada no desmatamento da floresta para a
instalação de pasto –, a defesa da exploração da biodiversidade florestal como saída
econômica para a região parece algo chocante.
Tal
como a alteração da matriz energética mundial mediante a substituição do
petróleo, a consolidação de modelos de produção ancorados na biodiversidade
florestal da Amazônia é fundamental para a mitigação do aquecimento global e a estruturação
da economia de baixo carbono.
Alguns
não perceberam, outros ainda vão demorar a reconhecer, mas, como afirma
Cristine Lagard, presidente do Banco Central Europeu, o tema das mudanças
climáticas “é um assunto tão sério que embora não pareça, compete também aos bancos
centrais, e certamente ao setor financeiro”.
Ora,
quando até os bancos já passaram a defender a economia de baixo carbono, há que
se assentir que uma mudança de paradigma está a se processar. Pode ser uma nova
esquina civilizatória.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela UnB.