*Ecio Rodrigues
O
desmatamento e as queimadas são, de longe – e com maior intensidade a partir da
década de 1970 –, os mais graves problemas ambientais que afligem a zona rural
da Amazônia.
Todos
os que se dedicam ao estudo da região conhecem o procedimento. No rastro do
desmatamento (ilegal ou legalizado) para expansão da criação extensiva de boi e
antes do uso do fogo para limpeza do solo, o madeireiro é acionado para retirar
as árvores mais valiosas, o chamado “filé”, constituído por cerejeira, jatobá,
cedro – o que equivale a menos de 30% da madeira disponível. Outros 70% costumam
ser queimados.
Fato curioso é que a
liquidez da madeira vendida antes da queima ajuda a custear trabalhadores e
maquinários a serviço do próprio desmatamento. Ou seja, paradoxalmente, é a
própria riqueza da floresta que financia sua substituição pelo pasto cultivado.
Esse quadro muda e se agrava
quando se esgota a área de floresta disponível para o desmatamento legalizado.
No Acre, por exemplo, a aprovação do zoneamento ecológico-econômico em 2007 possibilitou
a ampliação, em mais de 3 milhões de hectares, da superfície florestal sujeita
ao desmate para instalação de pasto.
Passados 13 anos,
contudo, a pecuária extensiva já consumiu os milhões de hectares de florestas assegurados
pelo ZEE e, como não poderia ser diferente, demanda por mais.
Nesse estágio em que a
pressão por novas áreas de florestas se intensifica, os pecuaristas se voltam
para fragmentos de florestas remanescentes, localizados, a maior parte, em áreas
legalmente protegidas – unidades de conservação; áreas de preservação permanente;
reservas legais; terras indígenas.
Desde 2019, de outra
banda, o Ministério do Meio Ambiente, o Conselho Nacional da Amazônia e outras instâncias
definidoras de políticas públicas para a Amazônia vêm defendendo a bioeconomia
como alternativa de ocupação produtiva para a região.
Todavia, até agora, o
propósito esboçado pelo MMA não passa disso mesmo, de uma mera intenção, sendo
que não existe nenhum plano ou política delineada. A bem da verdade, para se
chegar ao estabelecimento da bioeconomia na Amazônia pelo menos dois grandes
consensos teriam que ser construídos – algo muito difícil de ser alcançado, diga-se,
sem a participação ativa dos governadores.
O primeiro deles seria
em torno da percepção de que a pecuária extensiva, amparada por créditos
públicos nos últimos 50 anos, trouxe benefícios econômicos pífios e destruiu as
florestas, originando graves repercussões internacionais.
Assentada nesse consenso
quanto aos malefícios da pecuária extensiva, a bioeconomia poderia vir a ser fomentada
como alternativa econômica para transformar as vantagens comparativas da farta
e acessível biodiversidade florestal da Amazônia em vantagens competitivas, no
intuito de alcançar o desenvolvimento com sustentabilidade.
O segundo consenso seria
em relação às opções produtivas adequadas aos ideais de sustentabilidade preconizados
para uma região de significado planetário como a Amazônia.
Nesse sentido, os
agentes econômicos e atores sociais que atuam na região teriam que se unir aos
técnicos e pesquisadores que defendem a exploração comercial da biodiversidade
florestal e demonstram a existência de tecnologia para tanto.
De concreto, a saída é
estabelecer arranjos produtivos locais, todos ancorados em produtos e serviços
oriundos do ecossistema florestal – começando pela madeira, passando pelo
princípio ativo de medicamentos e cosméticos e chegando até ao sequestro de
carbono e à produção de água.
Insista-se: em toda a
região amazônica – e em especial no caso do Acre, diante da persistente estagnação
econômica que afeta esse estado e da participação expressiva dos recursos
públicos na economia local –, para que os dois consensos se tornem realidade é
imprescindível a criação de condições políticas propícias.
A boa notícia é que
um passo importante nesse rumo foi dado pelos extrativistas florestais ainda na
década de 1990. Uma produção baseada na floresta e não na sua substituição por
capim foi a principal justificativa para o surgimento das reservas extrativistas,
um tipo especial de unidade de conservação considerado importante legado do Acre
para a Amazônia.
Na reserva extrativista,
o produtor deve voltar sua atenção para a floresta, e não para o roçado.
Mais de 40% do
território do Acre possui situação fundiária regularizada na forma de reservas extrativistas.
Significa dizer que mais de 5 milhões de hectares de florestas estão
disponíveis para a efetivação da bioeconomia.
Não há tempo, a opção
pela biodiversidade florestal precisa ser tomada já, pois a demanda da pecuária
extensiva por terras cobertas com florestas só aumenta.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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