terça-feira, 10 de dezembro de 2019



Ainda sobre o desmatamento recorde na Amazônia em 2019
* Ecio Rodrigues
No início do ano, os gestores do Ministério de Meio Ambiente nomeados pelo governo que assumiu em janeiro acrescentaram duas contribuições ao rol de polêmicas inúteis que pululam nestes tempos vácuos de lideranças políticas.
Primeiro, ao afirmar que o aquecimento do planeta e a consequente alteração do clima, verdades científicas incontestáveis, seriam produto da intenção conspiratória de alguns países que têm por estratégia manter outros países no subdesenvolvimento(!) – inclusive o Brasil, a sétima maior economia do mundo. Algo insano não?
Segundo, ao defender que a taxa de desmatamento da Amazônia deveria ser estratificada, de maneira a se fazer uma distinção entre os produtores que já extrapolaram o limite legal de desmatamento em suas propriedades e os que ainda têm área a desmatar.
Embora esse raciocínio pareça até coerente, a coerência é só aparente mesmo: na pratica, os gestores do MMA – instância superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente – estão a endossar que os produtores têm e devem exercer o direito de desmatar 20% da área total de suas propriedades rurais.
Reforçando uma conduta que deveriam coibir, a despeito de sua suposta legalidade, os gestores ambientais sustentam que o desmatamento legalizado representa a maior parcela da destruição florestal levada a efeito na Amazônia. Dentro da lógica absurda e obtusa por eles perfilhada, se os produtores têm o direito de desmatar e se a maior parte do desmatamento é legalizada, não haveria o que fazer – portanto, não haveria razão para gritaria.
Acontece que o MMA tem por missão institucional zerar o desmatamento na Amazônia – pouco importando se ilegal ou legalizado.
No primeiro caso, o êxito obtido com as medidas de contenção adotadas no período posterior ao desmatamento recorde ocorrido tanto em 1995 quanto em 2004 demonstra que o elevado investimento em fiscalização fornece o retorno esperado, já no curto prazo.
Apesar do lapso de quase 10 anos entre um recorde e outro, em ambas as ocasiões o esforço fiscalizatório logrou derrubar as taxas de desmatamento a níveis considerados aceitáveis, logo no período seguinte de medição.
A dinâmica apresentada pelo desmatamento nas conjunturas de 1995 e 2004 é similar à dinâmica do desmatamento medido em 2019 – o que significa que reforçar a fiscalização, mesmo que com a ajuda do Exército, como deseja o MMA, resolverá boa parte do desmatamento ilegal.
E ainda que a fiscalização não seja a solução para o desmatamento legalizado, nem por isso os gestores ambientais estão autorizados a lavar as mãos. Ora, ao MMA não é facultado condescender com a devastação da Amazônia – ao contrário, como órgão máximo de execução da Política Nacional de Meio Ambiente, tem a atribuição legal de propor e implementar alternativas produtivas à degradação florestal.
A diferenciação, no somatório das áreas de floresta anualmente destruídas, entre o desmatamento ilegal e o legalizado sem dúvida é importante, mas apenas em termos de definição de estratégia de atuação – jamais para eximir a responsabilidade do MMA.
De outra banda, os gestores do MMA também estão errados em relação à participação do desmatamento legalizado no cômputo total da área de floresta anualmente perdida.
Mesmo não sendo possível comprovar com segurança, todos os indicativos levam a crer que o desmatamento ilegal representa mais da metade dos 9.762 Km² de florestas destruídas em 2019.
Existe uma evidência, muito robusta, como dizem os pesquisadores, que reforça a noção de que o desmatamento ilegal prevalece sobre o legal.
Mais de 80% dos 256 municípios que integram o Arco do Desmatamento (localizado na bordadura curva do bioma Amazônia, entre o Acre e o Maranhão) ultrapassaram o limite legal de áreas desmatadas.
Sem embargo, a verdade é que as autoridades ambientais do momento simplesmente desconsideram o arcabouço de discussões e de produção científica construído no país nos últimos 40 anos.
Sob maior especificidade, qualidade e quantidade a partir de 1988, quando tiveram início as medições por satélite das taxas de desmatamento, sempre executadas com a precisão científica do Inpe, a análise da dinâmica da destruição florestal já foi objeto de um sem-número de artigos científicos e teses de doutoramento.
O mundo espera que o MMA reconheça o óbvio: todo e qualquer desmatamento na Amazônia precisa, em breve, ter fim.
   
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





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