* Ecio Rodrigues
Todos
os anos, quando chega a estação seca, entre meados de julho e setembro, a população
de Rio Branco se espanta ao ver o rio Acre, sua única fonte de água, se
transformar aos poucos num córrego – num canal de esgoto, praticamente.
Nesse
período, todos os anos, o abastecimento de água potável fica comprometido na
capital, afetando um contingente de cerca de 400.000 pessoas (de acordo com
estimativas do IBGE), e correndo o risco de entrar em colapso.
Além
dos costumeiros e persistentes problemas relacionados à gestão pública do
sistema de tratamento e distribuição de água – que nos últimos 30 anos passou, sem
sucesso, da estadualização para a municipalização e vice-versa, o rio Acre
sofre impressionante queda de vazão, a ponto de muitas vezes parecer que vai apartar.
Isso
nunca aconteceu – graças às forças divinas, diga-se –, mas o fenômeno do “apartamento”,
que quando ocorre, segundo os produtores rurais, faz a água do rio voltar no
sentido da nascente, não deixa de ser ameaçador e insufla o imaginário popular.
“Vai
secar?”, “Vai apartar?” – são as perguntas, erradas, que a imprensa não cansa
de repetir, tal qual ladainha, toda vez que o verão amazônico atinge seu ápice.
Mas,
em outubro as chuvas começam a cair, trazendo fartura e causando inundações. Se
antes o rio batia recorde de vazão máxima a cada 10 anos, nos últimos 20 anos as
alagações (eventos extraordinários) se tornaram tão comuns que se confundem com
as cheias (eventos anuais e ordinários).
Os
dois fenômenos extremos, seca intensa e alagação, têm origem na perda do
equilíbrio hidrológico – o que leva o rio a apresentar vazão máxima e mínima em
intervalos cada vez menores.
Mas,
e os eventos climáticos? – hão de questionar alguns, ou muitos, afinal, quando El
Niño ou La Niña surpreendem, não há como garantir o equilíbrio hidrológico de
nenhum rio na Amazônia.
Por
óbvio, se a chuva chega mais cedo ou mais tarde, se diminui ou se aumenta, haverá
efeitos diretos e de curta duração na vazão do rio. Trata-se de fato comprovado
em farta pesquisa, e certamente ninguém duvida disso.
Contudo,
duas constatações são importantes para analisar, com maior precisão, a relação entre
os eventos climáticos extremos e o equilíbrio hidrológico do rio.
Primeiro,
e mais importante, a área de floresta presente às margens do rio, a chamada mata
ciliar, potencializa os efeitos dos extremos de precipitação para mais ou para menos.
Significa
afirmar o seguinte: se a quantidade e a qualidade de biomassa florestal que existe
na mata ciliar do rio Acre em Assis Brasil fosse a mesma para todos os
municípios a jusante, de Brasileia a Porto Acre, as diferenças de vazão entre
cheia e seca não seriam tão expressivas.
Considerando
que em Assis Brasil a cobertura florestal na área de influência da bacia
hidrográfica se encontra em excelentes condições de conservação, enquanto em Rio
Branco a degradação florestal é das mais graves, desde que sob o efeito do
mesmo evento climático, a resiliência do rio será diferenciada para ambas as
cidades.
Já a
segunda constatação diz respeito às medidas que os munícipios podem tomar para recuperar
a resiliência do rio Acre.
Depois
dos embates relacionados à definição de competência para imposição de regras de
isolamento social durante a pandemia – resolvidos pelo STF –, não há mais
dúvida (se é que antes havia) de que os municípios, como prevê a Constituição, têm
autonomia para dispor sobre assuntos de interesse local.
Prefeitos
e vereadores podem atuar e legislar no sentido de aumentar a quantidade de
biomassa presente ao longo da mata ciliar, de modo a assegurar que as demais cidades
abastecidas pelo rio Acre sigam o exemplo de Assis Brasil.
Pesquisas
recentes demonstram que mais de 50% da mata ciliar desse rio tão importante foi
destruída para o plantio do capim que alimenta um boi que não paga, à sociedade,
pela água que bebe.
Reverter
o triste diagnóstico do rio Acre deveria ser prioridade para o próximo prefeito
– ou a próxima prefeita – de Rio Branco. Só o voto pode fazer isso acontecer.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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