segunda-feira, 24 de setembro de 2018



A Era do Zoneamento passou, igual a tudo no Acre
* Ecio Rodrigues
Fosse possível estabelecer um horizonte temporal, pode-se dizer que, na Amazônia, a “Era do Zoneamento” teve início com a realização da conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992, e se encerrou com a aprovação da lei estadual do zoneamento no Acre, em 2007.
O ponto inicial representa o esforço dos países associados à ONU, que assinaram duas convenções de suma importância – Convenção sobre Diversidade Biológica e Convenção sobre Mudanças Climáticas –, sendo que ambas preconizam a realização de zoneamento ecológico-econômico, ou ZEE, como ponto de partida para uma localidade ou região alcançar o desenvolvimento sustentável.
Por seu turno, o ponto final representa o fim do período em que os estados amazônicos aprovaram legislação instituindo os zoneamentos levados a cabo em seus territórios, e que definiu zonas de exploração e de intensidade do uso do solo.
Embora tenha sido um dos pioneiros na criação de programa estadual de zoneamento (iniciado ainda no final da década de 1980), o Acre foi um dos últimos a aprovar legislação específica sobre ZEE, em 2007.
Para quem a vivenciou, a Era do Zoneamento foi bastante tumultuada. De um lado, os defensores da expansão da fronteira agropecuária temiam a imposição de restrições à produção de soja, cana-de-açúcar e, no caso do Acre, à criação de boi.
De outro, os defensores de um ambientalismo obtuso, dito preservacionista, tinham expectativas com relação ao aumento de áreas intocáveis de floresta para a proteção da biodiversidade sem a presença humana – sem extrativistas, por exemplo.
Sensibilização da sociedade e, sobretudo, envolvimento dos pequenos e médios produtores rurais – essas duas premissas representavam o fiel da balança entre desmatar mais ou menos a floresta na Amazônia.
Por isso, acreditava-se que a participação dos produtores em audiências públicas, para opinar, discutir e defender uma proposta de uso da terra escudada em estudos técnicos, a ser posteriormente aprovada em assembleias igualmente plenas de participação popular, possibilitaria a escolha da atividade produtiva adequada a cada zona, de forma a gerar riqueza com sustentabilidade ecológica.
Entretanto, mesmo nas poucas vezes em que essa escolha se mostrou acertada, a sua implementação exigiu dos governantes uma série de decisões diárias, para as quais faltou vontade e competência.
Isto é, para fazer valer o ZEE, compelindo-se numa determinada zona a atividade produtiva apontada pelos levantamentos técnicos e corroborada nos processos coletivos, era necessário, em grande medida, o exercício rotineiro do poder discricionário dos gestores.
No final das contas, independentemente da correção ou não da escolha (sob o ponto de vista da manutenção da floresta), no Acre o ZEE não foi adiante, em função da fragilidade técnica da gestão pública.
Desgraçadamente, como diz o produtor, a realidade mostra que, passados 10 anos da aprovação da lei estadual que instituiu o ZEE no Acre, a pecuária ampliou seu plantel e sua participação nas terras ocupadas, consolidando-se como principal atividade produtiva na composição do PIB. Tudo o que se esperava evitar com o ZEE.
De outra banda, prefere-se esquecer que a criação de gado é a atividade produtiva que mais desmata e queima no território estadual.
E mais, que ao reduzir a fração de reserva legal de 80% para 50% da área das propriedades localizadas ao longo das rodovias BR 364 e 317, o ZEE disponibilizou quantidade expressiva de florestas para ocupação pela pecuária.
Não é por acaso que, no Acre, após a Era do Zoneamento, a sociedade se vê condenada a um cotidiano de desmatamento e queimadas.    

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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