segunda-feira, 30 de março de 2020



2010-19: década perdida para a sustentabilidade na Amazônia (3ª parte)
* Ecio Rodrigues
Na tentativa de examinar a segunda década do século XXI sob a perspectiva da sustentabilidade da Amazônia, discute-se aqui o período entre 2016 e 2019.
Lamentavelmente, como já se constatou nos dois artigos anteriores e se verá a seguir, não há dúvida: no que diz respeito à sustentabilidade, essa década foi perdida para a Amazônia.
Em 2016, pelo segundo ano consecutivo, a economia brasileira sofreu retração sensível, com o PIB descendo aos 3,3% negativos. Por outro lado, e de forma um tanto incompreensível, o desmatamento na Amazônia cresceu 29%, tendo apresentado, ademais, um agravante perigoso.
Ocorre que localidades situadas fora do Arco do Desmatamento (que compreende a bordadura oriental do bioma Amazônia) desmataram acima da média projetada nos índices anualmente divulgados pelo Inpe.
Talvez o exemplo mais singular dessa nova e preocupante dinâmica do desmatamento tenha sido o Acre, onde houve um crescimento de 47% na destruição florestal em 2016.
O caso do Acre é singular porque esse estado, terra natal de Chico Mendes, chegou a ostentar uma marca de sustentabilidade ecológica – sendo que nas medições anuais anteriores vinha mantendo, quase sempre, média de desmatamento inferior aos demais estados amazônicos.
2016 marcou também o 10º aniversário de aprovação da Lei 11.284/2006, que introduziu a concessão florestal, instrumento reconhecido pelos estudiosos como crucial para impulsionar a vocação florestal da região. Mas não houve motivos para comemoração.
  Passados 10 anos, menos de 500 mil hectares de florestas – ou seja, menos de 1% do total de florestas públicas disponíveis – se encontravam em regime de concessão, evidenciando o retumbante fracasso do Serviço Florestal Brasileiro.
De um lado, aumento do desmatamento e, de outro, estagnação das concessões florestais. Um contexto lamentável, que não obstante foi ignorado, em meio à recessão econômica e à crise política que dominavam o noticiário do país.
Contudo, 2017 trouxe resultados excelentes para a sustentabilidade da Amazônia. Melhores, por sinal, que nos seis anos anteriores.
Além de lograr reduzir o desmatamento, a política ambiental levada a cabo pelo governo que assumiu em meados de 2016 também obteve outros avanços.
A título de exemplo, cite-se a criação de novas unidades de conservação (o número de UC marinhas mais que dobrou) e o significativo impulsionamento conferido à regularização fundiária na Amazônia, mediante a titulação de 26.000 propriedades, número que corresponde à soma de todos os títulos expedidos nos 10 anos anteriores.
Apesar de criticada – de maneira tendenciosa, diga-se – por setores do movimento ambientalista, a regularização fundiária das propriedades rurais confere segurança jurídica ao planejamento da ocupação produtiva e, por conseguinte, às atividades baseadas na exploração da biodiversidade.
Outro passo largo no sentido da sustentabilidade foi aprovação da Lei 13.493/2017, que instituiu o Produto Interno Verde, PIV, um indicador macroeconômico (a ser calculado pelo IBGE) inovador, já que quantifica a riqueza correspondente ao estoque e à dilapidação dos recursos naturais e, dessa forma, favorece a promoção de uma mudança de visão em relação ao desenvolvimento regional.
O êxito obtido pela equipe econômica na contenção da recessão e retomada do crescimento em 2017 preparou o terreno para o aumento do desmatamento no ano seguinte.
Embora pequena, a ampliação em 14% na destruição florestal na Amazônia em 2018 chamaria atenção para um ponto até então desconsiderado pelo Ministério do Meio Ambiente: o desmatamento legalizado.
Por meio da Portaria 373/2018, o MMA alterou o sistema de medição do desmatamento, possibilitando a distinção do desmate autorizado mediante procedimento de licenciamento ambiental daquele efetuado ao arrepio da legislação.
Trata-se de uma diferenciação há muito esperada, fundamental para orientar a execução da política ambiental na Amazônia.
Com efeito, a fim de conter a destruição ilegal das florestas, cabe ao MMA estabelecer diretrizes para o exercício do poder polícia; de outra banda, para zerar o desmatamento legalizado, incumbe-lhe fomentar a exploração da biodiversidade florestal.
Entre as iniciativas implementadas em 2018, a promulgação da Lei 13.668/2018, que alterou a Lei 9.985/2000 (Lei do Snuc), merece destaque por diversas razões, em especial por criar o Fundo de Compensação Ambiental e apontar uma saída para a reiterada falta de orçamento do ICMBio.
Finalmente, nada se compara ao último ano da década perdida.
Em 2019, um oceano de equívocos conceituais inundou o MMA, afastando o órgão de tudo o que a ciência amazônica construiu até hoje.
Pressionado pela ameaça de extinção vinda do governo recém-eleito, o MMA submergiu numa diretriz de gerenciamento inaceitável, que, tendo por referência o dito “negacionismo”, desmente: o Acordo de Paris, o aquecimento do planeta, a importância da ajuda internacional – e, o pior, o flagelo do desmatamento e das queimadas na Amazônia.
Por consequência, as estatísticas de destruição das florestas bateram recordes – levando o país a receber ultimatos das nações associadas à cooperação internacional e, desse modo, correr risco de isolamento no cenário mundial.
Mas essa discussão é para a década que se inicia em 2020.
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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