Regionalização da gestão ambiental é desafio
insuperável
* Ecio Rodrigues
Nos
últimos 40 anos, o país discutiu e aprovou um arcabouço jurídico com o objetivo
precípuo de promover a conservação de seus ativos ambientais, notadamente no
que diz respeito a água, florestas e qualidade do ar.
Esse
aparato normativo se aplica em todo o território nacional, sem considerar
diferenças locais.
A
uniformização e a padronização pautaram a aprovação do que pode ser considerado
o mais importante instrumento jurídico para a conservação ambiental –o Sistema
Nacional de Meio Ambiente, Sisnama, instituído por meio da Lei 6.938/1981.
Posteriormente,
as normas que surgiram para regulamentar o uso dos recursos hídricos, das
florestas nativas e do ar seguiram o mesmo formato de padronização nacional estabelecido
pelo Sisnama.
Sem
embargo, em um país de dimensões continentais, o movimento ambientalista,
apoiado por um número expressivo de especialistas, defende a regionalização das
normas, no intuito de promover sua adequação à realidade ecossistêmica de cada
um dos 5 principais biomas distribuídos em território nacional: Pampas, Mata Atlântica,
Cerrado, Caatinga – e o mais prestigiado no mundo, Amazônia.
Para
os defensores da regionalização, as especificidades dos biomas exigem que os
preceitos relacionados à gestão ambiental sejam diferenciados. Significa dizer
que os requisitos impostos para o licenciamento ambiental na Amazônia não podem
ser os mesmos para Mata Atlântica, Cerrado etc.
Esse
argumento ganha ainda mais força quando a desigualdade social e econômica entra
na equação. Estudiosos do modelo de desenvolvimento brasileiro não cansam de
apontar os prejuízos que a disparidade de IDHs entre a Amazônia e a Mata Atlântica
causa ao país.
Segundo
o raciocínio da regionalização, as regras de gestão ambiental poderiam
impulsionar regiões menos desenvolvidas, ao facilitar a instalação de
indústrias e outros empreendimentos que se ajustassem às características ecológicas
do bioma, ao mesmo tempo que minimizariam o impacto ambiental, já elevado, em
outras regiões mais industrializadas.
O
licenciamento de uma indústria de papel e celulose deveria ocorrer sob um maior
grau de exigências no Sudeste – região em que predomina o bioma Mata Atlântica
e que foi submetida a um processo intenso de industrialização –, do que, por
exemplo, no Centro-Oeste, região menos industrializada, sujeita, por
conseguinte, a menores índices de poluição industrial, e cujo bioma dominante, Cerrado,
pode se mostrar mais resiliente a esse tipo de impacto ambiental.
Dessa
forma, devem ser considerados não apenas o grau de degradação do respectivo bioma
e sua resistência e resiliência frente aos diferentes tipos de impactos
ambientais, mas também o estágio da ocupação social e econômica daquela região,
bem como o histórico dos processos produtivos desencadeados em âmbito local.
Afinal,
voltando a falar de Amazônia e Mata Atlântica, é evidente que esses biomas
apresentam realidades nitidamente distintas, a despeito do intenso impacto
causado em ambos pelo cultivo de commodities agrícolas.
Não
há dúvida que a regionalização é tema complexo, que transita entre conteúdos
científicos e políticos que poucos dominam. Essa complexidade, diga-se, restou
patente nas discussões em torno do Código Florestal promulgado em 2012 – que,
aliás, fixou, em cada bioma, tamanho diferenciado para a reserva legal (fração de
floresta que obrigatoriamente deve ser mantida nas propriedades rurais).
Mas
o fato é que a ausência de correlação entre as regras de gestão ambiental e os níveis
de industrialização e de degradação observados nos biomas configura uma significativa
lacuna no ordenamento jurídico ambiental do país.
O desafio de suprir essa lacuna, porém, é
praticamente insuperável no médio prazo.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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