* Ecio Rodrigues
No
final do segundo tempo, como diriam os futebolistas, e a despeito da pressão da
torcida do governo e do próprio ministro da ciência e tecnologia, o Inpe honrou
sua reputação: em 30 de novembro último foi divulgada a taxa anual de desmatamento
na Amazônia.
Com
efeito, há mais de 30 anos esse índice é publicado até novembro do ano de
referência. A taxa de 2020, medida no período de 12 meses entre 01/8/2019 e
30/7/2020, é a primeira sob total responsabilidade do atual ministro do meio ambiente
e do governo federal como um todo.
Essa
foi, sem dúvida, uma das razões pelas quais a divulgação pelo Inpe foi precedida
de grande expectativa por parte dos envolvidos com o estudo do desmatamento na
maior floresta tropical do mundo.
Havia
certa desconfiança em relação à postura governamental diante da obrigação moral
e ética de conferir transparência às informações em torno da destruição da
biodiversidade florestal na Amazônia.
Na
verdade, alguns movimentos levantaram a suspeita, felizmente não confirmada, de
que o governo poderia afrouxar o criterioso processo que envolve medição,
cálculo e publicação da taxa anual de desmatamento.
Quem
não se lembra quando, no decorrer de 2019, em meio aos alertas rotineiros de
desmatamento localizado emitidos pelo sistema “Deter”, o governo iniciou
ataques constrangedores contra o mensageiro, no caso o Inpe, por discordar da
mensagem, nesse caso a destruição da floresta?
Logo
depois, já na estação seca, vieram os dados extraídos do Programa de
Monitoramento de Queimadas, também gerido pelo Inpe. A quantidade de focos de calor detectada pelos
satélites demonstrava que as queimadas estavam fora de controle e, o mais
grave, que havia alto risco de ocorrência de incêndios florestais.
Ao
invés de adotar medidas drásticas de combate ao fogo, o governo, mais uma vez, se
fez de vítima, passando a elucubrar que inimigos do país e da Amazônia, com o apoio
das ONGs, numa ação de sabotagem explícita, estariam queimando a floresta para chamar
a atenção da imprensa mundial.
O então
presidente do Inpe, um cientista prestigiado no mundo e conceituado entre seus
pares, foi destituído, sob a acusação insana de que estaria a serviço de ONGs ambientalistas.
Decerto
não é preciso gastar tinta defendendo o irretocável levantamento por satélite
realizado pelo Inpe e conferido por agências europeias de monitoramento
climático, ou a inegável e exitosa atuação das ONGs nos últimos 50 anos em prol
do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
O
militar empossado na presidência do Inpe no lugar do cientista, vendo-se diante
de uma absurda narrativa de conspiração mundial que afirmava a existência de um
suposto plano para atacar a soberania brasileira na Amazônia, optou,
habilmente, por deflagrar um procedimento sucessório, criando um “comitê de busca”,
no intuito de levar à direção do órgão um gestor que gozasse do respeito da
equipe de pesquisadores.
Esse
comitê, mesmo com a ameaça de ingerência do governo, logrou concluir sua
missão, selecionando um cientista com perfil para presidir o Inpe.
Enfim,
aguardada com grande expectativa e publicada mediante planejamento e disciplina
religiosa pelo Inpe desde 1988, a taxa de desmatamento da Amazônia chama a
atenção do mundo por duas razões: credibilidade e preocupação.
Ninguém
põe em xeque a credibilidade do trabalho científico realizado pelo Inpe, o que,
por um lado, é excelente, mas significa que o desmatamento aconteceu de
verdade, o que, por outro lado, acende o alerta.
Não
há dúvida, 11 mil km² de biodiversidade florestal foram destruídos em 2020 na
Amazônia, uma área 9,5% maior que em 2019, e agora?
Encontrar
solução depende de considerável esforço técnico por parte do governo federal – mas
isso, há de se convir, seria algo insólito. Lamentavelmente, não existe um Inpe
para responder ao “e agora?”.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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