* Ecio Rodrigues
Há algumas semanas a imprensa noticiou que o abastecimento d’água nas cidades
que dependem da vazão no rio Acre estava em situação de risco de racionamento.
Trata-se de um universo de consumidores que representa quase 70% da
população do estado, concentrando-se nos oito municípios localizados ao longo
da bacia hidrográfica.
Embora as informações disponíveis não sejam de fácil interpretação,
pode-se afirmar com boa dose de certeza que o cruzamento da rodovia BR 364 com o
rio Acre define, no território estadual, a região onde a pressão pelo
desmatamento acontece com mais intensidade há mais de 30 anos, em consequência
da expansão da pecuária extensiva de gado.
Enquanto isso, nesse longo interstício de três décadas, a administração dos
serviços de captação, tratamento e distribuição de água em Rio Branco passou da
empresa estadual Sanacre para a municipal Saerb, depois para a estadual Depasa
e, agora, voltou para a Saerb.
Essa alternância se deu por conta de dificuldades de gerenciamento, e
sempre no propósito de superar tanto limitações de ordem financeira, já que o
sistema há muito tempo se tornou deficitário, quanto entraves técnico-administrativos,
já que o serviço sempre foi prestado à população de maneira falha e ineficaz.
A intenção, portanto, era tornar
o serviço eficiente e superavitário, mas, a despeito das idas e vindas, esse
objetivo até hoje não foi alcançado.
Na verdade, a experiência demonstra (e essa constatação não se aplica
apenas a Rio Branco, mas à quase totalidade dos municípios brasileiros) que a
gestão pública não consegue entregar um serviço de qualidade, tampouco obter
eficiência financeira, causando prejuízos irreparáveis à sociedade. Não à toa, foi
promulgado recentemente o marco legal do saneamento, que abriu caminho para a venda
das empresas estatais.
Sem embargo, deixando de lado tais questões, uma coisa é certa: o desequilíbrio
de vazão no rio Acre requer medidas urgentes.
Não adianta continuar fazendo alarde em torno da seca do rio no verão e da
alagação, no inverno, se o ponto-chave do problema não for atacado pela
política pública – o que, por sua vez, demanda investimento considerável, para
o qual as frágeis economias locais não dispõem de recursos.
Para que a vazão volte a ter equilíbrio, é necessário promover a revitalização
da bacia hidrográfica, zerando o desmatamento ali incidente e realizando restauração
florestal nos trechos críticos de mata ciliar.
Não se olvida dos impactos ocasionados ao regime hídrico pelas alterações
climáticas decorrentes do aquecimento global, que têm dimensão planetária e recebem
a vergonhosa contribuição do desmatamento anual da Amazônia; porém, no plano da
bacia hidrográfica, é possível fazer o rio retornar aos padrões de equilíbrio
de vazão observados antes da retirada da floresta.
Como se sabe, a navegação de batelões de alto calado (acima de 2 metros)
era corriqueira nas águas do rio Acre, pelo menos até o final da década de 1950;
contudo, hoje em dia, em 70% do rio o leito não permite esse tipo de
embarcação. Isso é fato.
Estudos apontam um acentuado assoreamento decorrente do desmatamento – e
não apenas do desmatamento que ocorre na mata ciliar, que já perdeu metade de
sua cobertura florestal, mas numa área bem maior, que sofre influência da bacia
hidrográfica.
Por outro lado, experiências bem sucedidas comprovam que a remuneração
do produtor pelo serviço de manejar a biodiversidade florestal traz excelentes
resultados, no sentido de reverter a tendência de degradação da mata ciliar –
devendo, pois, ser promovida e priorizada.
Com efeito, o produtor pode manejar essa floresta especial, a fim de melhorar
a qualidade e a quantidade da água que vai abastecer a população urbana. Esse
serviço deve ser remunerado pela empresa que capta, trata e leva a água até as
residências e empresas.
Forçoso perceber que nem Sanacre, nem Depasa, nem Saerb, nem qualquer outra
estatal vão dar conta dessa empreitada. O processo de assoreamento vai persistir
e o rio Acre, continuar secando.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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