* Ecio Rodrigues
Imagine um
almoxarifado que dispõe de mais de 50 produtos (a maioria perecível) em
estoques reduzidos que duram cerca de 3 meses, cada um atendendo a um
determinado nicho de mercado e sendo comercializado sob valor atrativo.
É mais ou
menos assim que funciona a economia da biodiversidade florestal da Amazônia.
Sem
embargo, conquanto inúmeras pesquisas tenham comprovado o valor econômico
estratégico desse almoxarifado, excetuando-se a indústria madeireira, a região ainda
não conta com empreendimentos bem sucedidos e em funcionamento voltados para a
exploração da biodiversidade florestal.
Essa circunstância,
pode-se dizer, perdura desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando o
principal produto da biodiversidade florestal amazônica, a borracha, foi praticamente
eliminado do mercado de pneus.
Administrar
esse complexo almoxarifado exige grande capacidade técnica. A boa notícia é que
já foi desenvolvida tecnologia apropriada e há disponibilidade de engenheiros
formados na própria região – o que permite o gerenciamento desse patrimônio, de
maneira a gerar renda e emprego permanentemente.
A noção de uso múltiplo
da biodiversidade é recente. Até a segunda metade da década de 1980, a ideia de
uso múltiplo se restringia às diversas possibilidades de beneficiamento da
madeira.
Naquela
época, a engenharia florestal amazônica ainda não era capaz de “ver a floresta que
existe além das árvores”, para citar um provérbio inglês comumente usado em
macroeconomia.
A versão
contemporânea do uso múltiplo, aplicado à biodiversidade florestal, foi formulada
mais acentuadamente no Acre, onde um contingente expressivo de extrativistas,
ou manejadores florestais, até hoje obtém renda com a venda de castanha, açaí,
jarina e mesmo borracha.
É
possível, inclusive, determinar horizontes temporais distintos para a evolução
da tecnologia de uso múltiplo. Até 1987, a extração de borracha e castanha,
apesar de praticada do mesmo modo havia mais de um século, ainda era a base da
economia no estado.
Com
efeito, os dois produtos representavam a maior parcela do ICMS arrecadado no
setor primário. A exploração de um e outro foi considerada, pelo movimento
ambientalista, uma atividade adequada do ponto de vista ecológico, uma vez que não
causava danos à floresta.
Por isso,
os ambientalistas apoiaram os seringueiros na reivindicação pela criação de
reservas extrativistas, sendo que a partir daí mais de 2 milhões de hectares foram
destinados a essa finalidade em território estadual.
Já mais
para o final dos anos 80, a industrialização da castanha para exportação e a
diversificação da borracha eram os desafios. Quantidade significativa de recursos
públicos foram investidos em tecnologia e qualificação do produtor.
Todavia, a
borracha quase sumiu das estatísticas de produção amazônica, e a culpa já não
era mais dos asiáticos – como foi em 1911, o que inflamou nossos brios
nacionalistas, diante da falácia da biopirataria –, mas, sim, dos paulistas, que
vêm batendo recordes de produção anual desde 1993.
Por seu
turno, a castanha não deslanchou por questões que vão da mera fragilidade
gerencial a problemas complexos, como a inelasticidade do preço internacional.
A
falência da base produtiva amparada no binômio borracha/castanha forçou a busca
por outros produtos da biodiversidade florestal.
A visão
acerca do potencial estratégico da Amazônia ganhou força nesse período. A
partir do início da década de 1990, a biodiversidade florestal passou a ser enxergada
de forma holística, ou seja, como um todo – evidenciando-se a capacidade da
floresta para ofertar um leque variado de produtos e de serviços ambientais, estes
relacionados principalmente ao sequestro de carbono e à produção de água.
Resumindo,
o uso múltiplo pode ser explicado como a possibilidade de manejar a biodiversidade
para obter riqueza de maneira perene, sem comprometer as relações ecológicas
que ocorrem no interior da floresta.
Chamou-se,
então, de manejo florestal de uso múltiplo essa atividade-fim da engenharia
florestal amazônica, que permite administrar adequada e satisfatoriamente o
almoxarifado da biodiversidade florestal, viabilizando a vocação produtiva da
região.
Mas a
sustentabilidade do uso múltiplo só será alcançada quando os produtores lograrem
obter retorno financeiro superior ao auferido com a pecuária extensiva de gado.
Enquanto a criação de boi for mais vantajosa financeiramente, o produtor será
atraído para essa atividade.
Enfim,
não há alternativa. A bioeconomia da Amazônia precisa se afastar da pecuária
extensiva e promover o uso múltiplo da biodiversidade florestal.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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