* Ecio Rodrigues
Desde que o economista bengali Muhammad
Yunus e seu Banco Grameen receberam o Nobel da Paz em 2006 que programas de
microcrédito se proliferam pelo planeta.
Criador do conceito, Yunus logrou estruturar
o maior programa de microcrédito do mundo, capaz de se retroalimentar com os
juros pagos pelos tomadores do empréstimo. Por isso, a imprescindibilidade da
cobrança de juros.
Por trás de toda grande ideia sempre há
um insight, um pulo do gato, e com o microcrédito não foi diferente.
Hoje pode até parecer óbvio, mas até então
ninguém se atentara para as necessidades dos pequenos tomadores de crédito –
que embora não consigam apresentar as garantias exigidas pelo sistema bancário tradicional,
são capazes de honrar seus compromissos de pagamento.
Ainda há quem suponha que o segredo para
o sucesso do microcrédito está na oferta de módicas quantias de dinheiro. Um
equívoco.
Ocorre que a maior barreira enfrentada pelo
pequeno tomador de crédito é o acesso ao financiamento oficial. Além dos documentos
de habilitação, as garantias exigidas costumam ser impraticáveis para esse
público.
O microcrédito derrubou os entraves.
Primeiro, por levar o banco até a casa do empreendedor, mediante a visita do
agente de crédito. Depois, porque substituiu a exigência de documentos e
papelada pela realização de estudo socioeconômico para captar a realidade da clientela;
por fim, o mais importante, trocou as garantias de contrato pelas de
relacionamento.
O contato do agente com a família do
tomador e a percepção que esse agente tem da vida dele são a chave para a concessão
do empréstimo. O resultado é uma inadimplência inferior a 5%.
No Brasil, o microcrédito ficou inicialmente circunscrito ao universo da cooperação – quando era por
vezes confundido com economia solidária, sendo que se diferenciam pelo fato de
que no primeiro são cobrados juros do tomador e no segundo, não –, e só nos
últimos 10 anos os bancos acordaram para o nicho representado pelo empréstimo
de pequenos valores.
A verdade é que amarras normativas e a
permanente propensão ao populismo/assistencialismo, tão recorrentes no meio
político nacional, emperraram a multiplicação dos programas de microcrédito em
terras tupiniquins.
Em 2003 um sistema oficial de
microcrédito foi instituído no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social –
de maneira associada aos programas sociais, tais como erradicação do trabalho
infantil, bolsa-família etc.
Os valores ofertados alcançavam até R$ 1.500,00
por empreendedor, todavia, o empréstimo oferecido pelo governo padecia da anomalia
de não cobrar juros – ou seja, não era microcrédito strictu sensu.
Como era de se esperar, no curto prazo delineou-se
o paradoxo: quanto mais transações eram realizadas, mais inviável o programa se
tornava. Algo aparentemente inusitado, porém facilmente explicável, já que, sem
os juros, não havia como dar continuidade às operações de crédito sem o permanente
aporte de recursos públicos.
Logo depois, em 2005, foi criado o Programa
Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado, este executado pelo BNDES. Desta
feita, sem a deficiência da supressão das taxas de juros e, portanto, com perspectiva
de sustentabilidade no tempo.
Mas, e na Amazônia, afinal qual a
relação entre microcrédito e biodiversidade?
Como o extrativista tem dificuldade de
acesso aos bancos, e as atividades produtivas por ele realizadas são de pequena
monta, o microcrédito se encaixa com perfeição à realidade do pequeno produtor
florestal.
No Acre, uma experiência de
microcrédito que tinha como beneficiários esses produtores foi levada a efeito com
o sugestiva designação “CrediSelva”. Tratava-se, possivelmente, de um projeto único
na Amazônia, pois, além de se destinar a apoiar empreendimentos vinculados à
biodiversidade florestal, era operado por uma organização do terceiro setor.
Em 2005, o programa de microcrédito CrediSelva obteve o primeiro
lugar brasileiro no Prêmio Internacional de Microfinanças, uma parceria entre o
Grupo CitiBank e a ONU; no mesmo período, foi finalista do Prêmio de Tecnologia
Social da Fundação Banco do Brasil e foi selecionado para o Prêmio Empreendedor Social Ashoka – McKinsey
2006.
Sem embargo, por razões que não cabe
aqui discutir, o CrediSelva não foi adiante, e a oferta de microcrédito para a
produção florestal não conseguiu se consolidar no Acre.
Mas o sucesso da iniciativa não deixa
dúvidas, o microcrédito para o manejo comunitário da biodiversidade florestal
deve ser apoiado pela política pública.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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