* Ecio Rodrigues
Nos últimos 50 anos, um expressivo esforço científico foi
direcionado à análise da ocupação produtiva em vigor na Amazônia, baseada na
criação extensiva de gado.
O diagnóstico quase unânime em torno dos efeitos negativos e às
limitações desse modelo só leva a uma conclusão: deu errado!
Diversas são as razões apontadas para o fracasso da pecuária
extensiva, na condição de elemento-chave para criar e manter uma dinâmica
econômica compatível com a demanda do contingente populacional que vive na região.
Não há dúvida científica quanto ao fato de que a expansão da
pecuária trouxe graves problemas sociais, em face da ocupação de terras antes habitadas
pelos extrativistas e da concentração da riqueza em menos de 10% dos
estabelecimentos rurais.
Para muitos pesquisadores, inclusive, as consequências para o meio
social são ainda mais graves do que os conflitos fundiários, atualmente menos significativos.
A contínua ampliação do plantel de gado na Amazônia, em especial a
partir da década de 1970, causou profundo esgarçamento do tecido social, ao promover
a migração para as cidades, sobretudo para as capitais, de uma população
preparada apenas para o trabalho rural.
Seguindo nessa toada, os economistas alertam para a letargia
econômica que há mais de 30 anos se evidencia nas estatísticas oficiais da
região, dada a falta de competitividade que caracteriza a pecuária amazônica, em
comparação com a produtividade observada em outras regiões do país, onde se
localizam grandes mercados consumidores de proteína animal.
De outra banda, mesmo que se deixe de enxergar os insuperáveis
entraves sociais e econômicos que obstam a criação extensiva de boi na Amazônia,
não é possível ignorar a persistente reivindicação internacional em prol da
erradicação definitiva da prática do desmatamento.
E não adianta se apegar ao direito de desmatar previsto no Código
Florestal. Mesmo quando resultante do desmatamento dito legalizado, a
destruição da biodiversidade florestal contraria as pesquisas e a ciência –
sendo que os países que assinaram o Acordo de Paris em 2015 já vêm demonstrando
sua intolerância em relação à devastação da floresta na Amazônia.
Existe alternativa, todavia. E o momento é oportuno para discutir os
modelos de ocupação produtiva até hoje impostos na Amazônia, circunscritos ao
universo de simplificação e de homogeneização ditado, por sua vez, pelo pensamento
cartesiano. Inseridas em tal condição estão as atividades do agronegócio, notadamente
a pecuária extensiva.
As atividades produtivas que têm como referência a utilização comercial
da biodiversidade florestal não podem ser compreendidas no âmbito desse
universo simplificador, exigindo um novo jeito de enxergar a região, pelo qual
seja vislumbrada a complexidade da diversidade biológica e suas peculiaridades.
De igual modo, as possibilidades de exploração do potencial produtivo
do ecossistema florestal não podem resultar, sob nenhuma hipótese, em processos
de domesticação e homogeneização, uma vez que esses procedimentos levam a uma
única direção – a substituição por cultivos e a inviabilização ecológica do
próprio modelo baseado na biodiversidade.
Portanto, tentando ser bem objetivo, não há outro caminho a
seguir, senão o que conduz, primeiro, ao reconhecimento da existência de uma
complexidade ecossistêmica que deve ser compreendida e respeitada; e, daí em
diante, ao estabelecimento de estratégias para o uso múltiplo da biodiversidade
florestal, de forma a potencializar aquela complexidade, manipulando-a dentro dos
limites impostos por sua resiliência.
Na trajetória entre uma formulação e outra ocorre uma verdadeira
inversão de princípios. Assim, de obstáculo para a produtividade – como é
considerada no universo cartesiano –, a biodiversidade florestal passa a ser
reconhecida, no âmbito do pensamento complexo, como oportunidade a ser
desenvolvida e aproveitada.
Afinal, há que se convir, mesmo que se apele apenas ao bom-senso, a
substituição da biodiversidade florestal da Amazônia pelo boi solto no pasto é
um absurdo!
*Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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