* Ecio Rodrigues
Em 5 meses seguidos, o número de queimadas no Acre superou a média
observada (considerando os registros para abril, maio, junho, julho e agosto) nos
últimos 24 anos de medições.
Para quem, como São Tomé, prefere ver para crer, os dados da série
histórica são publicados sob precisão e regularidade profissional pelo Inpe desde
1998, e podem ser acessados na plataforma https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/.
Muito embora apenas os recordes atraiam o interesse da imprensa
(que se preocupa mais com audiência do que com informação), o comportamento da
média é o dado mais importante a ser monitorado, pois é o que possibilita
vislumbrar tendências e antever recordes. Em relação a 2021, os números demonstram
claramente a perigosa tendência de elevação das queimadas no Acre.
Explicando melhor. O risco de ocorrência, no curto prazo, de novo recorde
de queimadas aumenta na proporção direta da elevação da média. Dessa forma, quanto
maior a superação da média, maior o risco de recordes.
E todos devem consentir que uma série de registros que cobre 23
anos e 8 meses, um total de 284 medições, apresenta robustez e constância suficientes
para sustentar análises precisas, de modo a evitar surpresas, como aquelas tragédias
que parecem obras do destino, mas que são anunciadas.
As estatísticas do Inpe sobre as queimadas no Acre permitem afirmar,
em síntese, que existe tendência de alta dos focos de calor – tendência esta que
se iniciou em 2016, ganhou força em 2020 e, tudo em indica, está se acentuando
em 2021, podendo resultar em picos, com sérias consequências para a saúde da
população.
Há que se levar em conta, ademais, o fator agravante de que em
2020 o país (e o mundo) atravessou uma retração econômica sem precedentes, em
razão da pandemia de covid, da qual ainda está se recuperando.
Os contextos em que o aumento desse tipo de prática nociva que
depende de investimento financeiro (como é o caso da queimada) ocorre mesmo sob
depressão econômica são ainda mais inquietantes, pois escapam ao padrão histórico,
potencializando o risco de calamidades.
Diante desse lamentável diagnóstico, duas questões surgem de maneira
quase espontânea, e deveriam ser objeto de esclarecimento por parte dos
gestores ambientais no governo estadual.
A primeira se refere às medidas necessárias para estancar o
aumento inercial que se observa desde 2016 e que, a persistir, trará picos mensais
de queimadas em breve.
Posto que a alternativa existe e, hoje, no acre, todos os
produtores têm acesso a pelo menos um trator para arar a terra, não havendo
mais sentido no uso de um método agrícola tão rudimentar e tão maléfico ao meio
ambiente e aos seres humanos.
Contudo, todas as vezes, nos últimos 30 anos, em que o problema
das queimadas foi discutido, em eventos os mais diversos realizados quase que
anualmente no Acre, todas as vezes!, foi levantado o pretexto do produtor que não tem dinheiro para arar a terra
e que se não queimar morre de fome – e sob tal subterfúgio o pernicioso procedimento continuou
e continua indefinidamente a ser permitido.
Um pretexto que costuma chamar a atenção de um jornalismo
precário, mas que, como ocorre com muitos conteúdos que ganham grande visibilidade,
não é verdadeiro, não se apoia em nenhuma evidência.
Pior, é o tipo de asserção que contamina a realidade, distorce as
informações e enterra a chance de encontrar soluções.
Já a segunda questão, um tanto mais complexa, diz respeito à
disposição do grupo político que ocupa atualmente o palácio Rio Branco para confrontar
a pecuária extensiva de gado, atividade que produz mais de 50% das queimadas no
Acre – sendo, de longe, a principal responsável pela tendência de aumento que
as medições revelam e que, afora os prejuízos ambientais, tem intensificado
ainda mais os transtornos que o fogo, a fuligem e a fumaça todos os anos impingem
à sociedade.
A bem da verdade, não é de hoje que os gestores estaduais (e
também os municipais, forçoso dizer), sob muita boa vontade e nenhuma evidência
científica, defendem a criação extensiva de boi, como se o agronegócio no Acre fosse
o único na Amazônia a não depender de desmatamentos e queimadas.
Mas as estatísticas relacionadas às queimadas, obtidas por meio de
imagens de satélite captadas em tempo real, vão continuar a ser publicadas pelo
Inpe.
O mundo está vendo.
*Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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