* Ecio Rodrigues
Ao lado
de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto
Freire se dedicou a estudar o processo de colonização do país, fornecendo elementos
essenciais para a compreensão da formação histórica da sociedade brasileira.
Há quem
diga, ainda hoje, que tudo seria diferente – para melhor, é claro! –, tivessem
sido os ingleses ou os holandeses, e não os portugueses, os primeiros colonizadores
a se aventurar por estas paragens.
À
pergunta: Por que Portugal?, Freire responde que foram fatores como posição
geográfica, isolamento dos demais países europeus e tradição marítima que levaram
o povo português a se lançar ao mar em busca de conquistas e de sobrevivência
econômica.
Além
disso, o fator climático também contribuiu para que Portugal se tornasse a
grande nação colonizadora que foi, uma vez que o país apresenta altas
temperaturas e umidade, condições muito distantes do rigoroso inverno tão característico
ao continente europeu.
Nas condições físicas de solo e de temperatura,
Portugal é antes África do que Europa. O chamado ‘clima português’ de Martone,
único na Europa, é um clima aproximado do africano. Estava assim o português predisposto
pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos (Freire, 2001,
p85).
Vale
dizer, além das condições favoráveis relacionadas à localização e experiência
de navegação, os portugueses também contavam com mais capacidade de adaptação
ao difícil e extenuante clima tropical.
Para Freire,
é equivocado o juízo que comumente se faz do português, como o tipo social do
homem do mar conquistador – cujo temperamento é descrito por adjetivos como
desorganizado, fanfarrão, preguiçoso, individualista, saqueador e
irresponsável.
Contestando
essa avaliação, o autor explica que os portugueses demonstraram elevada
capacidade de organização ao estabelecer uma produção agropecuária que exigia
rigidez em seu planejamento.
Essa
primeira e significativa transformação produtiva pela qual passou o país foi de
importância crucial para a formação duma estrutura econômica sólida em
território brasileiro.
Até então
– durante a fase do puro saque -, afirma Freire, não eram necessárias grandes
estruturas para exploração, sendo suficiente o emprego do indígena como guia
para a localização de pau-brasil e de veios de minerais.
Mas a
transição que induziu à agricultura demandava maior quantidade e qualidade de labor.
Por outra parte, também requeria investimentos de monta no assentamento das
culturas e dos produtores.
Afinal, tratou-se
de um empreendimento capitalista, voltado para o abastecimento interno e suprimento
do mercado exterior, e cuja administração exigia uma tradição que os
portugueses, para não levarem prejuízo, tiveram que adquirir.
Um movimento
econômico de certa forma único, além de bem distinto da experiência engendrada
pelos espanhóis:
Semelhante deslocamento, embora
imperfeitamente realizado, importou numa nova fase e num novo tipo de
colonização: a ‘colônia de plantação’, caracterizada pela base agrícola e pela
permanência do colono na terra, em vez de seu fortuito contato com o meio e com
a gente nativa. No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga
escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social
inteiramente novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico.
(Freire, 2001, p91).
A prioridade
não era outra senão atender o mercado externo, em expansão. Primeiro, com a
cana-de-açúcar; depois, com o algodão; e, por fim, de forma quase permanente
até à atualidade, com o café.
O fato de
a produção se dar em larga escala, bem como de ser baseada no emprego do grande
capital e da grande propriedade levou o país a adquirir uma tradição rural de
certo modo precursora do atual e pujante agronegócio que tem na soja e carne de
boi seus principais produtos.
Todo esse
esforço de produção exigiu, evidentemente, grande arregimentação de força de
trabalho – primeiro escrava, depois assalariada –, que foi levada a efeito de
forma impressionante.
A
agricultura exportadora consumiu índios, negros e europeus, num momento em que o
capital humano era escasso no mundo e, em razão disso, caro e dispendioso.
Na
Amazônia, o trabalho escravo dos índios e negros se tornou crucial. Os portugueses,
conforme informa Feire, contaram com a imprescindível ajuda dos padres da
Companhia de Jesus para doutrinação e imposição de disciplina rígida e
obediência servil.
Nesse
momento, no final do século XIX, começava a primeira transformação produtiva na
Amazônia, em direção à criação extensiva de boi e ao desmatamento.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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