segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Da coleta à agricultura, a primeira transformação produtiva na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Ao lado de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire se dedicou a estudar o processo de colonização do país, fornecendo elementos essenciais para a compreensão da formação histórica da sociedade brasileira.

Há quem diga, ainda hoje, que tudo seria diferente – para melhor, é claro! –, tivessem sido os ingleses ou os holandeses, e não os portugueses, os primeiros colonizadores a se aventurar por estas paragens.

À pergunta: Por que Portugal?, Freire responde que foram fatores como posição geográfica, isolamento dos demais países europeus e tradição marítima que levaram o povo português a se lançar ao mar em busca de conquistas e de sobrevivência econômica.

Além disso, o fator climático também contribuiu para que Portugal se tornasse a grande nação colonizadora que foi, uma vez que o país apresenta altas temperaturas e umidade, condições muito distantes do rigoroso inverno tão característico ao continente europeu.

Nas condições físicas de solo e de temperatura, Portugal é antes África do que Europa. O chamado ‘clima português’ de Martone, único na Europa, é um clima aproximado do africano. Estava assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos (Freire, 2001, p85).

Vale dizer, além das condições favoráveis relacionadas à localização e experiência de navegação, os portugueses também contavam com mais capacidade de adaptação ao difícil e extenuante clima tropical.

Para Freire, é equivocado o juízo que comumente se faz do português, como o tipo social do homem do mar conquistador – cujo temperamento é descrito por adjetivos como desorganizado, fanfarrão, preguiçoso, individualista, saqueador e irresponsável.

Contestando essa avaliação, o autor explica que os portugueses demonstraram elevada capacidade de organização ao estabelecer uma produção agropecuária que exigia rigidez em seu planejamento.

Essa primeira e significativa transformação produtiva pela qual passou o país foi de importância crucial para a formação duma estrutura econômica sólida em território brasileiro.

Até então – durante a fase do puro saque -, afirma Freire, não eram necessárias grandes estruturas para exploração, sendo suficiente o emprego do indígena como guia para a localização de pau-brasil e de veios de minerais.

Mas a transição que induziu à agricultura demandava maior quantidade e qualidade de labor. Por outra parte, também requeria investimentos de monta no assentamento das culturas e dos produtores.

Afinal, tratou-se de um empreendimento capitalista, voltado para o abastecimento interno e suprimento do mercado exterior, e cuja administração exigia uma tradição que os portugueses, para não levarem prejuízo, tiveram que adquirir.

Um movimento econômico de certa forma único, além de bem distinto da experiência engendrada pelos espanhóis:

Semelhante deslocamento, embora imperfeitamente realizado, importou numa nova fase e num novo tipo de colonização: a ‘colônia de plantação’, caracterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra, em vez de seu fortuito contato com o meio e com a gente nativa. No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. (Freire, 2001, p91).   

A prioridade não era outra senão atender o mercado externo, em expansão. Primeiro, com a cana-de-açúcar; depois, com o algodão; e, por fim, de forma quase permanente até à atualidade, com o café.

O fato de a produção se dar em larga escala, bem como de ser baseada no emprego do grande capital e da grande propriedade levou o país a adquirir uma tradição rural de certo modo precursora do atual e pujante agronegócio que tem na soja e carne de boi seus principais produtos.

Todo esse esforço de produção exigiu, evidentemente, grande arregimentação de força de trabalho – primeiro escrava, depois assalariada –, que foi levada a efeito de forma impressionante.

A agricultura exportadora consumiu índios, negros e europeus, num momento em que o capital humano era escasso no mundo e, em razão disso, caro e dispendioso.

Na Amazônia, o trabalho escravo dos índios e negros se tornou crucial. Os portugueses, conforme informa Feire, contaram com a imprescindível ajuda dos padres da Companhia de Jesus para doutrinação e imposição de disciplina rígida e obediência servil.

Nesse momento, no final do século XIX, começava a primeira transformação produtiva na Amazônia, em direção à criação extensiva de boi e ao desmatamento.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.    

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