* Ecio Rodrigues
Não será pela força do mercado ou por graça divina, a contenção do
desmatamento que todos os anos se alastra sobre novas áreas de floresta – e, em
igual medida, a restauração florestal do que já foi destruído – depende de política
pública em esfera federal e estadual.
Política que tem apresentado resultados desanimadores, pois desde
que o Inpe iniciou as medições, em 1988, nunca a expansão do desmatamento
chegou a ser zerada em nenhum estado, dos 9 localizados na Amazônia, nem por um
único ano sequer.
Desnecessário mencionar a cobrança internacional, que a cada dia
se acentua, a fim de que o país impeça a devastação florestal na Amazônia.
A verdade é que, com o passar do tempo, a humanidade está se
tornando mais consciente quanto à necessidade de valorização e manutenção dos recursos
naturais, bem como quanto às implicações ambientais decorrentes de um modelo de
crescimento econômico que não leva em conta a resiliência dos ecossistemas.
Não à toa, termos como sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável são repetidos nas conferências da ONU, sob uma leitura cada vez
mais intransigente em relação a todo e qualquer desmatamento – inclusive e
sobretudo o legalizado, vale dizer, o que é realizado, no Brasi, sob o amparo do
Código Florestal.
Nesse contexto, mostra-se mais que oportuno situar o processo de
construção do ideário do desenvolvimento sustentável, a fim de identificar as
interfaces existentes entre esse conceito e o desmatamento na Amazônia.
Ocorre que as ideias antagônicas defendidas pelas duas principais
vertentes do ambientalismo – preservacionismo e conservacionismo –, que disputam
entre si espaço político na gestão ambiental nacional, expõem visões diferentes
tanto em relação à sustentabilidade quanto ao desmatamento zero na Amazônia.
Por exemplo, os partidários do preservacionismo defendem a criação
de unidades de conservação do grupo da proteção integral – Estação Ecológica,
Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida
Silvestre – como principal elemento para a Amazônia alcançar sustentabilidade por
meio do limitado crescimento econômico promovido pela pecuária extensiva.
Em síntese, segundo preconiza essa corrente de pensamento, a
proteção integral de determinadas porções de ecossistemas, onde não se permite a
presença humana, seria suficiente para neutralizar os impactos ocasionados pela
completa substituição da biodiversidade florestal nas demais áreas destinadas à
criação extensiva de gado (leia-se: desmatamento legalizado), garantindo-se,
dessa maneira, uma suposta manutenção do equilíbrio ecológico.
De outra banda, os adeptos do conservacionismo acreditam na
possibilidade de compatibilização do modelo de desenvolvimento com os
requisitos da sustentabilidade. Para os conservacionistas, o uso múltiplo e
comercial da biodiversidade florestal pode gerar riqueza, desde que esteja
inserido dentro do sistema econômico vigente e desde que seja respeitada a resiliência,
ou capacidade de suporte, do ecossistema.
Apoiam, nesse sentido, a criação de unidades de conservação
inseridas no grupo do uso sustentável – Área de Proteção Ambiental, Área de
Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva
de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do
Patrimônio Natural –, como proposta adequada para o crescimento econômico
ancorado no uso múltiplo da biodiversidade florestal.
São, por conseguinte, defensores do desmatamento zero – ou seja, pugnam
pela erradicação de todo e qualquer desmatamento, seja ilegal ou legalizado,
seja efetuado pelo grande ou pelo pequeno produtor –, como princípio elementar
para conquista da sustentabilidade ecológica na Amazônia.
Não admitem, por isso, a completa substituição ou o corte raso da
biodiversidade florestal, como também não aprovam a existência de áreas onde
não seja autorizada a presença humana.
Trata-se, sem dúvida, de uma concepção bem mais complexa e de
difícil aceitação do que o ponto de vista defendido pelo preservacionismo – que
se baseia, grosso modo, na mera segregação de espaços: enquanto em determinadas
áreas pode desmatar tudo, em outras, ninguém entra.
Ao que tudo indica, porém, o desmatamento legalizado admitido
pelos preservacionistas está com os dias contados. Os países que assinaram o
Acordo de Paris em 2015 não fazem distinção entre o desmatamento legalizado e o
ilegal, e são intolerantes quanto a toda forma de desmatamento na Amazônia.
Em âmbito mundial, os preservacionistas estão perdendo a batalha
ideológica, o desmatamento zero irá prevalecer.
Há mais um fator que reforça a defesa do desmatamento zero como
elemento central para o desenvolvimento sustentável amazônico. É que perdeu a
validade o argumento de que as terras da Amazônia deveriam ser cultivadas para
alimentar o mundo.
Argumento reiterado no decorrer da década de 1970 – quando ainda
se acreditava que o solo da Amazônia, após a supressão da floresta, teria papel
essencial na solução do dilema entre crescimento demográfico x oferta de
alimentos –, mas que já foi completamente superado e hoje não passa de um
grande despropósito.
Como demonstra a realidade, a revolução verde proporcionou aumento
expressivo de produtividade em todo solo agriculturável disponível no planeta,
o que solucionou o dilema e afastou a biodiversidade florestal da Amazônia do imbróglio.
Enfim, não existem ganhos de ordem social ou econômica que
justifiquem conviver com a destruição florestal na Amazônia e seus efeitos
nefastos para o aquecimento do planeta e as consequentes alterações no clima.
Não há plano B.
Zerar o desmatamento legalizado é o primeiro passo para o
desenvolvimento sustentável da Amazônia, tudo depende disso.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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