* Ecio Rodrigues
De forma
geral, todos os anos, no período de seca, quando surge o risco de ocorrência de
incêndios florestais na Amazônia, o clamor e a gritaria costumam ser intensos.
Contudo, as apreensões não se convertem em ações efetivas.
Aqui,
importa diferenciar os incêndios florestais das queimadas, eis que muitas vezes
os jornalistas (e mesmo uma parcela dos ativistas ambientais) não fazem essa distinção
e, equivocadamente, abordam os dois perniciosos eventos como se similares
fossem – ou seja, como se correspondessem a duas designações diferentes para a
mesma mazela.
Ocorre
que, muito embora o fogo ateado para a limpeza de pastos ou roçados possa sair
do controle e, uma vez favorecido por fatores climáticos, possa alcançar a
floresta, os dois conceitos não se confundem: enquanto a queimada configura prática
agrícola de periodicidade anual amplamente empregada no meio rural, principalmente
para a renovação de pastos, o incêndio florestal atinge as árvores em seu
ambiente.
Tendo
em vista que a floresta tropical, por conta de sua umidade, dispõe de natural
proteção contra o fogo, trata-se o incêndio de sinistro raríssimo, mas, quando
acontece, suas consequências são muito trágicas.
Resumindo,
queimada não é sinônimo de incêndio florestal. E vice-versa.
Todavia,
a confusão entre um e outro atrapalha bastante as discussões e, por
conseguinte, a cobrança por respostas efetivas.
Por
sinal, os gestores ambientais se aproveitam desse equívoco para confundir ainda
mais a imprensa e, obviamente, desviar do assunto. A imprensa, por seu turno,
perde um tempo considerável refutando as quase sempre disparatadas declarações
do governo. Enquanto isso, ano após ano os problemas se agravam, sem que se vislumbre
saída nem para as queimadas nem para os incêndios florestais.
Mas o
tempo urge, é preciso agir. Para chegar a soluções de curto prazo, a política
pública deve se guiar por dois caminhos.
O primeiro
aponta para a imposição de medidas destinadas a zerar, já em 2022, as queimadas
na Amazônia, em especial a decretação de abrangente moratória, proibindo o
licenciamento da prática durante todo o período de seca (que vai de maio a
outubro).
O segundo,
que diz respeito aos incêndios florestais, é bem mais complexo, pois parte do
leite já foi derramado. Isto é, de acordo com as evidências científicas, o
desmatamento na Amazônia (que é perpetrado, sobretudo, para fins de instalação
de pastos) causou a fragmentação de áreas florestais em porções descontínuas –
o que, no caso de determinadas localidades e sob determinadas circunstâncias,
cria condições propícias à deflagração de incêndios.
Significa
dizer que nessas localidades – algumas das quais, inclusive, como a Reserva
Extrativista Chico Mendes, já foram objeto de projetos de pesquisa – o risco de
a biodiversidade florestal vir a ser consumida pelo fogo é elevado.
Não
se pode esquecer, afinal, que uma conjugação de fatores como umidade relativa
baixa, longo período sem chuva e queimadas de pasto no entorno resultou na catástrofe
que teve lugar no Acre em 2005, quando mais de 200.000 hectares de florestas arderam
em chamas.
Em
tal contexto, uma alternativa disponibilizada nos Estados Unidos e na Austrália,
países onde as florestas (nativas e plantadas) estão sujeitas a permanente ameaça
de incêndios, é o seguro rural.
Certamente
o debate em torno da securitização de áreas de floresta nativa da Amazônia é
muito recente, revestindo-se de extrema complexidade – a despeito da
experiência acumulada pelas companhias seguradoras na análise de risco.
Não
à toa, essas organizações já desenvolveram metodologias voltadas para quantificar
e precificar o risco de sinistro em relação às florestas plantadas do Sul e
Sudeste do país.
Pois
bem, o desafio é trazer essa experiência para o espaço amazônico, onde a
floresta nativa, por um lado, coexiste com a pecuária extensiva (que emprega a
queimada de forma corriqueira) e, por outro, sofre os efeitos da seca extrema,
causada, por sua vez, pelo desequilíbrio do clima.
Na realidade
da Amazônia, a legislação permite que o produtor faça uso da queimada todos os
anos, mas quando o fogo extrapola o pasto e avança sobre a reserva legal, favorecido
pelas condições climáticas, o que era queimada pode se transformar em incêndio
florestal.
Se a
queimada representa uma ação intencional e premeditada de aproveitamento do
fogo, um incêndio florestal adquire proporções de tragédia, causando prejuízos
exorbitantes.
A pergunta a ser respondida é de que maneira é
possível determinar, no que respeita ao sinistro incêndio florestal, o risco
decorrente da ação humana, ao desmatar e queimar, e ao mesmo tempo, o decorrente
dos fenômenos El Niño e La Niña.
Ao
que se observa, as empresas de seguro ainda resistem em aceitar as calamidades originadas
das alterações climáticas como passíveis de previsibilidade sob algum grau de
certeza.
Sem
embargo, já existe demanda a motivar a aplicação das metodologias de análise de
risco e de elaboração de plano de contingência em face dos incêndios florestais,
o que abre espaço para um novo e importante campo de atuação das seguradoras.
Encerrando,
a criação extensiva de boi, atividade que depende do desmatamento e que se vale
da queimada como procedimento usual, está na origem do risco de ocorrência de incêndios
na floresta amazônica – até mesmo quando praticada pelo pequeno produtor.
Romantismo
à parte, a perda econômica resultante de cada hectare de biodiversidade florestal
eventualmente destruído pelo fogo justifica, por óbvio, a discussão sobre a
securitização.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre
em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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