* Ecio Rodrigues
Vez ou
outra aparece na mídia alguma notícia alusiva à reativação de seringais nativos
na Amazônia, sacudindo o imaginário popular com a possibilidade de ressurgimento
da era de ouro da borracha – quando a região alcançou uma pujança econômica
jamais repetida.
Mas como
disse certa feita um ex-seringalista, a coleta do látex nos dias atuais só
seria possível por meio da “convocação de espíritos”.
Referia-se
ele ao fato de que os seringueiros, que dominavam as técnicas de exploração da Hevea brasiliensis, já morreram todos,
levando consigo sua expertise – sendo que seus descendentes ou migraram para as
cidades ou, seguindo no mesmo caminho traçado pela maioria dos pequenos
produtores amazônidas, partiram para a criação extensiva de boi, na (vã)
expectativa de um dia se tornarem grandes pecuaristas.
Enfim,
ainda que a extração da seringa voltasse a apresentar alguma chance de viabilidade
econômica (o que não é o caso), sequer haveria trabalhador especializado a permitir
a retomada da atividade.
A
história registra dois ciclos econômicos da borracha, períodos de pico de
produção gomífera na região amazônica.
O
primeiro e de maior riqueza decorreu da nascente indústria do automóvel e durou
de 1880 a 1911; o segundo, que veio no rastro do esforço de guerra, de 1940 a
1945.
O ciclo
mais importante surgiu com a descoberta do processo de vulcanização – o que asseguraria
matéria-prima para outra indústria em ascensão, a dos pneumáticos.
A
tecnologia da vulcanização forneceu à borracha oriunda das seringueiras (não a
sintética, que é subproduto do petróleo) a dureza e a estabilidade requerida pelos
pneus dos veículos automotores. Foi o salto para o crescimento de um mercado inesgotável
de produtos que demandam elastômeros.
A
quantidade de trabalhadores arregimentados do Nordeste (fenômeno denominado por
Celso Furtado de “transumância amazônica”) e a infraestrutura erigida mediante
a exploração de uma única espécie vegetal, das centenas presentes na
biodiversidade florestal, causaram forte impressão em renomados economistas e
sociólogos, entre outros estudiosos, que se esforçaram para esmiuçar aquele momento
histórico e inventariar a riqueza trazida à região pela seringueira.
Hegemônica
no mundo até 1911, quando os seringais cultivados da Malásia começaram a
mostrar inigualável força e produtividade, a borracha nativa garantiu à
Amazônia, simultaneamente e ao longo de mais de 30 anos, ganhos econômicos e
sustentabilidade ecológica. Nenhum outro produto – de origem florestal,
agropecuária ou mineral – chegou nem perto disso.
Sem
condições de competir com os malaios, a produção amazônica entraria em declínio,
ocasionando uma retração econômica de difícil recuperação. Esse declínio pode
ser facilmente explicado pela teoria da inelasticidade da oferta.
Acontece
que no seringal nativo a ocorrência da espécie se limita (em média) a menos de
5 árvores por hectare. Por outro lado, na Amazônia não é possível o cultivo
domesticado, em razão da presença do fungo Microcyclus
ulei, que causa o “mal das folhas”, doença que ataca os plantios e acaba
por matar as árvores de seringa.
Diante da
impossibilidade de ampliar sua oferta, os seringais nativos não competem com os
cultivados, que podem chegar a mais de 500 árvores por hectare.
Com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial a Malásia foi ocupada pelo exército alemão, e
a borracha da Amazônia recuperou brevemente sua proeminência. O fim do
conflito, em 1945, trouxe a decadência definitiva.
Posteriormente,
a partir da década de 1970, os produtores do Sudeste do país, área de escape do
mal das folhas (onde o fungo não prolifera) foram estimulados a plantar a Hevea – o que levou ao surgimento de cultivos
homogêneos nessa região, principalmente em São Paulo.
Hoje a
borracha nativa já não compete nem com os seringais paulistas – que desde 1992 superam
toda a produção amazônica no mercado de pneumáticos –, sendo extraída em escala
insignificante para as estatísticas e tendo perdido completamente sua
importância comercial.
Mas a
biodiversidade florestal da Amazônia vai muito além da borracha. E o mercado de
carbono está só começando.
*Engenheiro
Florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em
Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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