* Ecio Rodrigues
Todo produtor
rural no Acre sabe que o pasto deve ser queimado em setembro, de preferência em
torno do – ou no próprio – dia 5, o “Dia da Amazônia”.
É que
depois da primeira semana de setembro o risco de chuva aumenta, e basta
chuviscar para comprometer o resultado esperado – isto é, transformar o capim ou
os restos do desmatamento no adubo das cinzas.
Embora
recebida todo ano com surpresa por uma imprensa de pouca memória, a temporada
das queimadas no Acre acontece desde sempre. E a despeito de as medições do
Inpe terem se iniciado em 1988 – há 34 anos, portanto –, nunca nenhuma medida
de controle efetivo e decisivo chegou a ser tomada por nenhum governo estadual.
Nos
últimos 5 meses os pecuaristas no Acre queimaram mais que a média dos últimos
34 anos, e neste mês a média foi superada mais cedo, no dia 10.
Vivemos
assim mais um setembro cinza. Novamente a fumaça tomou o céu do Acre, abafando
ainda mais o clima, elevando o calor ao limite do insuportável, ocasionando infecções
respiratórias e superlotando hospitais com idosos e crianças.
Para
piorar, até o final do mês chove pouco, o solo resseca, a sensação térmica de
mormaço aumenta e a umidade relativa cai. Uma combinação perigosa numa região com
excesso de matéria orgânica, que traz risco de incêndios florestais.
Chegar
às causas das queimadas deveria ser questão de prioridade para os gestores. Mas
nunca foi.
Ocorre
que para erradicar o procedimento pernicioso e incivilizado é preciso, antes de
tudo, compreender as razões que levam o produtor a queimar.
O primeiro
passo consiste no reconhecimento de que a origem das queimadas está na criação
extensiva de boi e que existem alternativas a essa prática rudimentar.
Ou
seja, por um lado é falso o pretexto – sempre levantado, quando a questão vem à
tona – de que o produtor precisa queimar para aplacar a fome.
Esse
argumento não passa de uma desprezível chantagem dirigida aos habitantes dos
centros urbanos, que sofrem as consequências da fumaça e somam mais de 80% da
população do estado. O dilema, por óbvio, não reside em queimar ou não ter
comida.
Por
outro lado, todo pecuarista no Acre, pequeno ou grande, tem condições de acessar
pelo menos um trator – seja próprio ou cedido por governo, prefeitura,
sindicato etc. – que lhe permita arar o solo em vez de empregar um método tão
nocivo ao meio ambiente e aos seres humanos.
Dessa
forma, a instituição de tolerância zero em relação às queimadas, coibindo-se a
prática irrestritamente, sem excepcionar situações, é uma medida perfeitamente possível
de ser posta em prática – mas que depende, claro, de vontade política.
Se
pelo aspecto social o cotidiano da população urbana se torna um suplício, pelo
aspecto econômico e ecológico os impactos das queimadas são ainda mais contundentes,
em vista, entre outros, do esgotamento do já precário sistema público de saúde
e da destruição da biodiversidade florestal, a mais importante fonte de riqueza
estratégica do estado. Tudo em nome de uma produção rural que traz escasso
retorno à sociedade.
Mas, se
é assim, se o produtor tem alternativa, se 80% da população é afetada, se os custos
econômicos, ecológicos e sociais são muito superiores aos benefícios gerados, por
que não há e nunca houve vontade política para abolir as queimadas?
Estamos
em pleno período eleitoral. O assunto deve ser trazido ao debate. Precisamos discutir
as queimadas, de maneira aberta, sem subterfúgios nem ranço ideológico. Por que
nenhum candidato se dispõe a fazê-lo?
*Engenheiro
florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em
Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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