* Ecio Rodrigues
Gatos
e cachorros são o melhor exemplo de bichos que há séculos vêm sendo domesticados
– e que, por meio de cruzamentos estimulados pelo homem, chegaram a uma
quantidade exorbitante de raças e sub-raças.
E existem
também as espécies que a humanidade domesticou para saciar sua fome e atender à
demanda diária por proteína animal.
Graças
à posição privilegiada dos humanos, que estão no topo da cadeia alimentar, grande
variedade de carnes é produzida com alta tecnologia, e o Brasil é um dos
expoentes nesse setor da economia.
Carne
de boi, de peixe, de frango e outras aves, apenas para ficar nas mais comuns,
são responsáveis pela saúde de mais de 8 bilhões de humanos, sendo os animais criados,
com sucesso, para esse fim específico – alimentar o homem.
Animais
selvagens são aqueles que ainda não foram, por assim dizer, domesticados por
completo mediante o emprego de tecnologias amplamente conhecidas em muitos
países.
No
Brasil, bichos do mato, ou selvagens, podem ser abatidos após criação em
cativeiro e controle sanitário rígido da carne, para venda em supermercados e
lojas especializadas. Mas os criatórios dependem de licenciamento ambiental
pelo Ibama, o que é considerado um dos maiores entraves para quem quer se
arriscar nessa lucrativa atividade.
Porém,
quando o tema é a coexistência dos animais selvagens na casa das pessoas, para
criação como bicho de estimação, a polêmica vai longe e se arrasta desde o início
da década de 2000.
Veja
bem, o animal selvagem não será abatido para consumo, pelo contrário, será
cuidado, sob custos muitas vezes elevados, por quem gosta do bicho e por essa
razão de dispôs a pagar – caro, diga-se – por essa companhia.
Novamente,
não se trata de comer a carne do animal, o que é legítimo, a despeito de o tema
suscitar uma discussão um tanto romântica, relacionada ao direito do homem de matar
e comer um bicho, e que desconsidera o fato de a humanidade fazer isso desde
que o Homo sapiens superou o Neandertal
na caça de proteína animal.
Criar
ou cuidar de um animal selvagem em casa, na condição de bicho de estimação – ou
pet, na língua inglesa –, representa uma tentativa de aproximar o homem da
natureza, algo que inclusive é discutido por filósofos que estudam a existência
e o futuro dos humanos.
A
polêmica atual, que estava travada desde 2007, quando uma resolução do Conama impôs
dificuldades praticamente insuperáveis para a instalação de criatórios, surgiu
depois que a Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio
Ambiente) propôs uma lista de bichos selvagens para discussão pelo próprio
Conama.
Crucial
e oportuna, a iniciativa da Abema vai permitir, uma vez aprovada a nova “Lista
pet selvagem”, que animais selvagens brasileiros (a maioria nativos da
Amazônia) com potencial para serem criados como bicho de estimação sejam introduzidos
no mercado por criatórios legalizados.
Não
poderia ser diferente. A lista da Abema apresenta todos os animais que, de uma
maneira ou de outra, nos últimos 20 anos e em todo o território nacional,
apresentaram demanda para comercialização com tal finalidade.
Por
isso estão ali alguns primatas e também paca, jiboia, calango, iguana, jabuti, anta,
jaguatirica – e, claro, os psitacídeos líderes de mercado papagaio e
arara.
Os
argumentos contrários à lista da Abema não se sustentam, principalmente por
dois motivos: estão eivados de um romantismo esdrúxulo e carecem de base científica
elementar.
Acontece
que, para os defensores míopes de um suposto direito constitucional dos animais
selvagens, os bichos devem ficar intocáveis, como se possível fosse, em
ambiente silvestre.
Sem
contar a redução drástica e paulatina anualmente causada pelo desmatamento desse
ambiente que se supõe acolhedor, na verdade os bichos são expostos a uma série
de perigos diários, em decorrência dos predadores naturais comuns em um meio hostil
e que ameaçam sua sobrevivência.
Por
outro lado, além do direito a ficar no mato, o que a Abema não está discutindo,
os animais selvagens, segundo os desinformados, portam doenças que poderiam apresentar
risco à saúde humana.
Ora,
a conclusão romântica é que os bichos correm risco de vida com os humanos e
vice-versa.
Deixa-se
de considerar que os criatórios, obrigatoriamente, devem garantir a sanidade dos
pets selvagens antes de entregá-los nas mãos dos futuros cuidadores, que, por
sua vez, vão assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos animais.
Mas ainda
é cedo para essa polêmica. Existe um longo caminho a ser percorrido para aprovar
a Lista pet selvagem, convencer empreendedores a investir em criatórios e
ofertar os animais de estimação.
Enquanto
isso, os bichos amazônicos continuam a ser comercializados por outros países – e
dentro da legalidade. Mas isso é conversa para outro artigo.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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