segunda-feira, 1 de março de 2021

Resistência pública e resiliência dos rios

 * Ecio Rodrigues

Derramar lágrimas pelas mazelas que afligem o Acre é uma demonstração de solidariedade. Só isso. Na lista de tragédias que pode parecer interminável somou-se a alagação – que não houve em Rio Branco, diga-se, mas aconteceu em Tarauacá. Então, vamos lá. Queimadas, desmatamento, haitianos, covid, dengue, seca – e alagação. Flagelos que certamente podem se amenizados pela solidariedade da população do estado e do restante do país. Jamais resolvidos. A solução existe, mas para se tornar realidade depende de uma equipe de gestores públicos com capacidade técnica e competência.

Publicado originalmente em 12/04/2015, esse artigo discute as soluções para o caso das secas e alagações, sintetizadas no que os autores chamaram de resistência pública e resiliência do rio.

 

Como tudo na vida, a alagação e a seca que atingem os rios na Amazônia têm causa e consequência.

Para resolver o problema de maneira definitiva, sem paliativos, as ações de política pública devem ser direcionadas no sentido de abolir as causas e de tornar as consequências aceitáveis para a sociedade.

Para além da assistência prestada aos atingidos pelas alagações, e das medidas de racionamento adotadas em função da seca, a atuação da gestão pública deve se pautar por dois tópicos bem demarcados: resistência pública e resiliência dos rios.

A resiliência dos rios, vale dizer, sua capacidade de reagir às flutuações extremas de vazão, está no cerne da questão: a ampliação dessa resiliência é a saída para restabelecer o equilíbrio hidrológico dos cursos d’água, atacando-se o problema pela causa.

É preciso ter em conta, por outro lado, que, quando se trata do desequilíbrio hidrológico dos rios e da alteração drástica do regime pluviométrico – fatores que explicam tanto a seca nas represas do Sudeste quanto a alagação nos rios do Acre –, é necessário um intervalo de tempo relativamente elástico para solucionar as causas. Nesse período, a população terá que conviver com algum tipo de transtorno – e é aí que entram as ações de resistência pública.

O passo inicial e decisivo para a resistência pública é o reconhecimento de que eventos extremos, como as alagações e sobretudo as secas, deixaram de ser sazonais – ou seja, já não obedecem a interstícios de ocorrência de 10 anos ou mais. Esses eventos, desde pelo menos os últimos 5 anos, têm incidência anual, já não podem causar espanto; ninguém pode alegar, tampouco, que foi pego “desprevenido”.

É necessário levar a cabo, portanto, medidas imediatas – no propósito, entre outros, de promover a desocupação dos terrenos alagadiços; de efetuar a urbanização dessas terras para o fim de convertê-las em áreas verdes; de fomentar a arborização urbana, melhorando os indicadores que medem o número de árvores por habitante.

O planejamento da resistência pública envolve ainda o monitoramento permanente das condições de pluviosidade, de modo a se obter um conjunto de dados cada vez mais preciso. Para tanto, é indispensável o investimento na aquisição de equipamentos e na contratação de técnicos e especialistas.

Mas o maior desafio da gestão pública está mesmo no embate para resolver as causas do desequilíbrio hidrológico dos rios, por meio da ampliação de sua resiliência.

Nesse quesito, a providência primeira diz respeito ao alargamento do calado, com a retirada e dragagem do material acumulado no leito ou no fundo do rio. O período de seca é a época ideal para esse tipo de medida – que, sabe-se lá por que cargas d’água (com o perdão do trocadilho), nunca chegou a ser efetivada.

A etapa seguinte envolve a restauração florestal da mata ciliar. Sem embargo das dificuldades políticas que resultaram nas abstrusas definições contidas no Código Florestal a respeito da largura mínima da faixa de mata ciliar, parece ser consenso no meio científico de que essa “largura legal” perdeu a validade.

Será necessário calcular uma “largura técnica”, isto é, a largura ideal que a faixa de mata ciliar deverá ter em cada município situado ao longo da bacia do rio Acre, a fim de ofertar, com maior eficiência, o serviço de equilíbrio hidrológico do rio. Uma nova negociação política, mais sóbria, se faz urgente.

Por fim, não se pode esquecer: queimadas nunca mais! É melhor aproveitar o ensejo para banir de vez essa prática nefasta.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Nenhum comentário:

Postar um comentário