* Ecio Rodrigues
A Lei 9.985/2000, que instituiu o Snuc
(Sistema Nacional de Unidades de Conservação) está completando 20 anos – sem a
devida comemoração, entretanto.
O
Snuc representa um avanço sem precedentes, ao permitir, em especial a partir da
regulamentação trazida pelo Decreto 4.340/2002, que as terras com
atributos ecológicos passassem a gozar de proteção legal especial.
Significa
dizer que sempre que uma determinada área apresente atrativos diferenciados e que
importem ser protegidos do processo de ocupação vigente na respectiva região,
essa área – de floresta, de mar, de montanha etc. – poderá ser declarada de especial
interesse para os brasileiros.
A maior
parte das unidades de conservação hoje existentes foi criada pelo governo
federal. Excetuando-se o governo atual, todos os anteriores, a partir da
introdução do Snuc, tiveram a atitude republicana de instituir UCs, na
categoria que consideravam mais pertinente.
Assim,
aos poucos e de maneira paulatina e ininterrupta – até a ascensão do governo atual,
repita-se –, foram sendo adicionadas ao Snuc novas terras e superfícies
marinhas que demandavam proteção especial pela legislação.
Graças
a essas relevantes iniciativas, quase 15% do território florestal da Amazônia goza
de proteção legal – e, dessa forma, dispõe da garantia fundiária imprimida pelo
formato unidade de conservação, estando sob a tutela de um órgão federal, no
caso o ICMBio, nos termos estabelecidos pelo SNUC.
Não
à toa, o Brasil detém reconhecimento internacional por ser um dos países com
maior extensão de terras protegidas como unidades de conservação, distribuídas em
todos os cinco biomas: cerrado, mata atlântica, caatinga, pampa e, claro,
Amazônia.
Há
quem questione a importância das UCs, sob o argumento pífio de que se trata
apenas de um instituto jurídico, sendo que, na prática, o atributo ecológico a
ser protegido continuaria ameaçado – e não seria a mera edição de um decreto
que alteraria essa realidade.
Um
grande disparate.
Não
há dúvida científica quanto à salvaguarda fornecida pelo decreto de criação de
uma unidade de conservação, e há uma profusão de estatísticas que comprovam que
a instituição da UC potencializa de forma indiscutível a proteção da terra e de
suas características ecológicas.
Por
sinal, o atual governo federal, incapaz de entender a importância das unidades
de conservação, mas, por outro lado, numa demonstração de reconhecimento de seu
significado para a proteção fundiária, nem cogita criar novas UCs.
Igualmente,
parlamentares pouco informados não cansam de propor iniciativas no intento de
desafetar ou reduzir o perímetro de UCs já criadas. Propostas que, para além do
fato de serem desprovidas de fundamento, não prosperam, diante do peso moral de
que dispõem as unidades de conservação e do grande desgaste político que
causaria a desconstituição ou alteração dessas áreas.
Mas há
uma novidade.
Entidades
de grande porte vinculadas ao setor rural, como a Indústria Brasileira de
Árvores e a Associação Brasileira do Agronegócio, estão organizando o Fórum
Mundial de Bioeconomia, que vai acontecer no Pará, em outubro próximo.
Por
bioeconomia, entenda-se a possibilidade de gerar emprego e renda por meio do
aproveitamento econômico de atributos ecológicos existentes em ecossistemas, como
os protegidos em unidades de conservação.
O
governo federal, que execra UCs, mas tem declarado apoio à bioeconomia defendida
pelo agronegócio, certamente se deparará com mais um paradoxo: como é possível,
no âmbito da bioeconomia, tolerar a criação de boi na Amazônia e desprezar as
unidades de conservação?
De
que maneira se pode ignorar o peso das unidades de conservação para o
desenvolvimento econômico, quando ¼ da água potável que atende à demanda urbana
(algo em torno de 4,03 bilhões de m³ de água por ano) é diretamente influenciada
por unidades de conservação?
Ou
quando 44% da geração de energia em hidroelétricas se assenta na área de
influência direta de UCs?
Unidades
de conservação e criação de boi na Amazônia não podem fazer parte do mesmo
almoxarifado da bioeconomia. Tem que tirar o boi.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor
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