terça-feira, 9 de novembro de 2021

COP 26 vai exigir investimento na geração de energia hídrica, eólica e solar

 * Ecio Rodrigues

Dois pontos são centrais nas negociações em curso na COP 26, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que está se realizando em Glasgow, Escócia, e vai até 12 de novembro – desmatamento zero e energia limpa.

Embora o primeiro diga respeito a todas as florestas existentes no planeta, ninguém duvida que a devastação da floresta amazônica é, de fato, o que mais chama a atenção e mais interessa à humanidade.

Não à toa, as discussões se reportam ao compromisso assumido pelo Brasil perante o Acordo de Paris, assinado em 2015 – de erradicar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.

Acontece que, como reiterado diversas vezes nesse espaço, para os países não existe distinção entre desmatamento ilegal/legalizado, posto que um e outro produzem os mesmos efeitos deletérios para o clima (para saber mais, acessar http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=5148&_ano=2021).

Em resumo, se em 2015 a promessa dos brasileiros foi recebida com certo incômodo, diante de sua timidez (o que evidenciava passividade e ausência de ousadia), na COP 26 a ONU e o mundo cobram a estipulação de uma data-limite para o fim da destruição da floresta tropical na Amazônia.

De outra banda, e da mesma forma como ocorre em relação ao desmatamento zero, para os especialistas em mudanças climáticas já não é possível esperar até 2030 para abolir o uso de combustíveis fósseis (leia-se: petróleo) na geração de energia elétrica.

Por isso, projetos destinados à construção e instalação de usinas de geração de energia mediante captação da luz solar, aproveitamento dos ventos, queima de biomassa florestal e uso da força das águas já são considerados prioridade máxima pelos fundos de investimentos e organismos multilaterais de cooperação, como o Banco Mundial.

A pergunta que vale um milhão de dólares é o que o mercado mundial de energia vai fazer no pós-COP, a fim de cumprir a sua parte no ousado objetivo de impedir que a temperatura do planeta aumente mais que 1,5ºC até o final do século.

Se por um lado esse setor é o mais pressionado, por outro é o que conta com operadoras gigantescas e poderosas do porte da Shell, da Petrobras, da Exxon e assim por diante.

Há muito dinheiro e postos de trabalho envolvidos, e – como se sabe – uma alteração tão drástica de cenário traz riscos à economia, acarretando perdas volumosas de recursos financeiros para uns e ganhos em igual proporção para outros.  O mais grave: pode comprometer a oferta de energia.

Um primeiro passo foi dado, já durante a COP. O pacto pela redução das emissões de metano, um gás de grande impacto no aquecimento de curto prazo do planeta, foi capitaneado pelos EUA e contou com assinatura do Brasil e de mais de 100 países.

A imediata redução nas emissões de metano atinge diretamente a produção do gás usado na geração de energia elétrica e como combustível de veículos. A previsão é que, nos próximos 5 anos, a contribuição do metano para o efeito estufa caia radicalmente.

O segundo passo, mais complexo, prevê a descarbonização do setor de energia elétrica, e é aí que entram os investimentos na construção de usinas para geração de energia com o uso de fontes renováveis.

O mundo assistirá, ainda na década de 2021, a um crescimento vertiginoso no número de usinas em funcionamento para geração de energia hídrica (hidrelétricas), energia solar (painéis fotovoltaicos) e energia eólica (cata-ventos).

Por fim, o terceiro passo, também crucial, alude à eletrificação dos veículos utilizados no transporte rodoviário de cargas e de passageiros.

Os céticos vão continuar não acreditando, mas é bom começar a prestar atenção, o mundo está em transformação.

  

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

COP 26 vai cobrar desmatamento zero na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Como muitos devem lembrar, o Brasil se recusou a sediar a COP 25 em 2019 – no lugar do Chile, que se encontrava em ebulição política. A COP 25 terminou acontecendo em Madri.

Não apenas por essa desfeita à ONU, mas devido também a outras afrontas e trapalhadas por parte do governo brasileiro, é bem provável que, de todas as vezes que participou de conferências mundiais sobre meio ambiente, o país chegue à COP 26 em seu contexto diplomático mais fragilizado. 

E, evidentemente, não adianta manipular os dados sobre a destruição florestal na Amazônia a serem exibidos na Escócia. Ao contrário, para que a tendência de elevação do desmatamento venha a ser contida, devem ser apresentados números factuais.

Por manipulação de dados entenda-se, por exemplo, fazer distinção entre desmatamento ilegal e legalizado – no intuito de levar a crer que o primeiro deve ser combatido enquanto o segundo seria aceitável, eis que realizado sob o amparo do Código Florestal.

Não é preciso dizer que, seja o desmatamento ilegal ou legalizado, os efeitos danosos para o clima são os mesmos. Mas, a despeito de sua estupidez evidente, essa estratégia vem sendo usada há tempos pelos gestores ambientais brasileiros. 

A cortina de fumaça (assumindo-se o trocadilho) envolve ainda juntar informações sobre o controle do desmatamento nos 6 biomas nacionais, de modo a acobertar o que realmente interessa aos países, ao mundo e à ONU: o destino da Amazônia.

As regiões nas quais a ocupação produtiva já se encontra amplamente consolidada – como é o caso dos Pampas Gaúchos, do Pantanal, da Mata Atlântica e do Cerrado, 4 dos 6 biomas presentes em território brasileiro – apresentam dados anuais com baixa alteração da paisagem florestal, que há muito foi substituída pelo agronegócio.

Dessa forma, os levantamentos relacionados ao controle e monitoramento desses biomas, que, por óbvio, são bastante favoráveis ao governo (pois, como dito, as alterações na paisagem nativa se deram anos atrás) ajudam a mascarar a realidade observada na Caatinga e, principalmente, na Amazônia.

Todavia, sem desprezar os outros biomas e os esforços do aparato fiscalizatório para reprimir as irregularidades, o mundo não está preocupado com o inexorável processo de inclusão da Caatinga nos domínios do agronegócio – e, sim, com a gravidade da destruição florestal na Amazônia.

Por outro lado, foi-se o tempo em que a ONU e os países se deixavam levar pela confusão conceitual entre desmatamento ilegal/legalizado ou pela estabilidade das estatísticas de controle do desmatamento em regiões de ocupação consolidada.

Enquanto as demais nações que assinaram o Acordo de Paris e que estarão representadas na COP 26 serão cobradas em relação à alteração de suas matrizes energéticas, a fim de substituir o petróleo por fontes limpas, do Brasil será exigido o cumprimento da meta por nós assumida de zerar o desmatamento na Amazônia.

Assim, o que o mundo quer saber é unicamente quando esse compromisso será honrado.

O fim da destruição florestal na Amazônia é o passaporte dos brasileiros para o futuro.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Grandes expectativas

 * Ecio Rodrigues

A COP 26 (Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) – que terá lugar em Glasgow, Escócia, de 1º a 12 de novembro – acontecerá em meio a esperanças renovadas.

São grandes as expectativas por resultados concretos, e existem razões para tanto. Entre outras, cite-se o fato de ser a primeira COP pós-pandemia e, ademais, de coroar o retorno dos EUA ao Acordo de Paris.

Durante a crise sanitária mundial, no decorrer de 2020, não havia, evidentemente, condições para a realização de eventos, muito menos conferências de cúpula, que reúnem centenas de dirigentes e autoridades por períodos relativamente longos.

Era necessário concentrar todos os esforços e recursos econômicos no propósito de evitar o colapso generalizado do sistema capitalista, inclusive direcionando auxílio financeiro às populações vulneráveis e às empresas mais afetadas com a paralisação da força de trabalho.

Sem embargo, a resposta da humanidade, de forma geral, se mostrou à altura do desafio imposto – tendo sido desencadeada uma corrida pelo desenvolvimento de pesquisas e aprovação de imunizantes, a fim de salvar vidas e controlar os óbitos.

E sem dúvida o papel articulador desempenhado pela ONU e pela OMS foi crucial para mitigar os efeitos de uma pandemia de proporção planetária.

Distinguindo o grau de urgência, que é bem específico para cada uma, a crise ecológica ocasionada pela emissão de carbono e consequente aquecimento global guarda semelhanças com a crise sanitária trazida pela pandemia e, em certa medida, também exige da humanidade resposta rápida e eficaz.

Se, antes, o objetivo de conter as emissões de carbono chegou a ser considerado quase inatingível – em face, por exemplo, da necessidade de alterar a matriz energética dos países para fontes limpas –, hoje as circunstâncias são diferentes.

Assim, depois da extraordinária mobilização no intuito de superar o contexto de pandemia e a imposição de quarentena, a humanidade precisa se unir em torno da economia de baixo carbono – esforçando-se para efetivar imediatamente, ainda no curto prazo, as metas pactuadas no Acordo de Paris e, desse modo, evitar tragédias na dimensão das secas que destroem ecossistemas e ampliam o risco de escassez de alimentos.

Claro que não se trata de algo simples, afinal, é difícil renunciar, mesmo que paulatinamente, aos benefícios e comodidades que a era do petróleo nos proporcionou ao longo do século XX.

Daí a importância da COP 26 e as perspectivas abertas com a realização da conferência.

Diante do retorno da maior economia mundial ao Acordo de Paris, demonstrando forte disposição para construir consensos em torno do denominado “Novo Pacto Verde” (Green New Deal), o clima é de otimismo, e há motivo de sobra para acreditar que o tema das mudanças climáticas alcançará o status de agenda emergencial.

Oxalá a Cop 26 suscite uma corrida entre os países para produzir uma “vacina” que nos imunize contra os combustíveis fósseis.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

ONU alerta: planeta está no limite do aquecimento e o desmatamento da Amazônia tem muita culpa

 * Ecio Rodrigues

Em documento atípico, por conter termos categóricos que mesclam ameaças e alertas, os mais de 3.000 cientistas, incluindo 20 brasileiros, que integram o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apresentaram o 6º relatório produzido pela organização desde sua criação, em 1988.

Publicado em 8 de agosto último, o pronunciamento do IPCC traz conclusões acerca das evidências indicadas no 1º relatório, divulgado em 1990 – com relação ao aumento de temperatura do planeta e, não menos importante, à participação do Homo sapiens nesse processo.     

As respostas são incisivas e inquietantes. Não há nenhuma dúvida quanto à constatação de que o planeta está esquentando, restando apenas aferir se a elevação da temperatura na Terra será de 10, 1,50 ou 20 até 2050.

A péssima notícia é que, nas 3 simulações empreendidas, ficou demonstrada a ocorrência de tragédias ambientais – que, entre outras implicações, afetarão parte considerável das populações que vivem próximas ao nível do mar, como é o caso dos habitantes da maioria das capitais amazônicas.

A única saída, como defende o IPCC, é atacar as causas do aumento de temperatura, de modo a estabilizar o termômetro. Mas é necessário bem mais empenho do que o despendido hoje para neutralizar os agentes do aquecimento.

E o IPCC foi taxativo quanto ao fato de que a culpa pelo aquecimento é exclusivamente da humanidade.

São as atividades produtivas, levadas a efeito para atender à demanda humana por alimentação, moradia, transporte e vestuário – para ficar apenas nas necessidades mais básicas –, que lançam aos céus uma quantidade de gases impossível de ser assimilada pelo planeta, principalmente CO2 (dióxido de carbono), o gás com maior participação na elevação da temperatura global.       

Os países mais industrializados, quase todos integrantes do Hemisfério Norte, devem encontrar meios de reduzir suas emissões de carbono sem comprometer a capacidade de satisfazer às necessidades das gerações atuais e futuras.

De outra banda, os países do Hemisfério Sul – cujas emissões provêm basicamente do agronegócio – devem realizar sua produção agropecuária sem comprometer áreas de florestas nativas.

É aqui que entra a Amazônia e a responsabilidade dos brasileiros para com o mundo.    

O planeta aquece por conta, sobretudo, de dois fatores: consumo de combustíveis fósseis (especialmente para viabilizar as indústrias); e avanço do agronegócio sobre áreas de florestas. Pela primeira vez, o IPCC dimensionou as duas principais contribuições humanas para as mudanças climáticas.

Ou seja, não adianta levantar questionamentos e suspeições, o desmatamento contribui para o aquecimento do planeta – isso é fato científico.

Dispensável ressaltar que, no que respeita às mudanças climáticas, o IPCC é a mais capacitada, conceituada, influente e representativa autoridade científica do mundo, sendo inquestionáveis suas conclusões.

Não à toa, o rigoroso e abrangente trabalho desenvolvido por esse organismo, que analisa os resultados das pesquisas científicas sobre o clima em âmbito mundial, foi laureado com o Nobel da Paz em 2007.

Em síntese, os renomados cientistas do IPCC advertem e pressionam os países, a fim de que assumam imediatamente medidas de redução da quantidade de carbono produzido – para o bem da humanidade.

Cabe aos brasileiros mostrar ao mundo que a meta de zerar o desmatamento na Amazônia será alcançada – até 2030.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

domingo, 10 de outubro de 2021

Julho de 2021, o mês mais quente da existência humanaJulho de 2021, o mês mais quente da existência humana

 * Ecio Rodrigues

Depois da publicação do 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que chocou o mundo com o alerta catastrófico sobre o aquecimento do planeta, outra notícia desagradável: julho de 2021 bateu recorde de calor.

Não foi a primeira vez que julho foi considerado o mês mais quente da história – pelo menos desde que foi possível esse tipo de medição, ainda no início da Revolução Industrial, em 1880.

O recorde anterior ocorreu em 2015, de acordo com os cálculos da Noaa, a agência oceânica e atmosférica americana (para saber mais, acessar http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=3127).

Divulgado em 13 de agosto último, o registro da Noaa para julho de 2021 reforça a tendência de aquecimento global reiteradamente apontada pelo IPCC – que vem prevendo novos recordes nos próximos anos se medidas de contenção não forem imediatamente adotadas.

De maneira unânime, o que não costuma acontecer no âmbito da ciência, os cientistas recomendam aos países a implementação de ações e projetos com o objetivo de reduzir, no curto prazo, o consumo de combustíveis fósseis (leia-se: petróleo).

Entre os setores intensivos em emissão de dióxido de carbono (considerado o principal gás do aquecimento), os prioritários para a transição para uma matriz limpa são o setor de energia elétrica e o de transporte.

A construção de usinas para a geração de energia hídrica, solar e eólica, bem como a substituição do sistema de combustão (diesel e gasolina) pelo elétrico nos veículos automotores estão no topo da lista dos bancos e fundos de investimentos para o financiamento de projetos.

Inclusive, o Banco Mundial e o Banco Interamericano, os dois mais importantes agentes financeiros que atuam nas Américas, conferiram à geração de energia elétrica limpa e aos motores elétricos o status de assunto emergencial.

Com relação aos sumidouros de carbono (como as florestas são denominadas pelo sistema financeiro), os cientistas da Noaa e do IPCC são veementes na advertência de que é preciso urgentemente ampliar as áreas de floresta e, mais urgente ainda, zerar o desmatamento na Amazônia.

Não à toa, em assembleia-geral realizada no início do ano, a ONU proclamou a década que começa em 2021 como “Década da Restauração de Ecossistemas” – induzindo os países a investir vultosos recursos no plantio de florestas para recuperar, ou restaurar, ecossistemas degradados.

É aqui que surge de forma destacada a meta do desmatamento zero na Amazônia, há muito cobrada pela Europa e, mais recentemente, pelos Estados Unidos.

Não são necessários grandes esforços de análise geopolítica para perceber que o cerco em torno do desmatamento da Amazônia está se fechando, sendo que o mundo já não se dispõe a tolerar a ampliação da taxa anual, como vem ocorrendo desde 2012 (único ano em que foram desmatados menos de 5.000 km2 de florestas).

Quando sucessivos recordes de calor nos levam a suportar, repetidamente, os meses e anos mais quentes de nossas vidas, as consequências são secas, alagações, incêndios, tsunamis e outras tragédias decorrentes das mudanças climáticas.

O cerco está se fechando, e para a Amazônia – tanto em termos ambientais quanto econômicos e sociais – só há uma saída: zerar o desmatamento.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Desmatamento zero é a chave para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Não será pela força do mercado ou por graça divina, a contenção do desmatamento que todos os anos se alastra sobre novas áreas de floresta – e, em igual medida, a restauração florestal do que já foi destruído – depende de política pública em esfera federal e estadual.

Política que tem apresentado resultados desanimadores, pois desde que o Inpe iniciou as medições, em 1988, nunca a expansão do desmatamento chegou a ser zerada em nenhum estado, dos 9 localizados na Amazônia, nem por um único ano sequer.

Desnecessário mencionar a cobrança internacional, que a cada dia se acentua, a fim de que o país impeça a devastação florestal na Amazônia.

A verdade é que, com o passar do tempo, a humanidade está se tornando mais consciente quanto à necessidade de valorização e manutenção dos recursos naturais, bem como quanto às implicações ambientais decorrentes de um modelo de crescimento econômico que não leva em conta a resiliência dos ecossistemas.

Não à toa, termos como sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são repetidos nas conferências da ONU, sob uma leitura cada vez mais intransigente em relação a todo e qualquer desmatamento – inclusive e sobretudo o legalizado, vale dizer, o que é realizado, no Brasi, sob o amparo do Código Florestal.

Nesse contexto, mostra-se mais que oportuno situar o processo de construção do ideário do desenvolvimento sustentável, a fim de identificar as interfaces existentes entre esse conceito e o desmatamento na Amazônia.

Ocorre que as ideias antagônicas defendidas pelas duas principais vertentes do ambientalismo – preservacionismo e conservacionismo –, que disputam entre si espaço político na gestão ambiental nacional, expõem visões diferentes tanto em relação à sustentabilidade quanto ao desmatamento zero na Amazônia.

Por exemplo, os partidários do preservacionismo defendem a criação de unidades de conservação do grupo da proteção integral – Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre – como principal elemento para a Amazônia alcançar sustentabilidade por meio do limitado crescimento econômico promovido pela pecuária extensiva.

Em síntese, segundo preconiza essa corrente de pensamento, a proteção integral de determinadas porções de ecossistemas, onde não se permite a presença humana, seria suficiente para neutralizar os impactos ocasionados pela completa substituição da biodiversidade florestal nas demais áreas destinadas à criação extensiva de gado (leia-se: desmatamento legalizado), garantindo-se, dessa maneira, uma suposta manutenção do equilíbrio ecológico.

De outra banda, os adeptos do conservacionismo acreditam na possibilidade de compatibilização do modelo de desenvolvimento com os requisitos da sustentabilidade. Para os conservacionistas, o uso múltiplo e comercial da biodiversidade florestal pode gerar riqueza, desde que esteja inserido dentro do sistema econômico vigente e desde que seja respeitada a resiliência, ou capacidade de suporte, do ecossistema.

Apoiam, nesse sentido, a criação de unidades de conservação inseridas no grupo do uso sustentável – Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural –, como proposta adequada para o crescimento econômico ancorado no uso múltiplo da biodiversidade florestal.

São, por conseguinte, defensores do desmatamento zero – ou seja, pugnam pela erradicação de todo e qualquer desmatamento, seja ilegal ou legalizado, seja efetuado pelo grande ou pelo pequeno produtor –, como princípio elementar para conquista da sustentabilidade ecológica na Amazônia.

Não admitem, por isso, a completa substituição ou o corte raso da biodiversidade florestal, como também não aprovam a existência de áreas onde não seja autorizada a presença humana.

Trata-se, sem dúvida, de uma concepção bem mais complexa e de difícil aceitação do que o ponto de vista defendido pelo preservacionismo – que se baseia, grosso modo, na mera segregação de espaços: enquanto em determinadas áreas pode desmatar tudo, em outras, ninguém entra.

Ao que tudo indica, porém, o desmatamento legalizado admitido pelos preservacionistas está com os dias contados. Os países que assinaram o Acordo de Paris em 2015 não fazem distinção entre o desmatamento legalizado e o ilegal, e são intolerantes quanto a toda forma de desmatamento na Amazônia.

Em âmbito mundial, os preservacionistas estão perdendo a batalha ideológica, o desmatamento zero irá prevalecer. 

Há mais um fator que reforça a defesa do desmatamento zero como elemento central para o desenvolvimento sustentável amazônico. É que perdeu a validade o argumento de que as terras da Amazônia deveriam ser cultivadas para alimentar o mundo.

Argumento reiterado no decorrer da década de 1970 – quando ainda se acreditava que o solo da Amazônia, após a supressão da floresta, teria papel essencial na solução do dilema entre crescimento demográfico x oferta de alimentos –, mas que já foi completamente superado e hoje não passa de um grande despropósito.

Como demonstra a realidade, a revolução verde proporcionou aumento expressivo de produtividade em todo solo agriculturável disponível no planeta, o que solucionou o dilema e afastou a biodiversidade florestal da Amazônia do imbróglio.

Enfim, não existem ganhos de ordem social ou econômica que justifiquem conviver com a destruição florestal na Amazônia e seus efeitos nefastos para o aquecimento do planeta e as consequentes alterações no clima. Não há plano B.     

Zerar o desmatamento legalizado é o primeiro passo para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, tudo depende disso.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Da coleta à agricultura, a primeira transformação produtiva na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Ao lado de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire se dedicou a estudar o processo de colonização do país, fornecendo elementos essenciais para a compreensão da formação histórica da sociedade brasileira.

Há quem diga, ainda hoje, que tudo seria diferente – para melhor, é claro! –, tivessem sido os ingleses ou os holandeses, e não os portugueses, os primeiros colonizadores a se aventurar por estas paragens.

À pergunta: Por que Portugal?, Freire responde que foram fatores como posição geográfica, isolamento dos demais países europeus e tradição marítima que levaram o povo português a se lançar ao mar em busca de conquistas e de sobrevivência econômica.

Além disso, o fator climático também contribuiu para que Portugal se tornasse a grande nação colonizadora que foi, uma vez que o país apresenta altas temperaturas e umidade, condições muito distantes do rigoroso inverno tão característico ao continente europeu.

Nas condições físicas de solo e de temperatura, Portugal é antes África do que Europa. O chamado ‘clima português’ de Martone, único na Europa, é um clima aproximado do africano. Estava assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos (Freire, 2001, p85).

Vale dizer, além das condições favoráveis relacionadas à localização e experiência de navegação, os portugueses também contavam com mais capacidade de adaptação ao difícil e extenuante clima tropical.

Para Freire, é equivocado o juízo que comumente se faz do português, como o tipo social do homem do mar conquistador – cujo temperamento é descrito por adjetivos como desorganizado, fanfarrão, preguiçoso, individualista, saqueador e irresponsável.

Contestando essa avaliação, o autor explica que os portugueses demonstraram elevada capacidade de organização ao estabelecer uma produção agropecuária que exigia rigidez em seu planejamento.

Essa primeira e significativa transformação produtiva pela qual passou o país foi de importância crucial para a formação duma estrutura econômica sólida em território brasileiro.

Até então – durante a fase do puro saque -, afirma Freire, não eram necessárias grandes estruturas para exploração, sendo suficiente o emprego do indígena como guia para a localização de pau-brasil e de veios de minerais.

Mas a transição que induziu à agricultura demandava maior quantidade e qualidade de labor. Por outra parte, também requeria investimentos de monta no assentamento das culturas e dos produtores.

Afinal, tratou-se de um empreendimento capitalista, voltado para o abastecimento interno e suprimento do mercado exterior, e cuja administração exigia uma tradição que os portugueses, para não levarem prejuízo, tiveram que adquirir.

Um movimento econômico de certa forma único, além de bem distinto da experiência engendrada pelos espanhóis:

Semelhante deslocamento, embora imperfeitamente realizado, importou numa nova fase e num novo tipo de colonização: a ‘colônia de plantação’, caracterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra, em vez de seu fortuito contato com o meio e com a gente nativa. No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. (Freire, 2001, p91).   

A prioridade não era outra senão atender o mercado externo, em expansão. Primeiro, com a cana-de-açúcar; depois, com o algodão; e, por fim, de forma quase permanente até à atualidade, com o café.

O fato de a produção se dar em larga escala, bem como de ser baseada no emprego do grande capital e da grande propriedade levou o país a adquirir uma tradição rural de certo modo precursora do atual e pujante agronegócio que tem na soja e carne de boi seus principais produtos.

Todo esse esforço de produção exigiu, evidentemente, grande arregimentação de força de trabalho – primeiro escrava, depois assalariada –, que foi levada a efeito de forma impressionante.

A agricultura exportadora consumiu índios, negros e europeus, num momento em que o capital humano era escasso no mundo e, em razão disso, caro e dispendioso.

Na Amazônia, o trabalho escravo dos índios e negros se tornou crucial. Os portugueses, conforme informa Feire, contaram com a imprescindível ajuda dos padres da Companhia de Jesus para doutrinação e imposição de disciplina rígida e obediência servil.

Nesse momento, no final do século XIX, começava a primeira transformação produtiva na Amazônia, em direção à criação extensiva de boi e ao desmatamento.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.